É erro grave a visão do novo governo sobre a Previdência
O Globo
Ampliar gasto com aposentadorias por
invalidez e pensões tornaria a bomba fiscal ainda mais explosiva
É um equívoco grave a forma como a equipe
de transição encara a questão previdenciária. Pelas informações preliminares, a
intenção é rever as regras da reforma da Previdência de 2019 em dois pontos:
pensão por morte e aposentadoria por invalidez. Se houver aumento em ambas sem
redução equivalente noutras rubricas, estará contratado um aumento substancial
num dos maiores gastos do Estado — mais gasolina para inflamar a já explosiva
bomba fiscal armada para o início da gestão Luiz Inácio Lula da Silva.
Parece inacreditável que os economistas
ligados ao PT não entendam os desafios do Brasil. Com o aumento da expectativa
de vida, os gastos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) saíram de 6%
do PIB em 2002 para quase 10% no ano passado. Há vários anos a receita fica
abaixo da despesa. O problema só tende a piorar com o envelhecimento da
população.
Foi com o objetivo de começar a resolvê-lo que há três anos o governo Jair Bolsonaro, aproveitando negociações iniciadas na gestão Michel Temer, promoveu a reforma para aumentar o período de contribuição, elevar a idade mínima para aposentadoria e limitar o valor de pensões, entre outros pontos. Com a aprovação, calculou-se uma economia de R$ 1 trilhão no período entre 2020 e 2029. Caso o PT vá em frente com a ideia de alterar a reforma, aproximadamente 20% desse impacto positivo simplesmente virará pó.
Um novo governo deveria preparar uma nova
reforma para enfrentar problemas não resolvidos pela anterior. Não falta o que
fazer. Levando em conta as projeções demográficas, é preciso aumentar a idade
de aposentadoria para homens, diminuir a distância nas regras para ambos os
gêneros e elevar as idades exigidas no meio rural. Para não falar na barafunda
de privilégios que restaram intocados, de professores a militares. O economista
Paulo Tafner defende um gatilho automático para aumentar a idade de aposentadoria
em função de dados demográficos.
Para justificar o aumento na pensão por
morte e a aposentadoria por invalidez, integrantes da equipe de transição
alegam que a reforma prejudicou os mais pobres. É uma afirmação que precisaria
ser embasada com dados. Caso seja comprovado que ela foi determinante no
aumento da pobreza, a equipe de transição deveria identificar as famílias
afetadas, dizer quem são e onde vivem. De posse de tais informações, seria
possível analisar se há programas sociais capazes de atendê-las ou demanda para
criar algum outro com novo foco. Daria para atacar assim o problema de quem
realmente precisa de ajuda, sem criar uma nova regra que abarca todos, dura
para sempre e agrava o déficit da Previdência.
A Previdência jamais deveria ser encarada
como programa social. Ela tem outra finalidade, e um dos principais problemas
do arcabouço previdenciário brasileiro é justamente cumprir uma função que não
está na sua natureza. Desfazer essa confusão é um objetivo que a reforma de
2019 infelizmente foi incapaz de cumprir. Criar programas sociais com foco,
separados da Previdência, deveria ser outra meta de quaisquer novas mudanças.
Lula prometeu na campanha que promoveria
mudanças na Previdência. Se for em frente com o plano de sua equipe de
transição, jamais poderá ser acusado de ter promovido um estelionato eleitoral.
O estelionato será com as gerações futuras, que ficarão com a conta.
Alta no desmatamento no governo Bolsonaro é
inequívoca — e intencional
O Globo
Apesar da queda surpreendente registrada em
2022, devastação cresceu 60% sobre período anterior
Jair Bolsonaro termina o governo tendo
permitido que o desmatamento na Amazônia aumentasse quase 60% ante os quatro
anos anteriores. Entra para a História como o presidente responsável pelo maior
desastre ambiental na região desde 1988, quando começou o monitoramento por
satélite.
Entre agosto de 2021 e julho de 2022, foram
registrados 11.568 km2 de devastação, segundo o sistema Prodes, do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Houve, é verdade, uma redução em
relação aos 13.038 km2 registrados nos 12 meses anteriores (primeira redução no
desmatamento desde 2017). Mesmo assim, no ano anterior à posse de Bolsonaro, o
desmatamento foi de 7.536 km2. A alta na gestão Bolsonaro é inequívoca — e foi
intencional. Obteve êxito a política de deixar “passar a boiada” de grileiros,
madeireiros e garimpeiros associados ao crime.
O resultado de 2022 surpreendeu os
cientistas, porque o Deter, outro sistema do Inpe que monitora a Amazônia em
tempo real, sinalizava expansão do desmatamento. O Prodes, porém, é mais
sensível e preciso. A queda no desmatamento no último ano tem de ser celebrada
— e explicada.
De acordo com o engenheiro florestal Tasso
Azevedo, coordenador técnico do Observatório do Clima e chefe do MapBiomas,
parte dela resulta de ações de órgãos estaduais de meio ambiente, parte das
chuvas em Mato Grosso e Pará. Segundo o Ministério da Justiça, a Operação
Guardiões do Bioma, de combate a queimadas, desmatamento e invasões, também
ajudou a reduzir a destruição da floresta. O Ministério do Meio Ambiente,
responsável pela área, não se pronunciou.
Pode-se entender a redução do desmatamento
na Amazônia como um incidente até certo ponto fortuito na desastrosa política
ambiental de Bolsonaro. Ele concluirá seu mandato com média de mais de 11 mil
km2 de destruição por ano, enquanto os governos Dilma e Temer ficaram entre
5.500 km2 e 7.200 km2. O primeiro governo Lula foi recordista — 21.6 00 km2 de
desmatamento em média —, mas foi também o que promoveu a maior queda, resultado
da gestão Marina Silva no Meio Ambiente. No segundo governo Lula, a devastação
já caíra para 9.800 km2 anuais.
O presidente eleito promete repetir as
políticas que deram certo, com os aperfeiçoamentos exigidos pela situação
calamitosa a que chegou a Amazônia. Na COP27, no Egito, Lula pediu ajuda aos
países ricos para reduzir a níveis administráveis o desmatamento na região.
Argumentou que o Estado brasileiro precisa retomar o controle da Amazônia e que
isso tem um custo.
Lula tem razão. Chegou a hora de governantes do Hemisfério Norte, com razão críticos de Bolsonaro pelo estrago ambiental, cederem recursos e tecnologia para a retomada da Amazônia. Lula lançou a proposta de ampliar o Fundo Amazônia — hoje restrito a Noruega e Alemanha —, cujo objetivo é criar novas fontes de renda para os habitantes da floresta não precisarem derrubá-la para sobreviver. Ficaram R$ 3,2 bilhões congelados no fundo. Será preciso muito mais.
PIB a cultivar
Folha de S. Paulo
Economia desacelera; prudência fiscal será
melhor contribuição de Lula
A economia brasileira recuperou-se de
maneira rápida depois do impacto inicial da pandemia, em 2020, e o desempenho
surpreendente continuou ao longo de 2022 —como se viu com a divulgação dos
números do Produto Interno Bruto nesta quinta-feira (1º).
Uma dúvida importante é se houve, no
período, mudança que tenha aumentado a capacidade de crescimento equilibrado do
Brasil, o assim chamado PIB potencial.
Outra questão diz respeito ao que será
feito do endividamento público ora sem controle, o que pode frustrar as
expectativas de que o país deixe para trás o quadro de estagnação em que vive
desde o fim da recessão de 2014-16.
No início do ano, as previsões de mercado
para o crescimento do PIB neste 2022 rondavam não mais de 0,5%; ao fim do
segundo trimestre, a estimativa subiu a 1,5%. Agora, mesmo em caso de
estagnação neste quarto trimestre, calcula-se uma taxa acima de 3%. Já a
expansão da atividade em 2021 foi revisada pelo IBGE de 4,6% para 5%.
Trata-se de um resultado bom, dadas as
circunstâncias. Houve eliminação maciça de empregos entre março de 2020 e março
de 2021, tumulto permanente no governo, inexistência de política econômica
organizada, violação aberta do teto de gastos, guerra na Ucrânia e crise
mundial de energia.
