sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

É erro grave a visão do novo governo sobre a Previdência

O Globo

Ampliar gasto com aposentadorias por invalidez e pensões tornaria a bomba fiscal ainda mais explosiva

É um equívoco grave a forma como a equipe de transição encara a questão previdenciária. Pelas informações preliminares, a intenção é rever as regras da reforma da Previdência de 2019 em dois pontos: pensão por morte e aposentadoria por invalidez. Se houver aumento em ambas sem redução equivalente noutras rubricas, estará contratado um aumento substancial num dos maiores gastos do Estado — mais gasolina para inflamar a já explosiva bomba fiscal armada para o início da gestão Luiz Inácio Lula da Silva.

Parece inacreditável que os economistas ligados ao PT não entendam os desafios do Brasil. Com o aumento da expectativa de vida, os gastos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) saíram de 6% do PIB em 2002 para quase 10% no ano passado. Há vários anos a receita fica abaixo da despesa. O problema só tende a piorar com o envelhecimento da população.

Foi com o objetivo de começar a resolvê-lo que há três anos o governo Jair Bolsonaro, aproveitando negociações iniciadas na gestão Michel Temer, promoveu a reforma para aumentar o período de contribuição, elevar a idade mínima para aposentadoria e limitar o valor de pensões, entre outros pontos. Com a aprovação, calculou-se uma economia de R$ 1 trilhão no período entre 2020 e 2029. Caso o PT vá em frente com a ideia de alterar a reforma, aproximadamente 20% desse impacto positivo simplesmente virará pó.

Um novo governo deveria preparar uma nova reforma para enfrentar problemas não resolvidos pela anterior. Não falta o que fazer. Levando em conta as projeções demográficas, é preciso aumentar a idade de aposentadoria para homens, diminuir a distância nas regras para ambos os gêneros e elevar as idades exigidas no meio rural. Para não falar na barafunda de privilégios que restaram intocados, de professores a militares. O economista Paulo Tafner defende um gatilho automático para aumentar a idade de aposentadoria em função de dados demográficos.

Para justificar o aumento na pensão por morte e a aposentadoria por invalidez, integrantes da equipe de transição alegam que a reforma prejudicou os mais pobres. É uma afirmação que precisaria ser embasada com dados. Caso seja comprovado que ela foi determinante no aumento da pobreza, a equipe de transição deveria identificar as famílias afetadas, dizer quem são e onde vivem. De posse de tais informações, seria possível analisar se há programas sociais capazes de atendê-las ou demanda para criar algum outro com novo foco. Daria para atacar assim o problema de quem realmente precisa de ajuda, sem criar uma nova regra que abarca todos, dura para sempre e agrava o déficit da Previdência.

A Previdência jamais deveria ser encarada como programa social. Ela tem outra finalidade, e um dos principais problemas do arcabouço previdenciário brasileiro é justamente cumprir uma função que não está na sua natureza. Desfazer essa confusão é um objetivo que a reforma de 2019 infelizmente foi incapaz de cumprir. Criar programas sociais com foco, separados da Previdência, deveria ser outra meta de quaisquer novas mudanças.

Lula prometeu na campanha que promoveria mudanças na Previdência. Se for em frente com o plano de sua equipe de transição, jamais poderá ser acusado de ter promovido um estelionato eleitoral. O estelionato será com as gerações futuras, que ficarão com a conta.

Alta no desmatamento no governo Bolsonaro é inequívoca — e intencional

O Globo

Apesar da queda surpreendente registrada em 2022, devastação cresceu 60% sobre período anterior

Jair Bolsonaro termina o governo tendo permitido que o desmatamento na Amazônia aumentasse quase 60% ante os quatro anos anteriores. Entra para a História como o presidente responsável pelo maior desastre ambiental na região desde 1988, quando começou o monitoramento por satélite.

