quarta-feira, 31 de agosto de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Houve exagero contra empresários bolsonaristas

O Globo

Evidências comprovam necessidade de investigar, não de congelar contas ou promover busca e apreensão

Fez bem o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em divulgar enfim explicações sobre a operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) na semana passada contra um grupo de oito empresários bolsonaristas que, em conversas num aplicativo de mensagens reveladas pelo portal Metrópoles, prestavam apoio a um golpe que mantivesse o presidente Jair Bolsonaro no cargo e evitasse a volta ao poder do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O teor absurdo das conversas precisa ser repudiado com veemência por qualquer um preocupado com o futuro da democracia brasileira, mas, como elas não traziam nenhum indício concreto de que os autores estivessem mesmo tramando ou financiando atos de cunho golpista — apenas manifestavam um desejo sem fundamento nem cabimento —, havia uma dúvida legítima sobre o embasamento da decisão de Moraes, que a divulgação contribui para dirimir.

Para autorizar a operação, Moraes se baseou num pedido da Polícia Federal e numa manifestação do juiz instrutor Airton Vieira. Nela, dois dos empresários que participaram das conversas são associados a inquéritos que já tramitavam na Corte, investigando o financiamento da disseminação de notícias fraudulentas sobre o sistema eleitoral, ameaças aos ministros do STF e a organização de manifestações antidemocráticas, como os atos golpistas de 7 de setembro do ano passado.

Com base na suspeita de que esses mesmos empresários poderiam estar conspirando nas mensagens para deflagrar um golpe de fato, Moraes autorizou busca e apreensão em seus endereços residenciais e comerciais, a quebra do sigilo bancário deles e de algumas empresas, além do congelamento de suas contas bancárias e em redes sociais. Por mais que houvesse fundamento para aprofundar as investigações, parece claro, diante das evidências apresentadas, que o conjunto de medidas tomadas foi um exagero.

Dos oito empresários, apenas dois são mencionados nos trechos divulgados dos inquéritos anteriores. Além disso, não veio à tona nenhum indício que justificasse o congelamento das contas bancárias (nenhuma prova de que sejam usadas para financiar atos golpistas). O mais recomendado nessa situação seria primeiro ampliar as investigações por meio da quebra de sigilo, para depois congelar contas ou promover busca e apreensão.

A proximidade das eleições e o momento político sensível recomendam comedimento da Justiça. Moraes tomou posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob aplausos e com apoio unânime da classe política, da sociedade civil e do setor produtivo, investido da missão espinhosa de garantir um clima civilizado no pleito. É uma missão crítica para a democracia brasileira.

Para cumpri-la, é essencial que enfrente de modo determinado o questionamento infundado à lisura do sistema eleitoral, as ameaças de Bolsonaro e seus seguidores de rejeitar um resultado desfavorável nas urnas e todo tipo de conspiração golpista. Portanto é necessário que investigue os empresários. Mas isso não significa que deva recair no açodamento que acaba por deteriorar a qualidade dos processos judiciais. É um equilíbrio delicado. A conflagração eleitoral exige das Cortes superiores o máximo de serenidade e sabedoria.

Ampliação da cobertura de planos de saúde aumenta insegurança jurídica

O Globo

Proposta aprovada pelo Senado às vésperas das eleições poderá gerar mais custos para operadoras do setor

Embalado pela campanha eleitoral, o Senado aprovou na segunda-feira um projeto (já com o aval da Câmara) obrigando as operadoras de planos de saúde a cobrir tratamentos, exames e procedimentos que não constam da lista oficial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em vez de determinar que apenas os tratamentos explícitos nela fossem cobertos, a lista da ANS passaria a funcionar como um rol de exemplos. O projeto contraria decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinando que o rol da ANS é taxativo, não exemplificativo.