Ainda assim, obteve-se uma retomada, em
parte anabolizada pelos gastos eleitoreiros de 2022. O setor de serviços, o
mais prejudicado pela Covid-19, foi o de recuperação maior, acima da média do
PIB. A taxa de investimento está nos níveis mais altos do século, menor apenas
que a dos anos de 2008 a 2014.
Mas há
evidente desaceleração. No terceiro trimestre, o PIB cresceu 0,4% —vinha em
ritmo superior a 1%. Os indicadores de confiança das empresas
caíram de modo relevante em novembro. O movimento do comércio está em declínio
e o emprego aumenta menos, embora ainda em ritmo forte.
É compreensível. A alta das taxas de juros,
a economia mundial em baixa e o endividamento das famílias cobrariam seu preço.
Por ora, espera-se que o PIB cresça em torno de 1% em 2023. Entretanto a perda
de vigor pode ser cíclica, transitória. Assim que a inflação estiver debelada,
pode haver retomada. De que maneira, é a questão.
Ainda está sob exame a hipótese de que as
reformas realizadas desde 2016 —trabalhista, previdenciária, regulação da
infraestrutura— teriam elevado o potencial de crescimento. Além do mais, qualquer
recuperação será prejudicada pelo menosprezo dos problemas fiscais.
No curto prazo, uma baixa precoce de juros
e uma valorização do real favorecem o PIB de 2023. É o que o governo Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) precisa entender.
Dúvidas no Butantan
Folha de S. Paulo
Fundação sob investigação e saída de
diretor exigem resposta do governo de SP
Ao longo de 121 anos de história, o
Instituto Butantan alcançou reconhecimento internacional como centro biomédico
de excelência, integrando pesquisas científicas e tecnológicas e produção de
imunobiológicos em larga escala.
Mais recentemente, durante a pandemia,
coube à entidade paulista o papel determinante de contrapor-se ao negacionismo
do governo Jair Bolsonaro (PL), que desprezou a gravidade da doença e retardou
a compra de vacinas.
Foi em grande parte graças aos esforços do
Butantan que milhões de brasileiros se protegeram com a Coronavac, desenvolvida
em parceria com uma farmacêutica chinesa.
Por tudo isso, causou
espécie o ainda nebuloso pedido de demissão de Dimas Covas, diretor
do instituto e um dos responsáveis pelo sucesso do imunizante no país.
A saída de Covas ocorreu após reportagem
da Folha apontar que a Fundação Butantan —entidade privada também sob
sua responsabilidade e que atua como braço administrativo do instituto— foi
responsável por gastos com obras e salários considerados dispendiosos e
contratos sem licitação.
O Tribunal de Contas do Estado investiga
possíveis irregularidades em negócios firmados com uma empresa fornecedora de
software em valores que somam R$ 161 milhões. O instituto nega ilicitude.
Outros números e valores também saltam aos
olhos. O professor de medicina da USP assumiu ambas as entidades em 2017,
quando a fundação tinha 1.327 empregados ante 663 servidores do instituto.
Cinco anos depois são, respectivamente, 2.970 para 461.
Há estranheza ainda com a proposta de
construir um edifício-garagem para os funcionários da fundação ao custo de R$
140 milhões (orçado inicialmente por R$ 300 milhões) e remunerações
espetaculares —como o caso de uma diretora admitida em 2017 com salário de R$
7.267,64, mas que em agosto deste ano recebeu R$ 79.972,16.
Covas disse que não deixou o cargo em razão
da investigação, mas para evitar o acúmulo de funções e para que pudesse poupar
ambas as entidades de mudanças bruscas sob a gestão do futuro governador,
Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Em seus estertores, o governo Rodrigo Garcia (PSDB) deve de imediato jogar luz sobre as atividades da Fundação Butantan e colaborar com as investigações do TCE —ou estará sob risco de macular um período significativo da trajetória de um orgulho da ciência nacional.