Entre agosto de 2021 e julho de 2022, foram registrados 11.568 km2 de devastação, segundo o sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Houve, é verdade, uma redução em relação aos 13.038 km2 registrados nos 12 meses anteriores (primeira redução no desmatamento desde 2017). Mesmo assim, no ano anterior à posse de Bolsonaro, o desmatamento foi de 7.536 km2. A alta na gestão Bolsonaro é inequívoca — e foi intencional. Obteve êxito a política de deixar “passar a boiada” de grileiros, madeireiros e garimpeiros associados ao crime.

O resultado de 2022 surpreendeu os cientistas, porque o Deter, outro sistema do Inpe que monitora a Amazônia em tempo real, sinalizava expansão do desmatamento. O Prodes, porém, é mais sensível e preciso. A queda no desmatamento no último ano tem de ser celebrada — e explicada.

De acordo com o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador técnico do Observatório do Clima e chefe do MapBiomas, parte dela resulta de ações de órgãos estaduais de meio ambiente, parte das chuvas em Mato Grosso e Pará. Segundo o Ministério da Justiça, a Operação Guardiões do Bioma, de combate a queimadas, desmatamento e invasões, também ajudou a reduzir a destruição da floresta. O Ministério do Meio Ambiente, responsável pela área, não se pronunciou.

Pode-se entender a redução do desmatamento na Amazônia como um incidente até certo ponto fortuito na desastrosa política ambiental de Bolsonaro. Ele concluirá seu mandato com média de mais de 11 mil km2 de destruição por ano, enquanto os governos Dilma e Temer ficaram entre 5.500 km2 e 7.200 km2. O primeiro governo Lula foi recordista — 21.6 00 km2 de desmatamento em média —, mas foi também o que promoveu a maior queda, resultado da gestão Marina Silva no Meio Ambiente. No segundo governo Lula, a devastação já caíra para 9.800 km2 anuais.

O presidente eleito promete repetir as políticas que deram certo, com os aperfeiçoamentos exigidos pela situação calamitosa a que chegou a Amazônia. Na COP27, no Egito, Lula pediu ajuda aos países ricos para reduzir a níveis administráveis o desmatamento na região. Argumentou que o Estado brasileiro precisa retomar o controle da Amazônia e que isso tem um custo.

Lula tem razão. Chegou a hora de governantes do Hemisfério Norte, com razão críticos de Bolsonaro pelo estrago ambiental, cederem recursos e tecnologia para a retomada da Amazônia. Lula lançou a proposta de ampliar o Fundo Amazônia — hoje restrito a Noruega e Alemanha —, cujo objetivo é criar novas fontes de renda para os habitantes da floresta não precisarem derrubá-la para sobreviver. Ficaram R$ 3,2 bilhões congelados no fundo. Será preciso muito mais.

PIB a cultivar

Folha de S. Paulo

Economia desacelera; prudência fiscal será melhor contribuição de Lula

A economia brasileira recuperou-se de maneira rápida depois do impacto inicial da pandemia, em 2020, e o desempenho surpreendente continuou ao longo de 2022 —como se viu com a divulgação dos números do Produto Interno Bruto nesta quinta-feira (1º).

Uma dúvida importante é se houve, no período, mudança que tenha aumentado a capacidade de crescimento equilibrado do Brasil, o assim chamado PIB potencial.

Outra questão diz respeito ao que será feito do endividamento público ora sem controle, o que pode frustrar as expectativas de que o país deixe para trás o quadro de estagnação em que vive desde o fim da recessão de 2014-16.

No início do ano, as previsões de mercado para o crescimento do PIB neste 2022 rondavam não mais de 0,5%; ao fim do segundo trimestre, a estimativa subiu a 1,5%. Agora, mesmo em caso de estagnação neste quarto trimestre, calcula-se uma taxa acima de 3%. Já a expansão da atividade em 2021 foi revisada pelo IBGE de 4,6% para 5%.

Trata-se de um resultado bom, dadas as circunstâncias. Houve eliminação maciça de empregos entre março de 2020 e março de 2021, tumulto permanente no governo, inexistência de política econômica organizada, violação aberta do teto de gastos, guerra na Ucrânia e crise mundial de energia.

