domingo, 2 de abril de 2023

Elio Gaspari - Precatórios e aeroportos

O Globo

A empresa espanhola Aena pretende pagar 50% (R$ 1,16 bilhão) da outorga da concessão do aeroporto de Congonhas com precatórios. Esse é o nome dado a dívidas da Viúva, reconhecidas pela Justiça e caloteadas pelos governos.

A lei permite que esses espetos sejam usados em transações com o poder público. O caso expõe o preço da voracidade dos governos e a balbúrdia jurídica de Pindorama. Enquanto precatórios servem para quitar a outorga de um aeroporto, vale a pena ir a outro, o do Galeão.

Na década de 1940, durante a ditadura do Estado Novo, o governo de Getúlio Vargas resolveu construir um novo aeroporto no Rio de Janeiro. Oficiais foram à ilha do Governador e escolheram a área. Com uma canetada ela foi desapropriada e os proprietários das terras foram tungados.

Começou uma batalha jurídica. Os lesados tiveram seu direito reconhecido em 1951 e assim surgiu a figura do “precatório do Galeão”. O governo devia, não pagava, e os papéis —desvalorizados— iam de mão em mão.

No fim do século passado, chegou-se a armar uma operação pela qual, com valor de face, quitariam a dívida do Jornal do Brasil com a Viúva. A notícia se espalhou e tanta gente comprou precatórios do Galeão que o negócio foi à breca.

Em 1990, o Supremo Tribunal Federal mandou que se promovesse a execução da sentença. Em 1997 o processo sumiu. Quatro anos depois, foi encontrado por um pastor num banco da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, em São Cristóvão. A disputa recomeçou, mas, em 2011, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o litígio estava prescrito por decurso de prazo. O fato de o processo ter sumido por quatro anos foi desconsiderado.

Em novembro passado o STJ fechou o caso.

Segundo o governo, caso a indenização tivesse que ser paga, a conta ficaria em R$ 50 bilhões, dinheiro suficiente para arrematar quase todos os aeroportos do país.

Trégua nas Americanas

Os bancos e a rede varejista Americanas entraram numa trégua. Equipes de advogados estão costurando os detalhes de um acordo. Nele, os três grandes acionistas (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira) colocam entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões na empresa.

As costura de um acordo final pode levar de duas semanas a um mês.

Detalhe

Feita a paz no rolo, resta um detalhe lateral: ainda não se conhecem os nomes e os motivos dos diretores da Americanas que venderam cerca de R$ 240 milhões de ações da empresa no trimestre em que ela emborcou.

Essa bola está com a Comissão de Valores Mobiliários.

O valor do silêncio

O doutor Roberto Campos Neto perdeu uma oportunidade de usufruir das virtudes do silêncio.

Ao ser perguntado o que achava da proposta fiscal do governo, disse que lhe parecia “bastante razoável” e acrescentou: “mas não quero fazer comentário antes de ver o arcabouço final.”

Quem não quer fazer comentário, comentário não faz.

Continua valendo o conselho do presidente americano Calvin Coolidge (1923-1929):

“Se você fica calado, nunca volta atrás.”

Vara maldita

A 13ª Vara Federal de Curitiba tem alguma urucubaca. Depois de ter sido ocupada por Sergio Moro, nela está agora o juiz Eduardo Appio, que em pouco tempo notabilizou-se pelo desempenho espetacular.

Appio passou por um constrangimento em 2015, quando se tornou público que o ex-deputado petista André Vargas havia pago R$ 980 mil por uma casa, quando a escritura mencionava o valor de R$ 500 mil. Interrogado pelo então juiz Sergio Moro, Vargas explicou que o valor inferior atendia a um pedido do corretor, por solicitação do proprietário.

A casa pertencia ao juiz Eduardo Appio. À época ele explicou que o valor de R$ 500 mil para a escritura foi aceito depois de um pedido de Vargas ao corretor. E mais: “Para mim não faria diferença, havia isenção porque era meu único imóvel, não haveria diferença de imposto.”

Em sua declaração de imposto de renda, Appio lançou o valor real da compra: R$ 980 mil.

Condenado a 18 anos de prisão, Vargas está em liberdade condicional.

Madame Natasha

Natasha tem horror a notícias falsas e acredita que é bem-vinda qualquer iniciativa para combatê-las. O governo criou o portal Brasil Contra Fake para apontar mentiras. Não explicou sua metodologia, nem se obrigou a contestar mentiras com fatos.

A senhora deixa de lado essa parte relevante, mas prossegue no seu combate em defesa do idioma. Ela concedeu uma de seus bolsas de estudo ao autor do seguinte texto:

“A Controladoria-Geral da União continua sua missão no combate à corrupção. De acordo com o órgão, opor a prevenção ao combate é apenas um falso dilema. O combate à corrupção faz parte da missão definida no planejamento estratégico do órgão.

De acordo com nota no site da CGU: ‘É falsa a ideia de que a transformação da Secretaria de Combate à Corrupção em duas Secretarias — a Secretaria de Integridade Pública e a Secretaria de Integridade Privada —, com a reinserção das atividades de operações especiais no âmbito da Secretaria Federal de Controle Interno e a realocação das atividades de inteligência, ciência e dados e informações estratégicas na Secretaria-Executiva do órgão signifique que a CGU pretenda priorizar a prevenção em detrimento do combate à corrupção’.

Natasha acredita que o portal do governo quis falar bem do governo, testando o fôlego que quem o lê.

Ofensa a Vitorino

O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, é um craque, cobrou diárias à Viúva para ir a um evento de quadrúpedes. Empregou na Câmara dos Deputados seu piloto e o gerente do seu haras, no município de Vitorino Freire, no Maranhão.

O doutor deveria cuidar da troca do nome do município onde cuida de seus animais. Vitorino Freire (1908-1977) foi deputado, senador e disputou com ferocidade o controle político do Maranhão com José Sarney. Deve-se a ele a divulgação da figura dos jabutis na política brasileira. Viveu num apartamento da Rua Tonelero, em Copacabana, e só deve ter montado em cavalos durante campanhas eleitorais.

Com notável senso de humor, gostava de repetir uma frase de Gilberto Amado: “Vantagem de homem feio é que mulher burra não persegue”.

Prisões especiais

A decisão do Supremo Tribunal Federal de acabar com o direito à prisão especial para quem tem curso superior poderá estimular a melhoria das condições dos cárceres nacionais.

A menos que o andar de cima patrocine uma gambiarra.

Caso das joias: Ex-assessor de Bento Albuquerque diz à PF que pagou 'excesso de bagagem' para trazer presentes da Arábia Saudita

André Lara disse tudo

André Lara Resende disse tudo na sua entrevista à repórter Míriam Leitão, quando tratou dos economistas que defendem a atrofia do Estado:

“Essa (é a) visão dominante entre os economistas do mercado financeiro. Quem aparece na grande mídia são 99% os economistas que trabalham no mercado financeiro. Eles falam consigo mesmo. E eles aparecem na mídia. E a grande mídia está completamente dominada por essa percepção, essa visão de mundo.”

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