Apesar de bem-intencionada ao legislar sobre assunto de apelo, a ampliação da cobertura poderá ter efeito contrário ao pretendido, trazendo insegurança jurídica e aumentando o custo para as operadoras. De início, o próprio governo se mostrou contra. Na semana passada, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, criticou a derrubada do rol taxativo da ANS e alertou parlamentares sobre a possibilidade de repasse de custos aos usuários. Faltando apenas um mês para as eleições, porém, é improvável que o presidente Jair Bolsonaro queira assumir o ônus de vetar o projeto, fornecendo munição para os adversários num tema de grande repercussão no eleitorado.

Pelo texto aprovado no Senado, as operadoras de planos de saúde terão de cobrir, ainda que fora da lista da ANS, os procedimentos prescritos por médicos, desde atendam a pelo menos uma das condições: eficácia comprovada; registro em órgãos reconhecidos nacional ou internacionalmente; ou terem sido recomendados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Em junho, o STJ limitara a cobertura dos planos à lista da ANS, abrindo exceção apenas para procedimentos que tivessem comprovação científica para os quais não houvesse tratamento similar no rol.

A manifestação do STJ trouxe clareza a um tema nebuloso, que atravanca os tribunais. Um estudo mostrou que, entre 2008 e 2017, as demandas judiciais relativas à saúde cresceram 130%. É uma situação que não favorece pacientes nem operadoras. Ao estipular regras claras, o STJ contribuiu para aumentar a eficiência do setor e, consequentemente, para reduzir o custo ao consumidor.

A questão ainda está mal resolvida para pacientes cujo tratamento não encontra amparo na lista da ANS. Mas aprovar um projeto aparentemente favorável ao usuário de planos sem levar em conta a realidade do mercado não encerra o assunto. Ao contrário. Entidades que reúnem as operadoras já anunciaram que recorrerão à Justiça se a lei for sancionada e dizem que reajustes serão inevitáveis. “Só estão esquecendo de avisar à sociedade que não é a operadora quem pagará a conta. É o próprio consumidor”, disse Vera Valente, diretora da FenaSaúde.

Independentemente da sanção da lei, a ANS tem o dever de atualizar e manter um rol de procedimentos que esteja em sintonia com os melhores tratamentos disponíveis. É a melhor defesa contra as ações judiciais movidas por mero oportunismo.

Fome politizada

Folha de S. Paulo

Bolsonaro exibe seu despreparo ao tratar do tema social, em debate já aviltado

Jair Bolsonaro (PL) acordou tardia e desastradamente para o debate em torno da fome no país —o que também ajuda a entender suas decisões erráticas a respeito das políticas de amparo aos mais pobres.

"Se for a qualquer padaria, não tem ninguém pedindo para comprar pão", chegou a declarar a um entrevistador amistoso. No debate entre os presidenciáveis, teve a chance de se aprofundar um pouco mais: "Alguns passam fome, sim, mas não nesse número exagerado", disse, aproveitando para falar do papel do Auxílio Brasil.

A defensiva não se limitou ao Bolsonaro candidato à reeleição. O Ipea, instituto federal de pesquisa econômica, foi mobilizado para rebater dados que apontam até 33 milhões de brasileiros sem ter o bastante para comer. Arranjou-se, num governo que nunca dera importância ao tema, uma projeção de queda da miséria neste ano.

Merece análise mais cuidadosa, de fato, a cifra que se converteu naturalmente em bandeira oposicionista. Ela contrasta, por exemplo, com os 15 milhões calculados em recente relatório da ONU para o período 2019-2021 no Brasil.

Não cabe discussão, porém, quanto à deterioração aguda do quadro social nos últimos anos, visível para qualquer um que frequente as ruas —ou padarias. A mesma ONU aponta que a parcela da população em situação de insegurança alimentar grave saltou de 1,9%, em 2014-2016, para 7,3% no triênio mais recente.

Houve piora em todo o mundo, devido ao impacto da pandemia; aqui, antes da Covid-19 já se acumulavam anos de desempenho econômico entre frágil e calamitoso.

