O Globo
Regular as grandes plataformas não é
trivial, os europeus passaram três anos estudando o problema
A equipe de transição para o futuro governo
Lula já tem uma ideia do que fazer com as grandes plataformas digitais. O time
escalado para discutir o assunto é inadequado — o ex-ministro das Comunicações
Paulo Bernardo e seu então secretário executivo, César Alvarez, o ex-deputado
federal Jorge Bittar e a única pessoa que tem real experiência trabalhando com
redes sociais, a economista Alessandra Orofino. Ainda assim, a ideia do grupo é
boa: copiar a nova legislação europeia para o tema.
O PT é velho. Ou melhor: quem tem real poder, dentro do Partido dos Trabalhadores, é velho. O novo presidente não usa cotidianamente um smartphone. Muitos no comando da transição têm apenas um tico mais de experiência com tecnologia. E não adianta. Para começar a entender como a comunicação mudou radicalmente, só tem um jeito. Abrir o WhatsApp algumas vezes por hora, estar no Twitter todo dia, deslizar o dedo pelo Instagram, frequentar o YouTube para assistir a vídeos a ponto de o algoritmo já saber o que lhe recomendar, passear pelo Face, ter um TikTok. Tem de ser hábito.
Esse é daquele tipo de velhice que nada tem
a ver com idade. Há gente com 70 que já viveu as dores de apanhar nas redes, há
aqueles com 40 que, prudentemente, passam ao largo. Ocorre que, aqui, a palavra
dor é literal. É chave. As redes mexem com nossas emoções — e é isso que faz
delas intensamente poderosas politicamente. Nas redes vivemos angústias,
mágoas, euforia, raiva. Não é lugar para emoções banais. Nelas, tudo é intenso.
Inúmeros deputados federais e senadores
sabem disso. É comum que falem de medo, apreensão. Que celebrem vitórias num
debate contra um adversário no Twitter mais que em plenário — até porque, ora,
no Twitter há público. Dentro do Congresso, só raramente. Não é possível
entender o bolsonarismo sem conhecer essa torrente emocional. Afinal, é nela
que o bolsonarismo se ergue.
Há gente competente, dentro do PT, na
esquerda, ligada aos partidos que compõem a transição e, claro, na sociedade
civil que conhece o assunto com profundidade. Não é o caso do time escalado. É
daqueles problemas que, sem ser vivido, não pode ser enxergado. É o Efeito
Dunning-Kruger, fenômeno da psicologia que pode ser explicado de forma bastante
simples — quando alguém não é capaz de perceber o limite de sua ignorância.
Acha que compreende quando, não, não compreende.
Ainda assim, a solução proposta é excelente:
copiar a legislação europeia. Regular as grandes plataformas digitais não é
trivial, os europeus passaram três anos estudando o problema até chegar a uma
tentativa que faz sentido.
Por um lado, as regras trabalham para
diminuir o poder dos monopólios. As gigantes não podem usar suas plataformas
para esconder concorrentes e conquistar novos mercados. As multas são altas. As
lojas de aplicativos, como a da Apple, tampouco podem ser a única opção.
Por outro lado, onde está a ameaça
política, as redes que usam algoritmos para impulsionar conteúdo são obrigadas
a mudar seu comportamento. Se você quer saber por que um post apareceu na sua
frente, essa resposta tem de ser fácil de achar. Os algoritmos têm de ser
transparentes. Têm de ser compreensíveis. A ideia é que cidadãos sejam capazes
de perceber que há um computador escolhendo o que veem com o objetivo de
envolvê-los emocionalmente.
É bom copiar as leis europeias, neste caso,
não só porque foram muito estudadas, mas também porque facilita o trabalho de
todo mundo. A adaptação técnica feita para a Europa já servirá para o Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário