Folha de S. Paulo
Essa concepção tribal de política foi
descaradamente plagiada pelo bolsonarismo
Bolsonaro pratica
uma concepção primitiva de política,
baseada no confronto, na intimidação dos adversários e no arbítrio, em
detrimento de uma política fundada na competição eleitoral, no debate público e
na legalidade.
Essa concepção tribal de política,
defendida por Carl Schmitt, que marcou a ascensão de regimes totalitários nos
anos 1930, repaginada pela extrema direita norte-americana nas últimas décadas
—com sua idolatria fálica às armas, à supremacia racial e a ideias
liberticidas—, foi descaradamente plagiada pelo bolsonarismo.
Para os praticantes dessa concepção pervertida de política, a democracia constitucional —que pacifica e institucionaliza a competição política e impõe limites jurídicos àqueles que exercem poder— aparece como um entrave inaceitável ao poder soberano devendo, portanto, ser suprimido. A verdadeira soberania, de acordo com Schmitt, não pode ser confinada pela Constituição, pelo império do direito. Ela somente se expressa no contexto do estado de exceção.
Afirmar que se trata de um modelo primitivo
de política, não significa, portanto, dizer que é uma concepção destituída de
método. No caso brasileiro, o constitucionalismo democrático vem sendo atacado
de duas formas: o intenso confronto político deliberado e a erosão difusa da
ordem jurídica e da integridade das instituições.
Politicamente, o bolsonarismo conduz um
interminável confronto com as instituições e os valores da democracia liberal.
Promove uma guerra cultural permanente pelas redes sociais e, ao mesmo tempo,
ataca as instituições de controle e aplicação da lei, com o objetivo de minar a
credibilidade, e a capacidade dessas instituições de exercerem a função de
freios contrapesos ao poder presidencial.
O ataque às urnas
eletrônicas, ao Supremo e aos
ministros que têm conduzido o processo eleitoral é parte essencial dessa
estratégia de fragilização institucional. Como demonstra relatório da
organização Democracia em Xeque, publicado esta semana, após Bolsonaro propor
ação de abuso de autoridade contra Alexandre
de Moraes, o ministro vem sendo alvo de uma gigantesca onda de ataques nas
redes sociais, voltada a intimidar e restringir sua credibilidade. Dentro dessa
mesma estratégia, o bolsonarismo fomenta a animosidade das Forças
Armadas contra o Supremo e o TSE.
No plano jurídico, por sua vez, o governo
tem empregado as prerrogativas presidenciais, como decretos, nomeações,
restrições orçamentárias, estabelecimento de sigilo e ordens para
institucionais, para subverter a ordem constitucional. Essa estratégia parece
ser uma consequência da incapacidade do governo de promover mudanças mais
amplas com apoio de ambas casas do Congresso
Nacional.
Esse ataque infralegal fica muito evidente
no campo do meio ambiente,
dos direitos indígenas, do combate ao trabalho escravo, da reforma agrária,
da Polícia
Federal e, especialmente, na área das armas de fogo, prejudicando não
apenas a política de segurança pública, como fortalecendo milícias e grupos
radicalizados que ameaçam a democracia.
Trata-se, assim, de um perigoso avanço em
direção ao estado de exceção, como decorrência da associação entre confronto
político sistemático e erosão jurídica como método de subversão da ordem
constitucional, que precisa ser imediatamente contido, sob o risco de
comprometer definitivamente o edifício democrático brasileiro. Esse é o desafio
colocado às elites políticas, econômicas e sociais brasileiras neste momento.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
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