sábado, 21 de maio de 2022

Ascânio Seleme: Os empresários e a eleição presidencial

O Globo

O apoio do setor a Bolsonaro já foi maior, mas o presidente ainda consegue arrancar alguns aplausos e vivas

Altamiro se orgulha da sua trajetória profissional. Ele começou a trabalhar ainda menino. Aos dez anos garimpava no interior de Minas Gerais. Foi depois faxineiro, trabalhou numa empresa de material de construção e representou uma indústria de tintas na região em que morava, até reunir algum dinheiro e virar pequeno empresário. Montou então uma loja de artigos de R$ 1,99, quando aquilo era febre no Brasil, e foi ainda contrabandista de bugigangas que trazia do Paraguai para abastecer sua loja e a dos concorrentes. Hoje, com 54 anos, é dono de uma empresa de transportes de pessoas. Seu orgulho é ter conseguido vencer mesmo sem estudar. Fez apenas o primeiro grau. “Parei de estudar porque tive de trabalhar”, afirma. É bolsonarista mas não sabe bem porquê.

O apoio dos empresários brasileiros a Bolsonaro já foi maior, mas o presidente ainda consegue arrancar desse grupo aplausos e vivas, como ocorreu na reunião dos supermercados na semana passada. Os graúdos da Faria Lima já foram mais efusivos, enquanto os menores seguem com algum entusiasmo, talvez por sentirem-se mais próximos do candidato. Não que isso seja uma regra, mas os grandes estão tirando o pé da canoa da extrema direita mais rapidamente porque entendem melhor o perigo crescente de radicalismo e rompimento institucional que ela representa. E, claro, de olho nas consequências inevitáveis para os negócios.

Entre os menores, há muitos que não conseguem enxergar os sinais ou que ainda não foram alcançados pelas ondas causadas com as pedras arremessadas por Bolsonaro no lago e continuam mantendo o discurso antipetista alicerçado em dois pilares: corrupção e comunismo. Empresários como Altamiro, que leem pouco, não têm informação de qualidade e não entendem muito de política, acabam engolindo o discurso bolsonarista, que confundem com comunhão de valores. Para eles, o PT é corrupto e comunista; vai roubar o dinheiro público e acabar com os negócios privados.

A estes não importa o perfil estatizante do PT, que preocupa os seus pares graduados. Tampouco se interessam por esta questão de teto de gastos. Talvez nem saibam que para eles, quanto mais Estado, melhor. Prestam pequenos serviços e fornecem produtos que interessam a um Estado gastador e à cadeia consumista que ele alimenta.

Não conseguem ver os efeitos de uma ruptura institucional em seus negócios, que estão na parte debaixo da cadeia produtiva, mas fazem parte do ciclo e certamente sofreriam pelo efeito cascata. Se houver uma ruptura institucional, o Brasil será boicotado comercial e economicamente, como a Rússia depois da invasão da Ucrânia. Os produtos brasileiros perderão mercado causando desemprego e quebradeira. Novos players globais entrarão em setores hoje dominados pelo Brasil em condições de produzir estrago permanente a médio prazo.

Os grandes já perceberam isso. Pesquisa Deloitte Global feita em janeiro revela que 68% de 491 mega empresários ouvidos reconhecem que a eleição pode impactar seus negócios. Estes representam 31% do PIB brasileiro e têm receita anual de R$ 2,3 trilhões. Muitos pequenos ainda não entenderam como Altamiro, por exemplo, seria alcançado se houvesse um golpe. É simples. O grosso do seu negócio ocorre em Ipatinga e Timóteo, cidades do Vale do Aço de Minas, onde ele faz transporte de empregados de empresas siderúrgicas. Se estas companhias pararem de exportar seus produtos, terão que demitir empregados e deixarão de usar os serviços de Altamiro.

No agro, os desdobramentos de um golpe seriam ainda mais dramáticos, dado o volume da riqueza que produz e o número de pessoas que emprega. Se qualquer embargo a um determinado produto agropecuário (como de carne em razão de aftosa, por exemplo) já causa rebuliço nacional, imagine um boicote total por motivação política. Esse é o principal problema econômico de uma ruptura institucional. O desastre claramente está batendo à nossa porta. Só não vê quem não quer ou quem não sabe ler sinais e olhar ao redor com atenção.

