Folha de S. Paulo
O que se questiona é a privatização do
dinheiro público para atender interesses pessoais
Superfaturamento de 259% nas compras de tratores e
equipamentos agrícolas. Uso de laranjas sem mandato no Congresso como autores
de emendas do relator, no montante de 51 milhões de reais no Orçamento de 2022,
conforme mostrou a Piauí nesta quarta-feira (7). Inflacionamento no preço de
ônibus escolar e ambulância para distritos eleitorais do centrão. Aumentar artificialmente os números do SUS enquanto
outros municípios carecem de recursos.
Estes são alguns dos efeitos em carne e osso do orçamento secreto — emendas de relator sem transparência de quem as solicitou, quais os critérios republicanos para elegê-las e quais os favores nelas embutidos. Os efeitos deletérios de quatro anos de terceirização do Orçamento por incompetência de Bolsonaro não são abstratos, são reais: a saúde e educação de milhões de brasileiros estão à mercê de escolhas políticas realizadas às escusas.
Ninguém questiona o poder, correto, dos
parlamentares eleitos de decidir prioridades para que o governo as execute (no
limite que o presidencialismo permite); o que se questiona é a privatização do
dinheiro público para atender interesses pessoais dos parlamentares e seus
redutos.
O STF está hoje com a pauta na mão. A corte deve ficar atenta
para que o orçamento secreto, se declarado inconstitucional como deveria ser,
não volte sobre outros formatos, mantendo a opacidade dos recursos. Não é um
tema interna corporis do Legislativo, quando direitos estão em jogo.
Lula, que já criticou o orçamento secreto,
apoiou Arthur Lira, o autor do dito cujo, para reeleição à Câmara. A falta de
alternativa política do presidente eleito para a presidência do Legislativo
imposta pela realpolitik não deveria significar um cheque em branco. Cabe ao
STF tornar mais custoso para que Lula, o eleito, descumpra a promessa
de Lula, o candidato, de pôr fim à farra orçamentária oculta onde só o povo não
foi convidado para a festa.
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