Correio Braziliense
Bolsonaro estimula protestos de extrema direita
à porta dos quartéis; constrange os comandantes militares, que sabem de seu
dever de defender a hierarquia e a disciplina nas Forças Armadas e a
Constituição
Ex-ministro da Defesa e da Segurança
Pública, ex-relator na Câmara do projeto de Política Nacional de Defesa, Raul
Jungmann sempre se queixou do fato de que nem o Congresso nem a chamada
sociedade civil deram muita importância à questão militar. Esse assunto era
tratado pelos políticos como resolvido, até o então comandante do Exército,
general Eduardo Villas Boas, escalar o seu ativismo no Twitter e pressionar o Supremo
Tribunal Federal (STF) a negar o pedido de habeas corpus ao ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, que foi impedido de disputar as eleições de 2018, para as
quais era o franco favorito.
O resultado foram quatro anos de “pesadelo”, como definiu o compositor Chico Buarque de Holanda, no seu show de terça-feira passada, em Brasília. Desde que a eleição do presidente Jair Bolsonaro trouxe os militares de volta ao poder, o fantasma do golpe de Estado, e não do comunismo, passou a rondar a Praça dos Três Poderes. Derrotado nas urnas, Bolsonaro não reconhece a vitória de Lula e estimula protestos de extrema direita à porta dos quartéis; constrange os comandantes militares, que sabem de seu dever de defender a hierarquia e a disciplina nas Forças Armadas e respeitar a Constituição.
Assim, a escolha de um civil para o
Ministério da Defesa passou a ser uma questão chave para o relacionamento entre
Lula e os militares, cujos comandantes ainda devem obediência a Bolsonaro e
ensaiam uma desfeita ao presidente eleito, passando o cargo para seus
sucessores antes da posse do novo comandante Supremo das Forças Armadas. Caso
isso ocorra, pode ser que os novos comandantes sejam os generais mais antigos
de cada Força, mas pode ser também que Bolsonaro resolva nomear gente de sua
confiança, com propósitos que ainda não são claros, porque isso tanto pode ser
uma pirraça infantil como uma tentativa de impedir a posse do novo presidente
da República.
O mais provável, caso os atuais comandantes
se demitam, é que seja a primeira hipótese, porque a segunda estaria fadada ao
fracasso. Mesmo com toda a agitação existente nos quartéis, estimulada por
Bolsonaro, com o apoio dos “patriotas” bolsonaristas que protestam sob sol e
chuva há mais de 30 dias. Intervenção militar, fechamento do Supremo Tribunal
Federal (STF), prisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
ministro Alexandre de Moraes, e do presidente eleito são insanidades, que não
têm a adesão das Forças Armadas como instituição.
O outro lado da moeda é a mobilização para
a posse do presidente Lula, que promete ser uma grande festa popular e tem
amplo apoio internacional. O presidente norte-americano, Joe Biden, acompanha
pessoalmente o que ocorre no Brasil. Outro observador atento é o presidente
francês, Emmanuel Macron, um desafeto pessoal de Bolsonaro, que fez comentários
desprezíveis sobre a primeira-dama francesa, Brigitte Macron, de 69 anos, por
ser 24 anos mais velha que o marido.
Estados Unidos e França são potências
democráticas do Ocidente, com interesses estratégicos na Amazônia. Ambos os
chefes de Estado apostaram na derrota de Bolsonaro, que tem ligações políticas
com a extrema direita norte-americana e francesa.
Caminho suave
Mas como apartar os militares da política?
A opção de Lula foi o caminho suave, ao escolher o ex-ministro do Tribunal de
Contas da União (TCU) José Múcio Monteiro, um político do PTB, egresso do PDS,
para novo ministro da Defesa. Boa praça, nos seus cinco mandatos na Câmara
manteve excelentes relações com a imprensa. Zé Múcio é um encantador de
serpentes, capaz de seduzir qualquer interlocutor com seu bom humor e espírito
conciliador. Engana-se, porém, quem pensa que seu sorriso não morde. Que o diga
a ex-presidente Dilma Rousseff, cujas contas foram desaprovadas em seu
relatório, por causa das “pedaladas fiscais”.
Na transição de governo, o único setor que
não contou com um grupo de trabalho foi a Defesa, mas nem por isso o novo
ministro deixará de ter subsídios. Economista, doutor em relações
internacionais pela Universidade de Oxford (Reino Unido) e servidor federal,
Rodrigo Fracalossi de Moraes, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), fez um diagnóstico preciso da situação da Defesa, com muitas sugestões
práticas.
A reforma da pasta teria dois objetivos:
primeiro, o aumento da efetividade e da eficiência, aprimorando a conduta
operacional das Forças Armadas; a formação militar; e a gestão técnica e
administrativa; segundo, garantir padrões elevados de accountability e
integridade institucional, com um sistema de governança compatível com as instituições
democráticas, o Estado de direito e o respeito aos direitos humanos.
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