Valor Econômico
Projeto, se aprovado no Senado, pode ser
uma lei de transição
Processo que começou no Congresso há nada
menos que 38 anos, a regulamentação do lobby no Brasil avançou na Câmara dos
Deputados nesta semana com a aprovação do parecer do deputado Lafayette Andrada
(Republicanos-MG), mas nada garante que o marco legal em relação a este tema
esteja próximo.
O projeto aprovado pelos deputados, que funde
uma proposta do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) apresentada em 2007 com outra
de autoria do governo federal, passou por votação simbólica, com a solitária
oposição do Psol, mas não há acordo com o Senado para que a proposição seja
votada sem modificações.
Mesmo defensores da matéria reconhecem que o texto em discussão tem limitações. Carolina Venuto, presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), ou seja, o lobby em relação ao lobby, concorda que estamos diante de uma “legislação de transição”. Muda-se agora para mudar de novo mais adiante.
O projeto é menos ambicioso do que as
propostas iniciais em relação ao tema. A primeira delas, feita em 1984 pelo
antigo vice-presidente e senador Marco Maciel (1940-2021) inspirava-se no
modelo americano, que também pautou diversos outros projetos para regulamentar
a atividade, inclusive o de Zarattini. A proposta do falecido vice-presidente
formalmente ainda tramita. Está pronta para votação no plenário da Câmara desde
13 de março de 2003. Não fez parte dos projetos apensados por Lafayette.
Prevaleceu no parecer o modelo da
legislação chilena, com regras que não deixam o lobby tão transparente como é
nos Estados Unidos. “Em algum momento vamos chegar a este padrão. Hoje não
temos nada. Esta será uma construção paulatina”, diz a dirigente.
A frase chave é essa: hoje não temos nada.
Há um deserto legislativo sobre as atividades de grupos de pressão. Mistura-se
no mesmo balaio do vácuo normativo o representante de uma ONG que percorre os
corredores do Congresso, dos ministérios e do Supremo, e um traficante de
influência. Mesmo críticos do projeto, como o procurador do Ministério Público
de São Paulo Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção
(Inac), admitem que há um avanço. “Vamos pelo menos ter um regramento”, disse.
O procurador aponta dois pontos
particularmente problemáticos da proposta, que apareceram no parecer de
Lafayette Andrada. Um é a falta de obrigatoriedade do registro de documentos
trocados entre as partes nas tratativas institucionais. As agendas serão públicas,
mas memorandos, dossiês, anteprojetos entregues poderão permanecer sob sigilo.
Livianu lembra também a permissão para que
autoridades públicas possam aceitar convites para palestras e visitas a
empresas no exterior, por exemplo. Para o procurador, abre-se uma brecha para
que autoridades públicas recebam vantagens, ainda que de modo indireto.
Lafayette afirma que, em relação a este
ponto, não quis inovar. Adaptou a regra que existe no Estatuto do Servidor “há
mais de trinta anos”, tornando-a mais rigorosa. O Estatuto permite que o
servidor possa pedir reembolso de despesas em viagens a convite, algo que não
será mais permitido.
Novamente neste ponto imperou a filosofia
do meio termo. O projeto permite a “hospitalidade legítima”, mas coloca algum
limite no recebimento das regalias.
A lógica de se procurar um ponto médio
também foi a que vigorou ao se legislar sobre as reuniões de grupos de pressão
com autoridades. A agenda será pública, os documentos trocados não
necessariamente. Segundo Lafayette aplica-se neste caso o mesmo princípio do
sigilo de correspondência. Para o deputado, ninguém pode ser obrigado a
divulgar temas de natureza particular que envolvam assuntos sensíveis ou
estratégicos.
Muito aquém do padrão ouro de transparência
e muito além do nada, é pouco provável que o projeto seja votado este ano. Em
tempo: nos Estados Unidos a atividade de lobby é regulada desde 1946.
Problema não é Haddad
O verão do descontentamento começa a ser
tecido no Brasil. A um mês da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, já é possível
delinear os contornos da multiplicidade de crises que no novo governo poderá
enfrentar.
O mau humor do mercado financeiro não
provém apenas da muito provável escolha de um ministro da Fazenda mais alinhado
à esquerda, como é o caso do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad. Não há
objeção a ele em si.
Um alto executivo de uma grande instituição
financeira afirma que a questão é estrutural: o futuro governo se propõe a
tentar a aprovação de uma mudança na Constituição para poder gastar mais, sem
que isto esteja acompanhado de nenhuma medida de ajuste fiscal futuro. A
sinalização dada por Haddad até o momento é a de retomar a discussão da reforma
tributária. O avanço neste tema sem dúvida seria bem recebido no mercado, mas
prevalece o ceticismo.
Se a reforma tributária está empacada no
Congresso desde o governo Fernando Henrique, por qual razão deveria se
acreditar que um Lula minoritário no Legislativo conseguiria avançar? De acordo
com este executivo, o clima seria outro com uma sinalização clara de abertura
comercial e reforma administrativa, além da mudança tributária. Não são essas
as mensagens que estão chegando do futuro governo.
Acredita-se também no mercado que Lula e
sua equipe partem de premissas erradas. Pensa-se que o futuro governo tem o
entendimento de que o país está devastado economicamente e necessita de uma
reconstrução, com papel protagonista do Estado.
O mercado de trabalho contudo demonstra
alguma vitalidade, a inflação está em queda e o nível de reservas de moeda está
alto. O Banco Central é independente e marcos regulatórios dão segurança a
investimentos privados. O início do ano não vai ser bom, mas exatamente por
estes motivos o estresse de uma nova administração que precisa gastar mais para
construir sua governabilidade pode ser absorvido no curto prazo.
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