O Globo
Que Nostradamus, que nada! Quem profetizou
sobre os eventos neste Brasil do ano da graça de 2022 foi Luís Vaz de Camões, o
maior poeta vivo da língua portuguesa (morreu em 1580 apenas para os leitores
ingratos).
Está tudo lá, no soneto “Amor é um fogo que
arde sem se ver”, publicado há 424 anos sob o disfarce de ser apenas mais um
poema a respeito da servidão amorosa.
“Fogo
que arde sem se ver” é uma metáfora para Simone Tebet — a senadora
sul-mato-grossense que não falta ao trabalho (compareceu a 95% das sessões), não
rasga dinheiro público (gastou só cerca de 40% da verba de gabinete e da cota
parlamentar), nem responde a processo judicial. Teve atuação firme na CPI da
Covid e tem baixa rejeição. Pode crescer e aparecer. A menos que o vice seja o
Aécio, porque aí incinera tudo.
“Ferida que dói, e não se sente” é referência a Lula. Responsável pelos maiores escândalos de corrupção da nossa História, há quem acredite que “não tem, nesse país, uma viv’alma mais honesta”. Mas sejamos justos: pelo menos uma vez não faltou com a verdade — foi quando disse que no Congresso havia 300 picaretas. Tanto havia que comprou vários deles, assim que teve oportunidade.
“É
um andar solitário entre a gente” remete a Ciro Gomes, que não tem conseguido
fazer alianças ou agregar apoios. Com seu destempero e incontinência verbal,
parece “querer estar preso por vontade” a uma posição de coadjuvante na
disputa.
“É um cuidar que ganha em se perder” alude,
obviamente, a Luciano Bivar. Político profissional (não necessariamente na
melhor acepção dos termos), neutralizou (e rifou) Sergio Moro e agora pode
fazer acordos à direita e à esquerda, acima e abaixo, dentro e fora. Terá R$
770 milhões para ser fragorosamente derrotado (fará campanha “pró-forma”) e
eleger uma megabancada de deputados com poder de barganha. Perde e sai
ganhando, seja qual for o futuro presidente.
“É
servir a quem vence, o vencedor” descreve João Doria. Levou a melhor nas
prévias do PSDB — e só nelas. O partido não o quer e parece que os eleitores
também não fazem muita questão. Foi importantíssimo na luta contra a Covid-19,
mas a vaidade — como cantou Billy Blanco — põe o bobo no alto e retira a
escada.
Em “É ter com quem nos mata, lealdade”,
Camões conseguiu retratar, à perfeição, a relação dos bolsonaristas com seu
mito. O presidente se opôs à vacinação, ao distanciamento social, ao uso de
máscaras — e se a Covid-19 não matou mais foi porque prefeitos, governadores e
a população fizeram o que precisava ser feito. Bolsonaro conseguiu ser o pior
presidente desde 1889 — o que não é pouca coisa, num país que já teve Sarney,
Collor e Dilma.
“Tão contrário a si é o mesmo Amor” fala
dos eleitores que tentaram se curar da dilmite tomando Bolsonariol e agora
acham que dá para combater bolsonarite com uso de Lulalckmin, um genérico
transgênico.
Claro que a profecia camoniana pode ter outras interpretações (quanto mais polissêmica uma previsão, maiores as chances de dar certo). Mas é evidente, ora pois, que Camões (pre)via melhor com um olho só do que Nostradamus com dois.
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