Bolsonaro fez a coisa certa
O Estado de S. Paulo
Ao mandar suspender o pagamento de emendas
do orçamento secreto, Bolsonaro, que nunca desceu do palanque e sempre se
recusou a presidir o País, finalmente agiu como governante
A disputa presidencial mostrou que a
maioria dos eleitores julgou Jair Bolsonaro pelos inúmeros erros que cometeu,
sempre apontados e criticados por este jornal. Mas, ao final de seu melancólico
mandato, Bolsonaro finalmente fez algo que merece elogio. Quando ninguém mais
esperava, mandou suspender o pagamento do famigerado orçamento secreto, que
garantiu estabilidade política a seu governo no Legislativo.
A decisão se deu por meio de um Projeto de
Lei do Congresso Nacional (PLN) que possibilitou o remanejamento das verbas das
emendas de relator (RP 9) e emendas de comissão (RP 8) em favor de despesas
obrigatórias (RP 1). Aliada a um decreto referente ao mais recente
contingenciamento que se fez necessário para cumprir o teto de gastos, a medida
secou a fonte de recursos de um esquema pouco transparente que sustentou as
relações entre o Executivo e o Congresso nos últimos anos.
Reportagem do Estadão mostrou que
Bolsonaro tomou a decisão possivelmente para se vingar de um Legislativo que
começa a se aproximar do presidente eleito Lula da Silva. Bolsonaro não teria
aceitado bem a aproximação entre Lula e os presidentes da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Se assim é, então Bolsonaro fez
a coisa certa pelos motivos errados.
Na prática, contudo, Bolsonaro, que jamais
se envolveu a sério com questões orçamentárias – e não seria agora, a um mês de
deixar o cargo, que mudaria de comportamento –, não tinha alternativa a não ser
assinar os despachos, pois deles dependia o pagamento de despesas obrigatórias.
Para o País, no entanto, pouco importam as
razões por trás das decisões daqueles que detêm cargo público, mas sim as
consequências de seus atos. E, neste caso, é inegável que essas resoluções
foram extremamente positivas. Seja por revanchismo, seja por um súbito senso de
dever como governante, Bolsonaro agiu corretamente, algo muito raro ao longo de
sua vida pública – e, por isso mesmo, digno de destaque.
Do total do Orçamento Geral da União, 93%
correspondem a gastos obrigatórios, como salários do funcionalismo e benefícios
previdenciários. Diante de circunstâncias imprevistas ou ignoradas, é preciso
fazer escolhas e remanejamentos dentro de um espaço orçamentário bastante
reduzido. Quando falta dinheiro, ou quando sobra e o teto de gastos se impõe, é
preciso mexer na parcela das despesas discricionárias, que envolvem desde
faturas de energia e contratos de limpeza de Ministérios a investimentos
públicos, além das famosas emendas de relator.
Em tempos normais, o Executivo federal
inicia o ano com contingenciamentos mais rígidos e libera recursos aos poucos,
ao longo dos meses. O governo Bolsonaro, no entanto, não teve nada de normal.
Em ano eleitoral, os cortes no Orçamento sempre foram menores do que as
estimativas calculadas e recomendadas pelos técnicos, e o detalhamento dos
bloqueios chegou a ser omitido durante a campanha, justamente porque eles
alcançavam as emendas de relator.
O resultado é que o País chega ao fim de
2022 em uma situação crítica generalizada. Nos casos mais anacrônicos, a
Polícia Federal teve de paralisar a emissão de passaportes, enquanto o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
sugeriu a suspensão do trabalho presencial por falta de recursos para manter
suas operações. Esse cenário expõe algo óbvio: não há mais despesas
discricionárias a serem cortadas nos Ministérios, razão pela qual a tesourada
se deu nas controversas emendas de relator.
Não se trata de mero acidente de percurso,
e é bastante crível que haja um componente de revanchismo no mais recente corte
orçamentário. Seja por escolha, seja por omissão, é inegável que o conjunto da
obra do Orçamento é um retrato das péssimas escolhas de Bolsonaro ao longo
deste ano.
