sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Fabio Giambiagi - Um teto de R$ 2 trilhões

O Globo

Definir uma boa regra de gastos deveria ser o requisito mais importante para o governo Lula ser bem-sucedido. É preciso ser muito cuidadoso

Tratei do tema do teto de gastos no conjunto de 15 artigos que escrevi com sugestões para o novo governo. A importância do tema, o fato de estarmos perto de 2023 e a necessidade de tomar decisões acerca da questão fiscal me induzem a retomar o assunto.

A regra vigente, na prática, tinha caducado. Como mostramos com Manoel Pires no texto para discussão (TD) número 2, “Perspectivas fiscais para a década: dilemas e escolhas”, publicado no site do Ibre/FGV, ela implicaria contrair as despesas discricionárias dramaticamente no próximo governo. Isso seria inviável.

A questão é como mudar a regra do teto, mas preservando a noção de limites à expansão do gasto. A situação se assemelha à de uma pessoa precisando emagrecer e que prometera à família que faria um regime para perder 30 quilos em seis meses. No terceiro mês, o objetivo se revela impossível.

Isso significa que o peso da pessoa está ok? Não, porque ela continua sendo candidata a ter problemas de saúde. A solução não é desistir e, sim, fazer um planejamento mais adequado, por exemplo, com uma meta de redução de 20 quilos ao longo de 12 meses.

Contudo, a (falsa) solução encontrada na PEC proposta pelo futuro governo, de tirar o Auxílio Brasil do teto, é um equívoco, por várias razões. Primeiro, porque reforça a tendência, que já vinha se acentuando desde o governo atual, de “colocar fora do teto” uma gama cada vez maior de rubricas: quanto menor é a representatividade do gasto objeto de contenção, menor é a relevância da regra.

Segundo, porque aponta para incentivos perversos: nós deveríamos torcer para que, com o progresso do país, daqui a quatro anos se gaste muito menos com o Auxílio Brasil, e esses recursos poupados possam ser canalizados para investimentos públicos, ciência e tecnologia, saúde etc.

Mas do jeito proposto, o incentivo seria exatamente o oposto: que nas eleições de 2026 o valor unitário aumente para R$ 1 mil ou R$ 1.200, para ajudar a eleger o sucessor, porque “isso não afeta o teto”.

Terceiro, porque em um país com pressões inflacionárias claras, expandir o gasto fortemente é um erro macroeconômico grave. E quarto, porque estaríamos repetindo erros antigos, dos quais o mais recente foi o de Mauricio Macri na Argentina, que, no começo do seu governo, em 2016, negou-se a fazer um ajuste e foi abalroado por uma crise severa dois anos depois.

Definir uma boa regra de gastos deveria ser o requisito mais importante para o governo Lula ser bem-sucedido. É preciso ser muito cuidadoso. Tenho lido comentários de que “o teto do gasto foi um fracasso”. É bom que se frise: essa ideia é errada! O teto funcionou! Nos 25 anos entre 1991 e 2016, o gasto primário federal passou de 11% para 20% do PIB. De 2016 a 2021, com a única exceção de 2020, a relação gasto/PIB caiu em todos os anos e, em 2022, o gasto deverá ser de menos de 19% do PIB.

Pelas simulações de muitos especialistas, esse gasto poderia continuar a ceder gradualmente como proporção do PIB, num processo de retomada da economia, o que permitiria alcançar um superávit primário de 2% do PIB na segunda metade da década. Para isso, porém, tomar as medidas certas em 2023 será chave.

O déficit público de 1995/1998, de 6 % do PIB, em média, nos levou à crise de 1998. Ora, o déficit de 2023 poderá ser de 7% a 8 % do PIB. À luz dessa perspectiva, a “PEC da Transição” constituiria uma verdadeira contrarreforma.

Faço aqui uma proposta:

1. Incluir dentro do teto (no “pé-direito”) todos os itens hoje abrangidos no “extrateto”, com exceção dos créditos extraordinários, normalmente de R$ 5 bilhões a R$ 10 bilhões/ano.

2. Definir um teto, com tudo incluído, de R$ 2 trilhões de gasto para 2023, em torno de 19% do PIB, para um PIB de R$ 10,5 trilhões.

3. Ter uma regra de expansão posterior do teto de IPCA + 1,5% ao ano por oito anos.

Aprovar esses dispositivos pavimentaria o terreno para uma trajetória fiscal sustentável e permitiria ao país focar na reforma tributária em 2023. Vale a pena avaliar a ideia

Um comentário:

Anônimo disse...

A proposta parece ser uma solução a la Gaiola de Ouro, no RJ...