Pobreza, fome e assistência social nunca estiveram entre as preocupações do bolsonarismo —a não ser para acusar de demagogia as administrações do PT. Em 2020, o governo andou a reboque do Congresso na criação do auxílio emergencial de R$ 600 mensais, valor agora restabelecido em base precária às vésperas da eleição.

Com tal retrospecto, não espanta que Bolsonaro tenha dificuldade em capitalizar eleitoralmente as dezenas de bilhões de reais despejadas em seu programa de seguridade necessário e improvisado. De modo análogo, faltam à sua gestão especialistas, estatísticas e experiência para lidar com o tema.

Perdeu-se na esteira da pandemia uma oportunidade preciosa de examinar o aperfeiçoamento do aparato de programas sociais do país, com equilíbrio orçamentário e abandono de ações ineficientes.

As semanas restantes de campanha eleitoral tendem a se concentrar numa corrida de acusações, números grandiloquentes e promessas. O vencedor do pleito, qualquer que seja, sofrerá para retomar a racionalidade no debate.

De novo a dengue

Folha de S. Paulo

Surto da doença própria do subdesenvolvimento expõe ineficácia do poder público

Mal ficaram para trás os piores momentos da Covid-19, o Brasil se vê às voltas com mais um surto mortal de dengue. Segundo o mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, o país já registrou mais de 1,3 milhão de casos prováveis da doença, um salto de quase 200% ante 2021.

Escancara-se novamente o fracasso do poder público no combate a uma moléstia que é própria de nações subdesenvolvidas.

Tal quantidade de infecções representa uma incidência de 623 por 100 mil habitantes —acima, portanto, do limiar que, associado ao rápido crescimento de registros, tipifica a condição de epidemia pelos critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A região que inspira mais preocupação é o Centro-Oeste, que atingiu o triplo da já alta média nacional, com 1.851/100 mil habitantes. Goiânia e Anápolis (GO) já superam os 3.000 casos por 100 mil. Joinville (SC) e Araraquara (SP) também figuram entre as mais atingidas.

A explosão veio acompanhada de aumento expressivo no número de mortes. Até agora foram confirmadas 831, o triplo do observado no ano passado e a terceira maior cifra da década. Existem, ademais, outras 295 em investigação. O estado de São Paulo concentra o maior número de vítimas (253), seguido por Goiás (106) e Paraná (95).

Na falta de uma vacina como estratégia coletiva contra a doença (a única existente está disponível apenas em clínicas particulares, tem eficácia limitada e só é recomendada para quem já teve a doença), o combate se dá exclusivamente pela eliminação do vetor de transmissão, o mosquito que se reproduz na água parada.

O relaxamento, durante a pandemia, das medidas que evitam a proliferação do inseto, tanto por parte do poder público como da sociedade, somado ao empobrecimento da população, que tende a piorar as condições sanitárias, são alguns dos fatores que podem explicar o surto atual.

Há, portanto, que reforçar a prevenção. No âmbito individual, trata-se de colocar em prática medidas já conhecidas, como não deixar vasos, garrafas ou caixas-d’água destampados, entre outras ações que impeçam o acúmulo do líquido.

Às autoridades cumpre, e com maior senso de urgência, intensificar campanhas informativas e, sobretudo, mobilizar agentes de saúde nas áreas mais afetadas, a fim de identificar os principais focos da doença e agir para debelá-los.

Os negócios da família Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Se pretende ser visto pelo eleitor como campeão da luta contra a corrupção, Bolsonaro tem de explicar ao País de onde veio o dinheiro vivo com o qual ele e a família compraram 51 imóveis

Em 2018, Jair Bolsonaro elegeu-se prometendo combater a corrupção. Agora, tenta a reeleição com a mesma tática. Coloca-se como o candidato antipetista, cuja missão é impedir a volta da corrupção do PT. De fato, o partido de Lula da Silva tem muito a explicar ao País e, principalmente, a dizer sobre o que fará de diferente para não acontecer de novo tudo o que se viu nas gestões petistas. No entanto, enquanto não esclarecer as muitas questões obscuras envolvendo o patrimônio e as finanças de sua família, Bolsonaro não tem moral para cobrar transparência ou lisura de Lula. É literalmente o roto falando do esfarrapado.

