Blog do Noblat / Metrópoles
Hora de propostas cirúrgicas
revolucionárias para acabar com a divisão do sistema escolar entre “escolas
senzala” e “escolas casa grande”
Em 1889, muitos republicanos denunciaram
que a Abolição foi uma reforma tímida, por não dar terra aos ex-escravos, nem
escola aos seus filhos; e lamentavam ter sido feita pela monarquia, por um governo
do partido conservador. Mas nenhum defendeu a revogação da insuficiente Lei
Áurea. Nabuco fez sua defesa enquanto lutava por reforma agrária e educação de
base para todos.
Cento e trinta anos depois, o governo de Michel Temer, com o ministro Mendonça Filho, apresenta uma reforma do ensino médio insuficiente. Não vai colocar a educação brasileira entre as melhores do mundo, nem assegura que os filhos dos pobres tenham escola com a qualidade dos filhos dos ricos; e nem mobiliza os recursos necessários para que, mesmo tímida, a reforma seja executada. Mesmo assim, a reforma do ensino médio representa um avanço: sinaliza ampliação de escolas com horário integral, adoção da necessidade de formação profissionalizante, e traz liberdade para que os alunos possam escolher o que desejam estudar. Mas, desta vez, no lugar de defenderem os avanços desta reforma insuficiente e de lutarem por mais avanços e recursos para executá-la, alguns educadores defendem sua revogação.
Quem tem compromisso com a educação de
qualidade para todos não deve pedir sua revogação, mas sua ampliação. Denunciar
sua insuficiência, mas, no lugar de poucas, defender que todas as escolas sejam
em horário integral; no lugar de apenas alguns itinerários de disciplinas,
defender que os alunos tenham a máxima liberdade para escolha das disciplinas,
conforme suas vocações e talentos preferem; no lugar de alguma ampliação de
cursos profissionalizantes, avançar para que o ensino médio seja em quatro
anos, e permita a plena “alfabetização para a contemporaneidade”, o que implica
todo aluno concluir o curso com o conhecimento necessário para exercer um
ofício profissional; no lugar de uma reforma que deixa a responsabilidade de
execução para os municípios, propor nacionalizar a educação das crianças, colocando-a
sob responsabilidade do governo federal, com um ministério específico para a
Educação de Base. Só assim vamos sair das reformas insuficientes e colocar a
educação brasileira entre as melhores do mundo e quebrar a divisão entre
“escolas senzala” para os pobres e “escolas casa grande” para os ricos.
O que está mal na reforma do ensino médio
de 2017 não é ter sido feita por Temer, mas não ter sido feita pelos governos
anteriores; não é o que ela contém, mas o que ela não ousou conter.
Será uma pena e uma tragédia se o governo
progressista do Lula, no lugar de radicalizar apresentando sua reforma ampla
para a educação de base, ficar na história como o revogador de modesta reforma
para o ensino médio, apenas porque ela foi feita pelo governo Temer e porque
patotas ideológicas conservadoras se opõem a ela, seja por interesses
corporativos ou por não terem proposto antes uma reforma radical para dar
qualidade e equidade à educação de base.
Ainda bem que os primeiros governos
republicanos não revogaram a Lei Áurea, apesar de sua insuficiência e de ter
sido um dos últimos atos do Império. Se tivessem revogado, a escravidão
continuaria até hoje, enquanto progressistas brancos ficariam discutindo que
modestas medidas propor para mitigar o sofrimento dos escravos, sem libertá-los
de fato; como até hoje os seus filhos estão ainda escravizados por não
receberem a educação que necessitam para enfrentar o mundo contemporâneo;
enquanto corporações sindicais e blocos de concepções pedagógicas se digladiam
entre si, alheios aos verdadeiros donos da educação: nossas crianças e o futuro
do Brasil. O papel dos educacionistas não é revogar propostas homeopáticas, mas
apresentar propostas cirúrgicas revolucionárias para acabar com a divisão do
sistema escolar entre “escolas senzala” e “escolas casa grande”. A reforma de
2017 é um passo minúsculo, mas na direção certa, revogá-la é um passo atrás,
retrógrado, reacionário.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e
governador
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