Ainda assim, obteve-se uma retomada, em parte anabolizada pelos gastos eleitoreiros de 2022. O setor de serviços, o mais prejudicado pela Covid-19, foi o de recuperação maior, acima da média do PIB. A taxa de investimento está nos níveis mais altos do século, menor apenas que a dos anos de 2008 a 2014.

Mas há evidente desaceleração. No terceiro trimestre, o PIB cresceu 0,4% —vinha em ritmo superior a 1%. Os indicadores de confiança das empresas caíram de modo relevante em novembro. O movimento do comércio está em declínio e o emprego aumenta menos, embora ainda em ritmo forte.

É compreensível. A alta das taxas de juros, a economia mundial em baixa e o endividamento das famílias cobrariam seu preço. Por ora, espera-se que o PIB cresça em torno de 1% em 2023. Entretanto a perda de vigor pode ser cíclica, transitória. Assim que a inflação estiver debelada, pode haver retomada. De que maneira, é a questão.

Ainda está sob exame a hipótese de que as reformas realizadas desde 2016 —trabalhista, previdenciária, regulação da infraestrutura— teriam elevado o potencial de crescimento. Além do mais, qualquer recuperação será prejudicada pelo menosprezo dos problemas fiscais.

No curto prazo, uma baixa precoce de juros e uma valorização do real favorecem o PIB de 2023. É o que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa entender.

Dúvidas no Butantan

Folha de S. Paulo

Fundação sob investigação e saída de diretor exigem resposta do governo de SP

Ao longo de 121 anos de história, o Instituto Butantan alcançou reconhecimento internacional como centro biomédico de excelência, integrando pesquisas científicas e tecnológicas e produção de imunobiológicos em larga escala.

Mais recentemente, durante a pandemia, coube à entidade paulista o papel determinante de contrapor-se ao negacionismo do governo Jair Bolsonaro (PL), que desprezou a gravidade da doença e retardou a compra de vacinas.

Foi em grande parte graças aos esforços do Butantan que milhões de brasileiros se protegeram com a Coronavac, desenvolvida em parceria com uma farmacêutica chinesa.

Por tudo isso, causou espécie o ainda nebuloso pedido de demissão de Dimas Covas, diretor do instituto e um dos responsáveis pelo sucesso do imunizante no país.

A saída de Covas ocorreu após reportagem da Folha apontar que a Fundação Butantan —entidade privada também sob sua responsabilidade e que atua como braço administrativo do instituto— foi responsável por gastos com obras e salários considerados dispendiosos e contratos sem licitação.

O Tribunal de Contas do Estado investiga possíveis irregularidades em negócios firmados com uma empresa fornecedora de software em valores que somam R$ 161 milhões. O instituto nega ilicitude.

Outros números e valores também saltam aos olhos. O professor de medicina da USP assumiu ambas as entidades em 2017, quando a fundação tinha 1.327 empregados ante 663 servidores do instituto. Cinco anos depois são, respectivamente, 2.970 para 461.

Há estranheza ainda com a proposta de construir um edifício-garagem para os funcionários da fundação ao custo de R$ 140 milhões (orçado inicialmente por R$ 300 milhões) e remunerações espetaculares —como o caso de uma diretora admitida em 2017 com salário de R$ 7.267,64, mas que em agosto deste ano recebeu R$ 79.972,16.

Covas disse que não deixou o cargo em razão da investigação, mas para evitar o acúmulo de funções e para que pudesse poupar ambas as entidades de mudanças bruscas sob a gestão do futuro governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Em seus estertores, o governo Rodrigo Garcia (PSDB) deve de imediato jogar luz sobre as atividades da Fundação Butantan e colaborar com as investigações do TCE —ou estará sob risco de macular um período significativo da trajetória de um orgulho da ciência nacional.