É até irônico que somente a derrota
eleitoral tenha sido capaz de impor ao presidente um nível de responsabilidade
que ele sempre se recusou a assumir. Ao determinar a suspensão do pagamento das
emendas de relator a 30 dias de deixar o cargo, Bolsonaro, que nunca desceu do
palanque e sempre se recusou a agir como presidente, finalmente governou
Mau sinal em SP
O Estado de S. Paulo
Bolsonarista escolhido por Tarcísio para a Segurança Pública diz que a questão das câmeras nos uniformes da PM é ‘polêmica’. Não é: há sólido consenso a favor do equipamento
O governador eleito de São Paulo, Tarcísio
de Freitas (Republicanos), confirmou que o deputado federal Capitão Derrite
(PL-SP) será o próximo secretário de Segurança Pública do Estado. É um mau
começo.
A escolha revela que Tarcísio não resistiu
às pressões de aliados do presidente Jair Bolsonaro para ocupar áreas sensíveis
da administração pública paulista como forma de manter acesas as brasas da
militância após a derrota do “mito” nas urnas.
Ex-oficial da Rota, Derrite abandonou a
carreira policial para entrar na política em 2018, a convite de Bolsonaro. Foi
eleito deputado federal e reeleito este ano. Na Câmara, notabilizou-se pela
associação com o bolsonarismo mais ideológico e radical. Nas redes sociais,
Derrite costuma explorar a proximidade com o presidente da República, divulgar
as ideias de Olavo de Carvalho, ex-astrólogo convertido em ideólogo do
bolsonarismo, e publicar vídeos gravados por câmeras de segurança que mostram
situações de violência urbana, não raro tecendo comentários a respeito de uma suposta
“tolerância” da esquerda com os criminosos e defendendo o porte de armas de
fogo pelos cidadãos.
É no mínimo curioso que alguém sobre cujos
ombros recairá a responsabilidade de cuidar da segurança de cerca de 44 milhões
de pessoas pense que o Estado é tão incapaz de defender os cidadãos da
violência que estes devem cuidar da própria segurança andando armados por aí.
Mas a incoerência de Derrite é o menor de seus problemas.
Logo após ser confirmado como futuro
secretário de Segurança Pública, Derrite afirmou que vai “rever as atuais
diretrizes da pasta”. Não há nada de errado nisso – afinal, é esperado que uma
nova equipe de governo eventualmente reoriente políticas públicas de acordo com
seu programa. O problema é que a tal revisão pode incluir as câmeras corporais
adotadas pela Polícia Militar (PM) de São Paulo em 2021, as chamadas bodycams.
“A minha opinião é a mesma do governador (Tarcísio
de Freitas)”, disse Derrite ao jornal Valor. “Toda política pública vai
ser avaliada, reavaliada. O uso da tecnologia, não só das bodycams, foi um
ponto que gerou certa polêmica.” Ora, as câmeras da PM não geraram “polêmica”
alguma. A adoção do equipamento, após oito anos de pesquisas e exaustivos
testes operacionais, foi amplamente bem recebida pelos paulistas, por
organizações da sociedade civil que atuam na área de segurança pública e pela
própria corporação militar.
Não poucos estudos revelaram que a adoção
das bodycams, uma das mais bem-sucedidas políticas de segurança já
adotadas pelo governo de São Paulo, reduziu drasticamente o número de casos de
violência policial e mortes, não só de civis, como também dos próprios agentes.
As câmeras corporais oferecem proteção a todos e contribuem para a construção
de uma Polícia Militar mais cidadã, mais bem preparada para proteger a
sociedade seguindo rigorosamente os ditames das leis e da Constituição.
É exatamente por isso que as bodycams se
tornaram uma obsessão dos bolsonaristas radicais. Para esses extremistas, as
câmeras inibem a ação dos policiais, o que, segundo eles, favoreceria os
bandidos. O ideal bolsonarista, portanto, seria que os policiais pudessem agir
à vontade, sem se preocupar com limites legais. Não à toa, o governo de
Bolsonaro chegou a encaminhar projeto de lei, felizmente rejeitado, para
conferir excludente de ilicitude para os policiais, o que constituiria, na
prática, uma licença para matar.
Por isso, vá lá que, no palanque, o
candidato escolhido por Bolsonaro para disputar o governo paulista tivesse que
defender as teses estapafúrdias que levam os bolsonaristas radicais ao delírio,
como a de que as câmeras prejudicam a “produtividade” da PM e deixam os
policiais “em desvantagem em relação aos bandidos”, segundo Tarcísio.