Leis e salsichas

Todo mundo já ouviu dizer que é melhor não saber como se faz salsichas. No Brasil, a manufatura de leis muitas vezes é tão esquisita quanto a das salsichas. Não são raros os casos de lobbies em favor de leis que favoreçam setores empresariais, igrejas, associações de classe, clubes de futebol e outros tantos grupos de pessoas ou entidades. Muitas absolutamente legítimas. Mas, agora, pela primeira vez na história do parlamento brasileiro, se aprovou uma emenda constitucional, que é mais do que uma lei ordinária porque exige quórum qualificado, para beneficiar duas pessoas. Trata-se da PEC que aumentou de 65 para 70 anos a idade máxima para uma pessoa ser indicada a um tribunal superior e atende lobby de dois ministros do STJ, Humberto Martins e João Otávio Noronha. Ambos têm 65 anos e furaram a barreira anterior, mas com a PEC Salsicha voltam a sonhar com o STF. Aos dois resta agora torcer para Bolsonaro ganhar um novo mandato porque a nova vaga para o Supremo só será aberta no ano que vem.

Orelha a orelha

As imagens da reunião da cúpula do PSDB de terça passada sugeriam que se tratava de um ajuntamento festivo, não de um encontro grave em meio à maior crise já vivida pelo partido que um dia governou o país e mudou a história da sua economia. Antes de fecharem as portas para iniciar o processo de sabotagem da candidatura do partido, alguns tucanos riam de orelha a orelha. O mais animado era o bolsonarista Aécio Neves, que ao final do convescote pediu “grandeza”a João Doria.

Grandeza

No dicionário de Aécio Neves, grandeza deve significar: desiste; sai; se manca; cai fora; dá o pira. Ou ainda: deixa que do dinheiro do fundo partidário a gente cuida. Alguém acha mesmo que a turma liderada pelo deputado amigo de Joesley Batista se preocupa com quem vai ganhar a eleição presidencial? Ou com democracia, futuro, ética e lealdade?

Gordinho

Na semana passada, Bolsonaro atacou um certo “deputado gordinho” que, segundo ele, chegava e dizia “olha, se não arranjar este ministério não entra em pauta nada”. O presidente fake acrescentou que isso o impedia de governar. Duas observações. Primeira: O deputado gordinho deve ser Rodrigo Maia, o único que podia travar a pauta na Câmara até 2020. Uma injustiça com Rodrigo, que fez tudo o que Bolsonaro queria, inclusive a reforma da Previdência, e não encaminhou os pedidos de impeachment. Segunda: Alguém já contou o número de ministérios que ele deu ao Centrão; contabilizou o orçamento secreto que abriu o cofre público aos aliados; ou registrou o número de encontros que manteve com os pastores dourados que atravessavam verbas no MEC por indicação sua?

Balizamentos

O ministro Edson Fachin deu novo balizamento às eleições de outubro ao anunciar que vai convidar mais de cem instituições internacionais para observar o processo eleitoral. E que não há mais espaço para “aventuras autoritárias”. Já o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, disse numa entrevista que há uma linha amarela que separa a democracia do autoritarismo que não pode ser ultrapassada. Todo discurso antigolpe é bem vindo. Discurso com medidas é melhor ainda.

Data crucial

É importante que os observadores convidados por Fachin cheguem logo no primeiro turno. A tentativa de golpe será aí. Se Bolsonaro aceitar os resultados do primeiro turno, não terá como depois refutar os do segundo. Tem gente apostando que a muvuca bolsonarista ocorrerá entre 3 e 4 de outubro, logo depois do domingo eleitoral.

Viva a vida

Alguns petistas andam meio ressabiados com Lula. Acham que ele virou um marqueteiro com discurso despolitizado. Em pequenas rodas, chegam a criticar seu casamento em plena campanha por excesso de glamour. Dizem que não era a hora. Não de casar, mas de casar com tanta pompa. Os mais próximos ao patriarca petista afirmam que isso é ciumeira de quem não foi convidado para a festa. Lula tem razão. Como disse John Lennon: “Vida é o que acontece quando você está ocupado fazendo outros planos”.

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