Bolsonaro fez a coisa certa

O Estado de S. Paulo

Ao mandar suspender o pagamento de emendas do orçamento secreto, Bolsonaro, que nunca desceu do palanque e sempre se recusou a presidir o País, finalmente agiu como governante

A disputa presidencial mostrou que a maioria dos eleitores julgou Jair Bolsonaro pelos inúmeros erros que cometeu, sempre apontados e criticados por este jornal. Mas, ao final de seu melancólico mandato, Bolsonaro finalmente fez algo que merece elogio. Quando ninguém mais esperava, mandou suspender o pagamento do famigerado orçamento secreto, que garantiu estabilidade política a seu governo no Legislativo.

A decisão se deu por meio de um Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) que possibilitou o remanejamento das verbas das emendas de relator (RP 9) e emendas de comissão (RP 8) em favor de despesas obrigatórias (RP 1). Aliada a um decreto referente ao mais recente contingenciamento que se fez necessário para cumprir o teto de gastos, a medida secou a fonte de recursos de um esquema pouco transparente que sustentou as relações entre o Executivo e o Congresso nos últimos anos.

Reportagem do Estadão mostrou que Bolsonaro tomou a decisão possivelmente para se vingar de um Legislativo que começa a se aproximar do presidente eleito Lula da Silva. Bolsonaro não teria aceitado bem a aproximação entre Lula e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Se assim é, então Bolsonaro fez a coisa certa pelos motivos errados.

Na prática, contudo, Bolsonaro, que jamais se envolveu a sério com questões orçamentárias – e não seria agora, a um mês de deixar o cargo, que mudaria de comportamento –, não tinha alternativa a não ser assinar os despachos, pois deles dependia o pagamento de despesas obrigatórias.

Para o País, no entanto, pouco importam as razões por trás das decisões daqueles que detêm cargo público, mas sim as consequências de seus atos. E, neste caso, é inegável que essas resoluções foram extremamente positivas. Seja por revanchismo, seja por um súbito senso de dever como governante, Bolsonaro agiu corretamente, algo muito raro ao longo de sua vida pública – e, por isso mesmo, digno de destaque.

Do total do Orçamento Geral da União, 93% correspondem a gastos obrigatórios, como salários do funcionalismo e benefícios previdenciários. Diante de circunstâncias imprevistas ou ignoradas, é preciso fazer escolhas e remanejamentos dentro de um espaço orçamentário bastante reduzido. Quando falta dinheiro, ou quando sobra e o teto de gastos se impõe, é preciso mexer na parcela das despesas discricionárias, que envolvem desde faturas de energia e contratos de limpeza de Ministérios a investimentos públicos, além das famosas emendas de relator.

Em tempos normais, o Executivo federal inicia o ano com contingenciamentos mais rígidos e libera recursos aos poucos, ao longo dos meses. O governo Bolsonaro, no entanto, não teve nada de normal. Em ano eleitoral, os cortes no Orçamento sempre foram menores do que as estimativas calculadas e recomendadas pelos técnicos, e o detalhamento dos bloqueios chegou a ser omitido durante a campanha, justamente porque eles alcançavam as emendas de relator.

O resultado é que o País chega ao fim de 2022 em uma situação crítica generalizada. Nos casos mais anacrônicos, a Polícia Federal teve de paralisar a emissão de passaportes, enquanto o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sugeriu a suspensão do trabalho presencial por falta de recursos para manter suas operações. Esse cenário expõe algo óbvio: não há mais despesas discricionárias a serem cortadas nos Ministérios, razão pela qual a tesourada se deu nas controversas emendas de relator.

Não se trata de mero acidente de percurso, e é bastante crível que haja um componente de revanchismo no mais recente corte orçamentário. Seja por escolha, seja por omissão, é inegável que o conjunto da obra do Orçamento é um retrato das péssimas escolhas de Bolsonaro ao longo deste ano.

É até irônico que somente a derrota eleitoral tenha sido capaz de impor ao presidente um nível de responsabilidade que ele sempre se recusou a assumir. Ao determinar a suspensão do pagamento das emendas de relator a 30 dias de deixar o cargo, Bolsonaro, que nunca desceu do palanque e sempre se recusou a agir como presidente, finalmente governou

Mau sinal em SP

O Estado de S. Paulo

Bolsonarista escolhido por Tarcísio para a Segurança Pública diz que a questão das câmeras nos uniformes da PM é ‘polêmica’. Não é: há sólido consenso a favor do equipamento

O governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), confirmou que o deputado federal Capitão Derrite (PL-SP) será o próximo secretário de Segurança Pública do Estado. É um mau começo.