No debate na Band, Bolsonaro chamou Lula de ex-presidiário. O líder petista esteve preso em razão de uma condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do triplex do Guarujá. Lula foi solto depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar que o juiz da primeira instância Sérgio Moro, além de ter atuado de forma parcial no caso, era incompetente para julgar a causa. Encaminhado depois à Justiça Federal de Brasília, o processo foi arquivado em razão do decurso do prazo prescricional.

Ou seja, os benefícios de uma empreiteira, entregues na modalidade de reforma de um imóvel na praia e reconhecidos numa delação, suscitaram a prisão de Lula, prisão esta que Bolsonaro faz questão de relembrar na campanha eleitoral. A ironia – ou a incrível desfaçatez – é que Jair Bolsonaro e sua família não têm problemas apenas com um único imóvel na praia. Levantamento realizado pelo site UOL, a partir de dados públicos, revelou que, desde os anos 90, o presidente, seus irmãos e seus filhos negociaram nada menos que 107 imóveis, dos quais pelo menos 51 foram adquiridos total ou parcialmente com uso de dinheiro vivo. Em valores corrigidos pelo IPCA, o montante pago em dinheiro vivo equivale a R$ 25,6 milhões.

Não é crime comprar imóveis usando dinheiro vivo, mas é muito estranho esse peculiar padrão de comportamento ao longo de tanto tempo, envolvendo quantias tão grandes. Além disso, há duas circunstâncias agravantes. Durante o período, Jair Bolsonaro sempre ocupou cargos políticos, recebendo seu salário em conta bancária. A princípio, não havia por que movimentar tanto dinheiro vivo.

Em segundo lugar, existem fundadas suspeitas de que, nos gabinetes parlamentares de Jair Bolsonaro e de seus filhos, foi corrente a prática da “rachadinha”, um sistema de apropriação pelo parlamentar dos salários de seus assessores. Revelado pelo Estadão, o assunto veio à tona depois das eleições de 2018, quando o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro investigava Flávio Bolsonaro por condutas suspeitas em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Um dos principais investigados era Fabrício Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro e homem de confiança da família. Em 2020, Flávio foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Depois de muitas idas e vindas processuais – o filho mais velho do presidente obteve o foro privilegiado no caso –, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rejeitou a denúncia.

Ao longo desses anos, as suspeitas de rachadinha e lavagem de dinheiro envolvendo a família Bolsonaro só ganharam novos indícios, em especial dois fatos: os cheques de Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro e a movimentação atípica de dinheiro vivo na loja de chocolate de Flávio no Rio de Janeiro. No entanto, Jair Bolsonaro nunca explicou essas suspeitas. Sempre que questionado, respondeu agredindo, ironizando ou simplesmente encerrando a entrevista.

Não é possível que, neste ano, Jair Bolsonaro peça o voto do eleitor falando em combate à corrupção do PT sem antes explicar essa combinação de dinheiro vivo na compra de imóveis, movimentações bancárias suspeitas e indícios de rachadinha nos gabinetes parlamentares. Não basta imitar Lula e dizer que a Justiça encerrou o processo contra seu filho ou se dizer perseguido pela imprensa que o questiona. É preciso explicar de onde veio tanto dinheiro vivo para comprar os numerosos imóveis da família.

Não é possível mais adiar as reformas

O Estado de S. Paulo

Ante perspectiva de um Planalto demagogo e antirreformista, é preciso cuidado redobrado para eleger governadores e legisladores comprometidos com o desenvolvimento sustentável

Qualquer família que tenha reformado sua casa já enfrentou o drama: por um lado, há consenso sobre a necessidade de reformas; por outro, dissenso sobre as prioridades, o projeto de cada uma e seus custos. Na Casa Comum brasileira não é diferente.

