O Estado de S. Paulo
Desconfie do governo que diz que a solução para o país é destruir o outro lado, seja de esquerda ou de direita
Por que não conseguimos mais conversar
sobre nosso país? Em que momento o debate político desandou em briga de rua?
Essas perguntas provocativas conduzem O Diálogo Possível, oitavo livro do
ensaísta Francisco Bosco. Dado que nenhum problema complexo tem solução
simples, são múltiplas as respostas para as questões levantadas na obra.
“Vivemos uma época em que, mais que
discutir assuntos seriamente, queremos pertencer a uma tribo política”, diz
Bosco, entrevistado no minipodcast da semana. “As pessoas preferem lacrar a
debater. É mais fácil. É só compartilhar os memes certos e os autores certos,
mesmo que as citações sejam mentirosas.”
Na era das redes – “com as quais conviveremos ainda por muito tempo”, segundo Bosco – os significados das diversas posições políticas se perderam. Dependendo de quem usa as palavras, “liberal” ou “socialista” podem virar xingamentos – quando, na verdade, são apenas maneiras diferentes de promover inclusão social.
Os brasileiros, segundo o autor, também
perderam conexão com manifestações culturais que nos faziam sentir orgulho do
País. Numa nação cuja história se alicerça em racismo e exclusão, a música
popular e a seleção de futebol nos trazem a imagem do Brasil que gostaríamos de
ser – mais multicultural e justo.
Desapareceu também a unanimidade em relação
à grande conquista recente dos brasileiros: a democracia. Há dez anos era
impensável que uma parcela da população defendesse abertamente governos
autoritários. Hoje convivemos com saudosistas da ditadura.
O que fazer? Promover uma discussão serena
e lastreada em fatos pode ser um começo. Depreende-se também do livro que
recuperar o significado das posições políticas, além de algum orgulho da
brasilidade, podem nos colocar no caminho de um debate mais maduro.
O Diálogo Possível, por fim, toca num ponto
fundamental. Quando um governo de esquerda incorpora ideias de direita, ou
vice-versa, os resultados para o país costumam ser melhores. Quando tal
acontece, é porque as políticas públicas são fruto de um debate, e não da
aniquilação de um lado por parte do outro.
Isso ocorreu entre nós recentemente, quando
uma combinação entre responsabilidade fiscal e políticas de inclusão social
fizeram com que o país desse um salto. Construiu-se, a partir de algum diálogo,
ainda que precário, uma visão de Brasil.
Desconfie de um governo que diz que a
solução para o país é destruir outro lado, seja ele de direita ou de esquerda.
Governantes que confundem política com aniquilação não destroem apenas os
oponentes. Acabam por destruir a própria democracia – e, de quebra, o país.
*Escritor, professor da Faap e doutorando em ciência política na Universidade de Lisboa
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