A escolha revela que Tarcísio não resistiu às pressões de aliados do presidente Jair Bolsonaro para ocupar áreas sensíveis da administração pública paulista como forma de manter acesas as brasas da militância após a derrota do “mito” nas urnas.

Ex-oficial da Rota, Derrite abandonou a carreira policial para entrar na política em 2018, a convite de Bolsonaro. Foi eleito deputado federal e reeleito este ano. Na Câmara, notabilizou-se pela associação com o bolsonarismo mais ideológico e radical. Nas redes sociais, Derrite costuma explorar a proximidade com o presidente da República, divulgar as ideias de Olavo de Carvalho, ex-astrólogo convertido em ideólogo do bolsonarismo, e publicar vídeos gravados por câmeras de segurança que mostram situações de violência urbana, não raro tecendo comentários a respeito de uma suposta “tolerância” da esquerda com os criminosos e defendendo o porte de armas de fogo pelos cidadãos.

É no mínimo curioso que alguém sobre cujos ombros recairá a responsabilidade de cuidar da segurança de cerca de 44 milhões de pessoas pense que o Estado é tão incapaz de defender os cidadãos da violência que estes devem cuidar da própria segurança andando armados por aí. Mas a incoerência de Derrite é o menor de seus problemas.

Logo após ser confirmado como futuro secretário de Segurança Pública, Derrite afirmou que vai “rever as atuais diretrizes da pasta”. Não há nada de errado nisso – afinal, é esperado que uma nova equipe de governo eventualmente reoriente políticas públicas de acordo com seu programa. O problema é que a tal revisão pode incluir as câmeras corporais adotadas pela Polícia Militar (PM) de São Paulo em 2021, as chamadas bodycams.

“A minha opinião é a mesma do governador (Tarcísio de Freitas)”, disse Derrite ao jornal Valor. “Toda política pública vai ser avaliada, reavaliada. O uso da tecnologia, não só das bodycams, foi um ponto que gerou certa polêmica.” Ora, as câmeras da PM não geraram “polêmica” alguma. A adoção do equipamento, após oito anos de pesquisas e exaustivos testes operacionais, foi amplamente bem recebida pelos paulistas, por organizações da sociedade civil que atuam na área de segurança pública e pela própria corporação militar.

Não poucos estudos revelaram que a adoção das bodycams, uma das mais bem-sucedidas políticas de segurança já adotadas pelo governo de São Paulo, reduziu drasticamente o número de casos de violência policial e mortes, não só de civis, como também dos próprios agentes. As câmeras corporais oferecem proteção a todos e contribuem para a construção de uma Polícia Militar mais cidadã, mais bem preparada para proteger a sociedade seguindo rigorosamente os ditames das leis e da Constituição.

É exatamente por isso que as bodycams se tornaram uma obsessão dos bolsonaristas radicais. Para esses extremistas, as câmeras inibem a ação dos policiais, o que, segundo eles, favoreceria os bandidos. O ideal bolsonarista, portanto, seria que os policiais pudessem agir à vontade, sem se preocupar com limites legais. Não à toa, o governo de Bolsonaro chegou a encaminhar projeto de lei, felizmente rejeitado, para conferir excludente de ilicitude para os policiais, o que constituiria, na prática, uma licença para matar.

Por isso, vá lá que, no palanque, o candidato escolhido por Bolsonaro para disputar o governo paulista tivesse que defender as teses estapafúrdias que levam os bolsonaristas radicais ao delírio, como a de que as câmeras prejudicam a “produtividade” da PM e deixam os policiais “em desvantagem em relação aos bandidos”, segundo Tarcísio.