Há, primeiro, o desafio de compatibilizar os direitos cimentados na Constituição com mecanismos de sustentação. Desde 1988 os gastos públicos escalaram. No entanto, o Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo e há décadas a renda e a produtividade deixaram de se aproximar das dos países desenvolvidos.

Sob esse desafio jaz um ainda maior: erradicar vícios de origem herdados desde a era colonial, que podem ser resumidos em uma palavra: “patrimonialismo” – a vasta e intrincada rede de privilégios corporativistas, tanto do setor público quanto do privado.

Há tempos vigora um consenso sobre um tripé de reformas. A importância de uma reforma política é evidente pela crise de representatividade que só se aprofundou desde 2013. Uma reforma administrativa que elimine privilégios, sintonize as condições de trabalho do setor público ao privado, estabeleça uma melhor governança e valorize os bons servidores é indispensável para um Estado moderno e eficiente. Por fim, é preciso sanar um sistema tributário caótico e altamente regressivo.

Como destacou uma reportagem do Estadão para a série de 15 perguntas ao novo presidente, a conjuntura brasileira e os novos paradigmas globais acrescentaram novos itens a esse rol: uma reforma social para combater o avanço da miséria; o reajuste das regras orçamentárias para restabelecer o controle e a fiscalização dos gastos; e um arcabouço regulatório favorável ao desenvolvimento da economia verde.

Algo da propalada “impopularidade” das reformas decorre da dificuldade de adequar os ideais consagrados pela Constituição à realidade de um Orçamento limitado. Mas justamente por isso essas reformas são necessárias: elas são interdependentes e são, antes de tudo, uma questão de justiça social e de desenvolvimento sustentável. Mas muito da impopularidade é falso: nada além da pressão de enclaves corporativistas e clientelistas. Que a dita “vontade política” é indispensável provam-no as reformas fiscal e monetária, capitaneadas por FHC, ou a trabalhista, por Michel Temer.

A situação, é preciso dizer, é desalentadora. Não bastasse a procrastinação das velhas reformas, somada à premência das novas, o próprio consenso sobre a sua necessidade está em xeque. A indiferença dos dois favoritos à Presidência é indisfarçável. Ambos encontraram no medo um do outro uma alavanca eleitoral e um álibi para fugir do debate reformista.

Nessa atmosfera asfixiante, o cuidado do eleitor com o voto nos demais representantes eleitos é importante como nunca. Nos últimos anos, muitos governadores construíram consensos para aprovar reformas. Mesmo com o estelionato eleitoral de Jair Bolsonaro, a vontade de mudança do eleitorado, canalizada por uma presidência da Câmara engajada, à época de Rodrigo Maia, fez com que o Congresso consumasse reformas encaminhadas por Michel Temer, como a da Previdência ou a do marco do saneamento. E não faltam propostas bem amadurecidas e arquitetadas de instituições da sociedade civil cada vez mais empenhadas em modernizar o Estado.

Os brasileiros insatisfeitos com a demagogia antirreformista do lulopetismo e do bolsonarismo não podem esmorecer. Há outros candidatos. Mas, mesmo que suas chances sejam escassas, há postulantes ao Senado, à Câmara, aos governos e assembleias estaduais comprometidos com as reformas. As eleições são o momento de prestigiá-los e lançar as bases de uma oposição consistente.

Quando não se pode contar com a vontade política de cima, do Planalto, é preciso que ela venha de baixo, da sociedade e seus demais representantes. Sem dúvida ela é difícil. Exige a articulação de consensos e o seu corolário, a disposição a sacrifícios e renúncias. Mas, se essa mobilização genuinamente popular for lograda, sua pressão pode ser irresistível e as mudanças, radicalmente regeneradoras.

Patrimonialismo eleitoral

O Estado de S. Paulo

Financiamento público aos partidos drena recursos de políticas públicas e degrada a representação democrática

Historicamente, as eleições no Brasil estão entre as mais caras do mundo. Agora, conforme apurou o Estadão, os gastos em 2022 devem igualar ou até ultrapassar os de 2014, a disputa mais cara até então, com uma diferença: em 2014 a maior parte foi bancada por empresas; agora, será com dinheiro público.

A boa notícia, por sinalizar o engajamento dos cidadãos, é que as doações de pessoas físicas devem atingir um recorde. A péssima notícia é que os R$ 165 milhões arrecadados nos dez primeiros dias de campanha, que durará 45, são só uma fração irrisória dos R$ 6 bilhões em recursos públicos dos Fundos Eleitoral e Partidário.

Partidos políticos são entidades privadas, que devem ser sustentadas com dinheiro privado doado por seus simpatizantes.

Nos últimos anos houve avanços. Em 2015, a Suprema Corte proibiu a doação de empresas, que, afinal, não votam nem têm direitos políticos. A vinculação das campanhas aos interesses empresariais era uma distorção do processo político e abriu margem a casos vultosos de corrupção.

Mas não se corrige uma distorção com outra. Como mecanismo provisório, até que os partidos reorganizassem seu financiamento, o Fundo Eleitoral, criado em 2017, até poderia ser defensável. Mas desde então ele saltou de R$ 1,7 bilhão, em 2018, para quase R$ 5 bilhões, em 2022. Some-se a isso a escalada do Fundo Partidário, que, entre 1995 e 2018, descontada a inflação, cresceu 9.766%. 

Enquanto o financiamento aos partidos cresce, os investimentos em saúde, educação ou infraestrutura se contraem. Mas, mais do que drenar recursos do Tesouro, o financiamento aos partidos empobrece a representatividade democrática. A subvenção é injusta, por obrigar os cidadãos a custear legendas com as quais não raro discordam, e é corrosiva, por habituar os políticos a aliciar eleitores nas eleições e, depois, lhes darem as costas, entregando-se a administrar feudos controlados por poucos caciques.

Segundo a Transparência Partidária, entre 2008 e 2018, o porcentual de mudança da composição das Executivas Nacionais foi de ínfimos 24%. Não surpreende que o número de filiados esteja em queda.

Para piorar, como disse o diretor da Transparência Brasil, Manoel Galdino, “o Fundo Eleitoral ficou maior sem aumentar a transparência e a fiscalização”, ampliando a margem para candidaturas “laranjas”, gastos fictícios e enriquecimento ilícito.

Tudo isso contribui para a quantidade aberrante de legendas amorfas, que atuam exclusivamente como um balcão de negócios. A credibilidade dos partidos e do Legislativo entre a população diminui, abrindo margem a aventureiros populistas.

É difícil imaginar um mecanismo mais apto a perpetuar a crise de representatividade, que só se aprofundou desde 2013, do que o financiamento público aos partidos. O seu fim é crucial para que as legendas se obriguem a criar conteúdos programáticos aptos a cativar os corações e mentes dos cidadãos. Se, ao contrário, ele continuar a crescer, a distância entre os eleitores e os representantes eleitos também aumentará.

Superávits não removem a fragilidade da situação fiscal

Valor Econômico

Juros da dívida pública estão em alta

O governo central teve o maior superávit primário mensal desde 1997 (início da série) em julho, de R$ 19,3 bilhões, e o segundo maior no acumulado em 12 meses, de R$ 115,6 bilhões (1,38% do PIB). Os resultados robustos são consequência de um mix de recuperação econômica, inflação muito alta e algumas reduções de despesas. A situação parece confortável, mas deixará de sê-lo no próximo ano, quando a inflação será quase a metade do nível corrente até agora (10%) e o crescimento esperado 0,37%, fração ínfima dos 2,1% esperados para 2022, segundo as projeções do boletim Focus.