Passada a eleição, contudo, não há nenhuma
razão para que o futuro governador, cujas credenciais técnicas são sólidas,
continue a legitimar tal barbaridade. É hora de Tarcísio virar a chave de
candidato e se preparar para governar o Estado no melhor interesse dos
paulistas.
PIB cresce, mas falta dinamismo
O Estado de S. Paulo
Crescimento perde impulso e, além disso,
faltam políticas para frear a desindustrialização
Depois de crescer por cinco trimestres
consecutivos, a economia brasileira dá sinais de se acomodar, prenunciando
menor dinamismo no início do novo governo. A perda de ritmo foi contínua ao longo deste ano, com o Produto Interno
Bruto (PIB) crescendo a taxas trimestrais de 1,3%, 1% e 0,4%. A
expansão acumulada em um ano, até setembro, chegou a 3%. Esse retrospecto
parece indicar, no balanço final de 2022, um crescimento próximo de 3%, muito
parecido com as projeções correntes no mercado. Para 2023, economistas do setor
privado continuam prevendo para o PIB um aumento inferior a 1%, num cenário
complicado por dificuldades fiscais, inflação superior a 5% e juros básicos de
11,5%.
O avanço econômico foi liderado no terceiro
trimestre pelo setor de serviços, com expansão de 1,1%. A produção geral da
indústria aumentou 0,8% e a da agropecuária encolheu 0,9%, prejudicada
principalmente por más condições do tempo. Afetado severamente pela covid-19,
principalmente no caso das atividades presenciais, o conjunto dos serviços
tem-se recuperado com vigor e acumulou em um ano expansão de 4,4%. Nesse período,
a produção rural foi 1,3% menor que a dos 12 meses imediatamente anteriores. A
produção industrial aumentou apenas 0,8%, com desempenho especialmente ruim do
ramo da transformação (-2,1%).
O fraco desempenho da indústria de
transformação – onde se incluem os segmentos automobilístico, mecânico,
eletroeletrônico, têxtil, aeronáutico e de calçados, entre muitos outros – é
especialmente preocupante. Esse conjunto de atividades vem apresentando
resultados insuficientes há pelo menos dez anos. São sinais de uma reversão
histórica. Depois de avançar durante décadas na formação de um setor industrial
vigoroso e diversificado, o Brasil vem-se desindustrializando, como se houvesse
entrado num processo de subdesenvolvimento.
Nada se fez para interromper essa degradação,
nos quatro anos de mandato do atual presidente da República, assim como nada se
acrescentou aos avanços tecnológicos e comerciais acumulados nas quatro décadas
anteriores pelo agronegócio. A agropecuária e a indústria vinculada à atividade
rural continuaram dinâmicas e competitivas, mas somente graças à modernização
iniciada em administrações anteriores. A atual administração distinguiu-se
quase exclusivamente por suas ações prejudiciais à reputação do agronegócio
brasileiro, manchada pela devastação ambiental tolerada e facilitada pelo
Executivo federal.
O novo governo precisará estimular a recuperação e a modernização da indústria e restaurar de forma clara o compromisso brasileiro com a preservação ambiental. Além disso, terá de oferecer ao setor privado um horizonte seguro para o investimento em capacidade produtiva. No terceiro trimestre, o valor investido em máquinas, equipamentos e construções foi 5% superior ao de um ano antes e correspondeu a 19,6% do PIB. Mas o País precisa investir muito mais – pelo menos 24% do PIB – para crescer, de forma continuada, em ritmo parecido com o de outros emergentes
Estímulos têm efeito limitado no crescimento da economia
Valor Econômico
O país tem um problema crônico de crescimento e baixa produtividade
A economia brasileira começou a desacelerar no terceiro trimestre, quando o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu 0,4% em relação ao trimestre anterior. O desempenho foi um pouco pior do que previam os analistas (0,6%), mas isso não quer dizer muito porque houve revisões importantes das estatísticas de 2021 e dos dois primeiro trimestres deste ano. O resultado era previsível e altera pouco a trajetória prevista para o futuro. A economia perderá mais fôlego, a partir de um nível de crescimento de 3,2% acumulado até agora no ano. Com isso, as projeções para 2022 chegam perto de 3% - bem boas diante as previsões de 0,7% no início do ano - e as de 2023 aproximam-se de 1%, quando antes se previa a possibilidade de recessão.