Passada a eleição, contudo, não há nenhuma razão para que o futuro governador, cujas credenciais técnicas são sólidas, continue a legitimar tal barbaridade. É hora de Tarcísio virar a chave de candidato e se preparar para governar o Estado no melhor interesse dos paulistas.

PIB cresce, mas falta dinamismo

O Estado de S. Paulo

Crescimento perde impulso e, além disso, faltam políticas para frear a desindustrialização

Depois de crescer por cinco trimestres consecutivos, a economia brasileira dá sinais de se acomodar, prenunciando menor dinamismo no início do novo governo. A perda de ritmo foi contínua ao longo deste ano, com o Produto Interno Bruto (PIB) crescendo a taxas trimestrais de 1,3%, 1% e 0,4%. A expansão acumulada em um ano, até setembro, chegou a 3%. Esse retrospecto parece indicar, no balanço final de 2022, um crescimento próximo de 3%, muito parecido com as projeções correntes no mercado. Para 2023, economistas do setor privado continuam prevendo para o PIB um aumento inferior a 1%, num cenário complicado por dificuldades fiscais, inflação superior a 5% e juros básicos de 11,5%.

O avanço econômico foi liderado no terceiro trimestre pelo setor de serviços, com expansão de 1,1%. A produção geral da indústria aumentou 0,8% e a da agropecuária encolheu 0,9%, prejudicada principalmente por más condições do tempo. Afetado severamente pela covid-19, principalmente no caso das atividades presenciais, o conjunto dos serviços tem-se recuperado com vigor e acumulou em um ano expansão de 4,4%. Nesse período, a produção rural foi 1,3% menor que a dos 12 meses imediatamente anteriores. A produção industrial aumentou apenas 0,8%, com desempenho especialmente ruim do ramo da transformação (-2,1%).

O fraco desempenho da indústria de transformação – onde se incluem os segmentos automobilístico, mecânico, eletroeletrônico, têxtil, aeronáutico e de calçados, entre muitos outros – é especialmente preocupante. Esse conjunto de atividades vem apresentando resultados insuficientes há pelo menos dez anos. São sinais de uma reversão histórica. Depois de avançar durante décadas na formação de um setor industrial vigoroso e diversificado, o Brasil vem-se desindustrializando, como se houvesse entrado num processo de subdesenvolvimento.

Nada se fez para interromper essa degradação, nos quatro anos de mandato do atual presidente da República, assim como nada se acrescentou aos avanços tecnológicos e comerciais acumulados nas quatro décadas anteriores pelo agronegócio. A agropecuária e a indústria vinculada à atividade rural continuaram dinâmicas e competitivas, mas somente graças à modernização iniciada em administrações anteriores. A atual administração distinguiu-se quase exclusivamente por suas ações prejudiciais à reputação do agronegócio brasileiro, manchada pela devastação ambiental tolerada e facilitada pelo Executivo federal.

O novo governo precisará estimular a recuperação e a modernização da indústria e restaurar de forma clara o compromisso brasileiro com a preservação ambiental. Além disso, terá de oferecer ao setor privado um horizonte seguro para o investimento em capacidade produtiva. No terceiro trimestre, o valor investido em máquinas, equipamentos e construções foi 5% superior ao de um ano antes e correspondeu a 19,6% do PIB. Mas o País precisa investir muito mais – pelo menos 24% do PIB – para crescer, de forma continuada, em ritmo parecido com o de outros emergentes

Estímulos têm efeito limitado no crescimento da economia

Valor Econômico

O país tem um problema crônico de crescimento e baixa produtividade

A economia brasileira começou a desacelerar no terceiro trimestre, quando o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu 0,4% em relação ao trimestre anterior. O desempenho foi um pouco pior do que previam os analistas (0,6%), mas isso não quer dizer muito porque houve revisões importantes das estatísticas de 2021 e dos dois primeiro trimestres deste ano. O resultado era previsível e altera pouco a trajetória prevista para o futuro. A economia perderá mais fôlego, a partir de um nível de crescimento de 3,2% acumulado até agora no ano. Com isso, as projeções para 2022 chegam perto de 3% - bem boas diante as previsões de 0,7% no início do ano - e as de 2023 aproximam-se de 1%, quando antes se previa a possibilidade de recessão.

