Valor Econômico
Só se fala em furar o teto; ninguém leva a
sério o corte de gastos
Em troca da aprovação da Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) da Transição, os partidos que estão apoiando o governo
eleito estão negociando ministérios, mas dificilmente abrirão mão do orçamento
“secreto”. O que se pode é tentar negociar mais transparência no processo de
liberação das emendas, mas essa é uma realidade que já faz parte do “modus
operandi” partidário desse Congresso. O ideal seria buscar um acerto com o novo
Parlamento, que assume em fevereiro, mas o ideal nem sempre é o possível. A
dotação orçamentária para o orçamento “secreto” é de R$ 19 bilhões para o
próximo ano.
O caminho que está se traçando no Congresso é dar uma folga orçamentária por dois anos para o governo eleito, até que se construa um novo regime fiscal para o país para substituir o teto do gasto que, aos trancos e barrancos, vigorou de 2016 para cá. Já em relação ao valor, se ficarão fora do teto cerca de R$ 200 bilhões ou menos, isso será decidido pelo Senado e a Câmara sancionará o que vier de lá. A tendência, porém, é reduzir um pouco esse valor.
O certo, no entanto, é que uma nova
política fiscal para o país terá que ser apertada por causa da trajetória
crescente da dívida como proporção do PIB (Produto Interno Bruto). Não há, no
horizonte visível, tempo para frouxidão fiscal. Ao contrário, quanto maior for
o valor do que ficará como sobreteto para 2023, pior será o cenário para os
anos posteriores.
A preferência política no ajuste das contas
públicas foi, inicialmente, o aumento das receitas mediante elevação da carga
tributária. Esse formato se exauriu porque a sociedade não aceita pagar mais
imposto. Isso ficou claro com a não renovação da CPMF pelo Congresso.
O teto do gasto, pelo qual não há aumento
real de despesa ano a ano, mas apenas a correção pela inflação, pretendia levar
o país a rediscutir as prioridades orçamentárias, cortando gastos não
prioritários.
Segundo texto elaborado por Arminio Fraga e
Marcos Mendes, intitulado “Um Regime Fiscal para o Desenvolvimento”, o colapso
final da responsabilidade fiscal ocorreu ao aproximarem as eleições de 2014,
quando o governo de Dilma Rousseff patrocinou uma deterioração de 4,7 pontos
percentuais do PIB nas contas primárias do governo federal entre os anos de 2011,
quando o superávit era de 2,2% do PIB, e 2016, quando as contas federais
registraram um déficit de 2,5%.
Os autores fazem uma proposta de dupla
ancoragem fiscal, com foco na despesa e na dívida, para dar sustentabilidade à
trajetória do endividamento público, com base em um planejamento trianual.
A ideia básica é ter uma meta para a
redução do gasto público, compatível com o objetivo de reduzir a dívida, em dez
anos, dos atuais 77,1% (dado de setembro) para 65%. Não se escapa de ter um
teto, um limite para a despesa, ajustável à necessidade. E este é pequeno,
muito próximo de zero, nos anos de 2024 a 2026.
Para ter uma noção do que uma “derrapada”
na despesa em 2023 pode produzir, os autores fazem simulações de dois cenários,
conforme o gráfico abaixo. A diferença entre o cenário 1 e o cenário 2 é
exatamente o quanto será gasto acima do teto no próximo ano. Se for de algo
mais próximo de R$ 220 bilhões, a dívida sobe até 2032, quando bate em 91,7% do
PIB. Se, no entanto, for menor, de R$ 90 bilhões, a dívida cresce menos, vai
para 83,4% do PIB em 2027.
O problema é que as premissas de taxa real
de juros (de 4,5% ao ano) e de crescimento da economia (de 2% ao ano) podem se
tornar irrealistas depois de um longo período de desequilíbrio fiscal.
O que está em jogo, portanto, é muito mais
do que dar um alívio para governo eleito poder cumprir suas promessas de
campanha. O que está em jogo é se viveremos uma crise fiscal, com suas
terríveis consequências sociais.
E o mais impressionante nessa discussão
toda é que ninguém parece disposto a levar a sério o corte de gastos. Só se
fala em autorizar um estouro do teto para que o presidente eleito, Luiz Inácio
Lula da Silva, possa cumprir a promessa de continuar pagando o Auxílio Brasil
de R$ 600 e mais R$ 150 por criança de até seis anos dos beneficiários do
auxílio, além de diversas outras despesas.
É necessário sim ajudar as pessoas mais pobres, mas não há razão para não se discutir seriamente, por exemplo, o corte de benefícios tributários. A proposta de Orçamento para o próximo ano prevê R$ 456,09 bilhões a título de benefícios tributários, valor que corresponde a 4,29% do PIB. Alguns deles foram concedidos há anos sem prazo para acabar e, muito provavelmente, ninguém mais sabe porque continuam ali.
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