Até julho, a receita total do governo central cresceu 15,1% acima da inflação e a receita líquida, 13,8%. Os gastos, também em termos reais, recuaram 13,2%. Nem todo o crescimento da arrecadação se deve a fatores domésticos. Parte importante dele é decorrência da explosão de preços das commodities e energia na primeira metade do ano, principalmente após a invasão da Ucrânia por tropas russas. Isso pode ser visto tanto na receita de dividendos e participações, de R$ 35,7 bilhões, onde a Petrobras tem peso esmagador, como na arrecadação destinada à União pela exploração de recursos naturais, de R$ 23 bilhões, preponderantemente petróleo e derivados, cujos preços dispararam. Concessões e participações levaram mais R$ 39,3 bilhões para os cofres públicos.

Nas despesas ocorreu de tudo, inclusive as marretadas que o governo deu nos precatórios, instituindo um calote em tese organizado e jogando uma conta pesada para o futuro. As despesas com precatórios, por conta disso, encolheram R$ 10 bilhões nos primeiros sete meses do ano. O congelamento dos salários dos servidores trouxe economia de R$ 25,1 bilhões, que não mais se repetirá. O fator de maior peso para a queda nos gastos foi a redução das despesas extraordinárias relacionadas à covid-19, de R$ 60,8 bilhões. O aumento do emprego e os efeitos positivos da reforma previdenciária fizeram com que a arrecadação líquida da Previdência aumentasse R$ 19,7 bilhões. Tudo somado, foram R$ 115,6 bilhões a menos.

A chance de manter a boa performance em 2023 é zero. As despesas que escaparam de dois golpes no teto de gastos com fins eleitorais precisarão encontrar fonte de receitas que não existem, um mistério cuja resolução a apresentação da proposta orçamentária hoje pode ou não decifrar. O aumento do Auxílio Brasil, de R$ 400 para R$ 600, que tanto o presidente quanto o favorito na disputa eleitoral, o ex-presidente Lula, pretendem perenizar, custará de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões. Os dois candidatos favoritos ao Planalto disseram que darão reajuste aos servidores e resta saber se os funcionários se contentarão com a ideia orçamentária inicial de reservar algo como R$ 10 bilhões para isso, o que daria para uma recomposição de 5% ou pouco mais.

Se o teto de gastos, que já foi furado, for mantido em 2023 - Lula disse que o eliminará - as despesas crescerão bem menos que as desse ano pela queda da inflação. O IPCA que as corrigirá deve se reduzir para 6,7% (Focus), algo bem menor que os 10,06% de 2021.

Pelo lado das receitas, manter a desoneração de tributos federais dos combustíveis por mais um ano exigirá um esforço da ordem de R$ 60 bilhões. Há ainda imbróglios políticos deixados pelo caminho, como a suspensão do pagamento da dívida dos Estados, obtidos na Justiça, enquanto não ocorrer a compensação da União pela perda de receitas com a redução de alíquota do ICMS dos combustíveis para a média cobrada (16% a 17%).

É possível, mas não é certo, que o governo central tenha superávit primário em 2022. O orçamento prevê um déficit de R$ 170,5 bilhões, reestimado para R$ 59,4 bilhões, mas não se sabe quanto desse espaço fiscal será utilizado com os estímulos eleitorais de Bolsonaro e Paulo Guedes, e com exigências do Centrão. O que é certo é que o déficit nominal vai crescer bastante depois da intensa elevação dos juros.

Os juros apropriados no ano até julho sobre a dívida pública mobiliária interna somam R$ 346 bilhões. A taxa média sobre os títulos que a compõem subiu de 8,49% do fim de 2021 para 12,09% e a tendência ainda é de alta. Uma taxa 3,5 pontos maior de juros médios em uma dívida mobiliária de R$ 5,35 trilhões em dezembro de 2021 acrescerá a conta em cerca de R$ 190 bilhões. O pagamento de juros será muito maior que o superávit primário obtido em 12 meses, que não se repetirá.

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