Folha de S. Paulo
Ocupação da porta de quartéis, com pedidos
de intervenção, revela pouco apreço à democracia por militares
O general Achilles Furlan Neto aceitou que
a fachada principal da entrada de seu comando, onde antes estavam visíveis as
letras garrafais do Comando Militar da Amazônia,
fosse tomada por lonas pretas e azuis, por caixas de isopor improvisadas como
prateleiras e lotadas de suprimentos e por fogões industriais.
Uma ampla cozinha foi improvisada na
calçada. Um reservatório de água garante o cozimento de alimentos. Um cano leva
a água suja para a rua. Sacos com lixo são empilhados todos os dias, o que
provoca mau cheiro. Mais fétidos são os dez banheiros químicos rentes à mureta
da unidade militar, numa avenida movimentada de Manaus.
O comando, ao qual estão vinculados 20 mil militares, admitiu ainda 57 barracas, 20 carros estacionados na calçada, cones bloqueando uma faixa da avenida e a presença de manifestantes –com suas cadeiras de praia dispostas bem na frente da entrada principal– interditando o fluxo. Eles passam os dias entoando hinos militares e louvores.
O ato golpista –salpicado
por paranoia e informações falsas na tela do celular– já dura um mês. É
protagonizado por eleitores de um derrotado Jair Bolsonaro (PL), que pedem
intervenção das Forças Armadas. A cena se repete nos principais comandos e
batalhões do Exército país afora.
O ânimo golpista só perdura porque existe
conivência por parte dos militares em posições de comando, especialmente no
Exército. E essa conivência produz situações insólitas, como no Comando Militar
da Amazônia, onde a Justiça Federal desistiu de
se fazer presente em razão do bloqueio da entrada central –as
tratativas passaram a ser virtuais.
A legitimação a esses atos ocorre pela
inação. Ou por recados e dubiedades expressos em textos mal escritos, como
a nota "às
instituições e ao povo brasileiro" dos comandantes das
três Forças, divulgada no dia 11, num tom de aceitação do golpismo inerente a
essas manifestações.
Militares em posição de comando se
acostumaram à comunicação por entrelinhas e indiretas. Tanto que nem percebem
que, após quatro anos de alinhamento ao bolsonarismo e de politização dos
quartéis, já não há sutileza nas mensagens.
A correia de transmissão dessas mensagens
inclui generais da reserva desimportantes, como Braga Netto,
o vice de Bolsonaro também derrotado nas urnas, e Villas Bôas,
o ex-comandante que ganhou um cargo e uma agenda vazia no Palácio do Planalto.
Os atos na frente de quartéis revelam muito
mais do que delírio. Eles explicitam o pouco apreço de militares à democracia e
às regras do jogo, o alinhamento ideológico a Bolsonaro, o apego a benesses e a
insistência em interferir numa harmonia mínima entre os poderes
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