Os números do IBGE mostram que, entre os fatores de oferta, o setor de serviços puxou quase que sozinho o avanço na comparação trimestre a trimestre. Dos oito setores que obtiveram média acima de 0,4% do PIB, seis são serviços e dois da indústria. No acumulado do ano até setembro, em relação a mesmo período de 2021, o predomínio se mantém, com a dianteira de outras atividades de serviços (12,1%), muito ligadas à massa salarial, enquanto que na indústria despontam energia, gás, água e esgoto, com 9,5% e o desempenho forte da construção (8,2%).

A agricultura retraiu 0,9% e a indústria, apesar de avanço de 0,8%, ficou quase parada. A indústria de transformação cresceu 0,1% e a extrativa decresceu nessa proporção. Foi a construção (1,1%) que mais contribuiu para o resultado. Como um todo, os serviços cresceram 1,1% no trimestre.

Trimestre a trimestre, entre os fatores que determinam a demanda, o consumo das famílias cresceu até junho e perdeu força agora, com expansão de 1%. O festival de estímulos eleitorais do presidente Jair Bolsonaro e o aumento do emprego fizeram com que o consumo não mostre queda em comparações mais longas. Nos três trimestres deste ano ante os três de 2021, o consumo das famílias cresceu iguais 4,3%, e 3,7% na série de quatro trimestres em relação ao mesmo período anterior.

A taxa de investimentos subiu um pouco, de 19,4% para 19,6% de um trimestre para outro, e a Formação Bruta de Capital Fixo, 2,8%. No acumulado do ano, porém, a FBCF nada cresceu em relação a 2021. O consumo do governo desacelerou nas várias comparações temporais, para evoluir 1% no terceiro trimestre. Com o desempenho razoável da economia no primeiro e segundo trimestres, e o recuo da demanda por commodities, as importações suplantaram as exportações retirando, segundo Alberto Ramos, chefe de pesquisas para a AL do Goldman Sachs, 0,31 ponto percentual do PIB. Por suas contas, a variação negativa dos estoques reduziu outros 0,76 ponto percentual do resultado final.

Há fatores conhecidos que reduzirão mais o ritmo da economia. O mais poderoso deles é o aperto monetário. A taxa Selic, parada em 13,75%, ainda não produziu todos seus efeitos, em boa parte devido aos estímulos fiscais e parafiscais concedidos pelo governo. A demanda por commodities tem grande papel na evolução do PIB, a desaceleração das principais economias - inclusive e principalmente China - e a elevação dos juros nos países desenvolvidos deve frear o crescimento brasileiro. O consumo das famílias vai enfraquecer, porque o crédito está mais caro e a inadimplência é alta. Juros altos elevam também o custo de oportunidade dos investimentos, desencorajando os que passam a ter taxa de retorno inferior ao das aplicações e dos financiamentos.

Não se esperam surpresas positivas para as indústrias de transformação e extrativa, mas a performance da agricultura deixará de ser negativa nos próximos trimestres. Os serviços crescerão menos pelos motivos citados e também pelo fato de que o espaço fechado pela pandemia (enorme até o primeiro trimestre do ano) já ter sido totalmente preenchido.

O governo eleito, pelo menos nos primeiros sinais, sugere que estímulos fiscais também estão em seus planos para fazer a economia crescer. Com a política monetária em direção oposta, a resultante é uma incógnita e os números do PIB sugerem que a fórmula pode não funcionar. Com todos os incentivos dados por Bolsonaro, ao redor de 3% do PIB, a economia deveria ter crescido mais e mantido o ritmo por mais tempo. Não o fez e voltará à vala medíocre de 1%, se tanto, em 2023. O país tem um problema crônico de crescimento e baixa produtividade. Estimular o consumo é a parte mais fácil - e a mais perigosa com a inflação ainda escapando das metas e desequilíbrio fiscal.

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