Correio Braziliense
“Quem está contra o novo arcabouço fiscal
defende o corte de despesas do governo, que sempre é possível, mas tem alto
custo social e político”
A mais bem-sucedida experiência
desenvolvimentista pós II Guerra Mundial foi a dos chamados Tigres Asiáticos:
Coreia do Sul, Hong Kong, Cingapura e Taiwan. Governos intervencionistas
protagonizaram a transformação desses países de economias estagnadas em países
dinâmicos e industrializados, cada qual ocupando um papel específico na nova
divisão internacional do trabalho. Na sequência, vieram Malásia, Tailândia,
Indonésia, com modelos semelhantes, e a China, que saiu do “comunismo de
guerra” de Mao Tse Tung para o “capitalismo de Estado” de Deng Hsiao Ping.
Hoje, é o Vietnã que envereda com sucesso por esse mesmo caminho.
Na Ásia, burocracias muito fortes comandaram um processo no qual a iniciativa privada foi preservada, com o Estado investindo fortemente em ramos estratégicos e na inovação tecnologia. Grandes investimentos na educação proporcionaram a mão de obra qualificada necessária para os novos setores da economia, na transição do agrário para o urbano. Em 1950, o PIB per capita da Coreia do Sul era metade do PIB do Brasil; em 1990 era o dobro, em 2005, três vezes maior. No ano passado, era quatro vezes.
Ao contrário do que ocorreu na Ásia, o
modelo desenvolvimentista fracassou na América Latina e na África, em meio a
crises políticas, muita corrupção e atraso cultural. O tratamento preferencial
e protecionista dado às empresas e setores, por meio de isenções tributárias e
incentivos econômicos, não produziu o mesmo resultado, porque a proteção do
Estado não teve como contrapartida o desempenho.
A reprodução de modelos políticos
oligárquicos e excludentes no “capitalismo de compadrio” pôs tudo a perder,
inclusive no Brasil. Pode-se argumentar que o sucesso na Ásia se deve a
governos autoritários, o que em parte é verdade, mas não é uma lei universal.
Aqui tivemos o auge do capitalismo de Estado durante o regime militar e o
modelo fracassou. Entrou em colapso porque adensou demais as cadeias de
produção sem integrá-las às cadeias globais de valor, numa economia autárquica.
A crise financeira asiática, nos anos 1990,
parecia ter posto em xeque o modelo desenvolvimentista, mas o crescimento da
China acabou alavancando todas as economias asiáticas, seja pela associação
direta, como no caso do Vietnã, seja pelo seu impacto na economia regional e
global, como na Indonésia e Tailândia. A China pegou o trem de alta velocidade
da revolução tecnológica, da economia do conhecimento e da inteligência
artificial. Está se tornando um país rico, com uma classe média numerosa. Hoje,
as economias de China e Estados Unidos têm tamanhos parecidos.
A conta
O consenso econômico atual atribui ao
Estado o papel de regulação da economia: “só deve intervir para corrigir
falhas no sistema que a iniciativa privada sozinha não tem como resolver”.
Basta garantir que os tribunais funcionem, que os contratos sejam respeitados e
o direito à propriedade protegido. A estabilidade macroeconômica deve ser
considerada um valor. Ao Estado cabe cuidar da infraestrutura, da saúde e da
educação dos mais pobres, “pero no mucho”. O resto o mercado resolve. Na
verdade, tudo isso foi levado em conta pelos países asiáticos. Onde está o nó?
Esse é o pano de fundo da discussão sobre o
novo arcabouço fiscal apresentado ao Congresso pelo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, que busca
conciliar a urgência das demandas sociais com as necessidades de controle da
dívida pública. O governo Lula se comprometeu a melhorar, ano a ano, as suas
contas, chegando a um superavit primário de 1% do PIB em 2026, seu último ano
de mandato. As despesas subirão, no máximo, 2,5% ao ano, descontada a inflação.
As críticas ao modelo se concentram no piso de 0,6% para o crescimento das
despesas, que Haddad espera compensar com a taxa de crescimento da economia e a
reforma tributária.
O ex-presidente Jair Bolsonaro deixou o
país numa trajetória explosiva de endividamento público, que subiria de 72,9%
do PIB, no ano passado, para 95,3%, em 2032. Uma alta de 22,4 pontos em 10
anos. O projeto da equipe econômica do novo governo, no pior cenário, prevê a
estabilização da dívida em 85% no mesmo período. Ou seja, 10 pontos a menos.
Entretanto, se tudo der certo, a dívida se estabilizará em 77% do PIB a partir
de 2025.
O que preocupa os críticos da proposta são
as condições para que isso dê certo no cenário positivo, o crescimento e a
arrecadação. O cenário negativo é o aumento da inflação, que ninguém deseja.
Quem está contra o novo arcabouço fiscal defende o corte de despesas do
governo, que sempre é possível, mas tem alto custo social e político. A
necessidade de incluir os mais pobres no Orçamento é uma obviedade, porque
foram eles que ganharam a eleição ao escolher o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva.
Sem inflação, alguém tem que pagar essa conta. São os setores privilegiados da sociedade, inclusive setores empresariais protegidos pelo Estado, sem a devida contrapartida em termos de metas de qualidade e produtividade. Vem daí o lobby contra a proposta e pelo corte de gastos. É um conflito distributivo da renda nacional, que tende a se acirrar durante o governo Lula, se um novo modelo de desenvolvimento, ajustado à nossa realidade, não for posto na mesa para discussão com a sociedade. Um novo consenso econômico só será possível com mais crescimento, modernização da economia e aumento da renda das famílias.
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