Os números do IBGE mostram que, entre os
fatores de oferta, o setor de serviços puxou quase que sozinho o avanço na
comparação trimestre a trimestre. Dos oito setores que obtiveram média acima de
0,4% do PIB, seis são serviços e dois da indústria. No acumulado do ano até
setembro, em relação a mesmo período de 2021, o predomínio se mantém, com a
dianteira de outras atividades de serviços (12,1%), muito ligadas à massa
salarial, enquanto que na indústria despontam energia, gás, água e esgoto, com
9,5% e o desempenho forte da construção (8,2%).
A agricultura retraiu 0,9% e a indústria,
apesar de avanço de 0,8%, ficou quase parada. A indústria de transformação
cresceu 0,1% e a extrativa decresceu nessa proporção. Foi a construção (1,1%)
que mais contribuiu para o resultado. Como um todo, os serviços cresceram 1,1%
no trimestre.
Trimestre a trimestre, entre os fatores que
determinam a demanda, o consumo das famílias cresceu até junho e perdeu força
agora, com expansão de 1%. O festival de estímulos eleitorais do presidente
Jair Bolsonaro e o aumento do emprego fizeram com que o consumo não mostre
queda em comparações mais longas. Nos três trimestres deste ano ante os três de
2021, o consumo das famílias cresceu iguais 4,3%, e 3,7% na série de quatro
trimestres em relação ao mesmo período anterior.
A taxa de investimentos subiu um pouco, de
19,4% para 19,6% de um trimestre para outro, e a Formação Bruta de Capital
Fixo, 2,8%. No acumulado do ano, porém, a FBCF nada cresceu em relação a 2021.
O consumo do governo desacelerou nas várias comparações temporais, para evoluir
1% no terceiro trimestre. Com o desempenho razoável da economia no primeiro e
segundo trimestres, e o recuo da demanda por commodities, as importações
suplantaram as exportações retirando, segundo Alberto Ramos, chefe de pesquisas
para a AL do Goldman Sachs, 0,31 ponto percentual do PIB. Por suas contas, a
variação negativa dos estoques reduziu outros 0,76 ponto percentual do
resultado final.
Há fatores conhecidos que reduzirão mais o
ritmo da economia. O mais poderoso deles é o aperto monetário. A taxa Selic,
parada em 13,75%, ainda não produziu todos seus efeitos, em boa parte devido
aos estímulos fiscais e parafiscais concedidos pelo governo. A demanda por
commodities tem grande papel na evolução do PIB, a desaceleração das principais
economias - inclusive e principalmente China - e a elevação dos juros nos
países desenvolvidos deve frear o crescimento brasileiro. O consumo das
famílias vai enfraquecer, porque o crédito está mais caro e a inadimplência é
alta. Juros altos elevam também o custo de oportunidade dos investimentos,
desencorajando os que passam a ter taxa de retorno inferior ao das aplicações e
dos financiamentos.
Não se esperam surpresas positivas para as
indústrias de transformação e extrativa, mas a performance da agricultura
deixará de ser negativa nos próximos trimestres. Os serviços crescerão menos
pelos motivos citados e também pelo fato de que o espaço fechado pela pandemia
(enorme até o primeiro trimestre do ano) já ter sido totalmente preenchido.
O governo eleito, pelo menos nos primeiros
sinais, sugere que estímulos fiscais também estão em seus planos para fazer a
economia crescer. Com a política monetária em direção oposta, a resultante é
uma incógnita e os números do PIB sugerem que a fórmula pode não funcionar. Com
todos os incentivos dados por Bolsonaro, ao redor de 3% do PIB, a economia
deveria ter crescido mais e mantido o ritmo por mais tempo. Não o fez e voltará
à vala medíocre de 1%, se tanto, em 2023. O país tem um problema crônico de
crescimento e baixa produtividade. Estimular o consumo é a parte mais fácil - e
a mais perigosa com a inflação ainda escapando das metas e desequilíbrio
fiscal.
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