Valor Econômico
Fórum
de entidades empresariais sugere conjunto de medidas
Velha
piada que ainda faz sucesso entre iniciantes na indústria de óleo e gás: o
diretor de exploração da companhia petrolífera entra tenso na sala do chefe.
“Presidente, tenho duas notícias para dar. Uma ruim, outra boa”, avisa, já se
preparando para a bronca, e começa. “A ruim é que, depois de tanto investimento
e tantos poços furados, não achamos nenhuma gota de petróleo”, afirma, com
receio. Desânimo na sala. Então, na tentativa de levantar o astral do chefe, o
diretor complementa com a boa notícia: “Mas também não encontramos gás”. Os
dois respiram aliviados e terminam abraçados, em comemoração.
A anedota serve para ilustrar como o gás natural era visto, historicamente e sobretudo no Brasil, como fardo e mero subproduto do petróleo. Não é mais assim. A descoberta do pré-sal deixou em evidência o potencial do gás como fonte de energia e insumo para garantir competitividade à indústria de transformação. No entanto, apesar do avanço que foi propiciado pela nova Lei do Gás (14.134/21), esse arcabouço ainda tem sido apontado como insuficiente para uma evolução plena e rápida do setor. Basta observar os grandes números.
Quase
metade da produção brasileira é reinjetada nos poços - o equivalente a três
vezes o volume importado da Bolívia. De fato, uma parte da reinjeção busca
aumentar a pressão dos reservatórios e, com isso, extrair mais petróleo. Outra
parte deve-se à falta de infraestrutura de escoamento. O Brasil tem 27 mil
quilômetros de gasodutos. É apenas 2% da rede existente nos Estados Unidos,
menos do que a malha da vizinha Argentina ou do México, praticamente igual à de
países como Indonésia e Hungria. O preço final do gás para a indústria no
segundo semestre de 2021 - isolando portanto o efeito Ucrânia - era de US$
10,68 por milhão de BTU (unidade térmica britânica). No mesmo período, chegava
à porta das fábricas na Alemanha por US$ 9,08. A indústria americana gastava só
US$ 5,82. Faz toda a diferença para quem produz químicos, fertilizantes, vidro,
aço, cerâmica, papel e celulose.
O
Fórum do Gás - que reúne 16 associações empresariais, além de CNI e Firjan,
atuantes em diversos elos da cadeia do gás (produção, autoprodução,
comercialização, consumo, geração de energia elétrica) - elaborou um conjunto
de propostas para os candidatos à Presidência da República e aos governos
estaduais. Sob a coordenação de Bernardo Sicsú e Adrianno Lorenzon, técnicos de
prestígio no setor, o fórum estima no documento que, em dez anos, a produção
brasileira de gás pode crescer 107% e alcançar 143 milhões de m³/dia. A
produção de biometano, que é gerado a partir de resíduos orgânicos, tem
condições de atingir 32 milhões de m³/dia no chamado “pré-sal caipira” -
interior de São Paulo e Paraná.
Em
2022, novos fornecedores passaram a oferecer contratos de gás com preços até
42% inferiores aos praticados pela Petrobras. Ela ainda domina o mercado, com
folga, mas vendeu dutos de transporte e suas participações acionárias em
distribuidoras nos Estados. São reflexos do novo marco legal e de um acordo
fechado pelo Cade com a estatal. A abertura é aplaudida pelas associações
empresariais. No entanto, elas ponderam que o caminho para a construção de um
ambiente verdadeiramente concorrencial é longo e requer outras ações. As
propostas do fórum contemplam três eixos.
1)
“Gas Release”: a Petrobras detém 85% da oferta de gás natural (era quase 100%
até 2021), mas essa redução não constitui tendência firme. Ela opera os campos
com maior perspectiva de crescimento nos próximos anos e o gasoduto Rota 3, na
reta final de obras. A Bolívia apresenta dificuldade em atender simultaneamente
Brasil e a Argentina. A oferta de GNL (gás liquefeito importado por navios)
enfrenta cenário um internacional desafiador e, por aqui, depende de conexão
dos terminais portuários com a malha de dutos de transporte.
O
que pede o fórum é uma política de desconcentração do mercado, com oferta
periódica de gás do “player” incumbente, como modo de ter competição efetiva.
Países como Espanha, Reino Unido, Itália e Colômbia adotaram essa iniciativa
para diversificar seus supridores.
2)
ANP e regulamentações: a agência reguladora do setor é mencionada 36 vezes na
Lei 14.134. Seus compromissos foram reforçados por normas infralegais, como a
formulação de um diagnóstico e o desenho de uma proposta para o “gas release”
até o fim do ano. Só que sua atuação tem esbarrado em limites técnicas e
financeiros. A agenda regulatória elaborada pela própria ANP para o Novo
Mercado de Gás teve apenas um item, em três anos, equacionado.
3)
Pacto nacional: a definição de critérios para consumidores livres - não
sujeitos às amarras da distribuidora local - cabe ao Estados, mas muitos deles
estão dificultando essa migração. O decreto de regulamentação da Lei do Gás
prevê a existência de um pacto nacional, aos quais os governadores podem aderir
de forma voluntária, removendo as barreiras atuais e facilitando a harmonização
de regras. Pouco se avançou. Catorze dos 27 Estados não têm sequer um volume
mínimo especificado para dizer quem pode e quem não pode ser consumidor livre.
Na questão estadual, o fórum reclama de tratamento não isonômico entre livres e cativos, incentivo à verticalização, falta de um modelo de contrato para uso do sistema de distribuição, normas para a comercialização que excedem suas atribuições.
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