O Estado de S. Paulo
Os algoritmos da política econômica indicam
que estamos prontos para criar um arcabouço social
Podemos fazer política social de forma
diferente. Desde pelo menos a Lei de Responsabilidade Fiscal, usamos gatilhos
para que uma determinada variável se dirija a um patamar desejado. Por exemplo,
proíbem-se “automaticamente” aumentos salariais se o gasto com pessoal estiver
suficientemente alto. Por que não gatilhos para outras políticas públicas?
Mecanismos análogos aos da LRF foram
instituídos no teto de gastos, na PEC Emergencial. A “algoritmização” existe em
algum grau no próprio regime de metas de inflação (Selic deve subir ou descer
para colocar a inflação no alvo). O Novo Arcabouço Fiscal tem também essa
lógica de código: a dívida deve ser estabilizada, não podendo então a despesa
crescer acima da receita. Esse crescimento da despesa dependerá de vários
parâmetros, havendo maior folga se a arrecadação for bem (priorizando a demanda
por investimento) e menor se for mal (priorizando a necessidade de primário).
Há vantagens nesse tipo de desenho: a política tem propósitos mais claros, a sociedade é educada sobre os trade offs envolvidos, grupos de interesse perdem força com gatilhos de proibições, noticiário e órgãos de controle podem objetivamente monitorar resultados.
Poderíamos algoritmizar também a política social. Ainda estamos fazendo policy como no século 20, apesar de uma disponibilidade de dados muito maior, que tendem a ser atualizados de forma mais veloz (ainda que não tanto quanto informações financeiras).
Algumas ideias são discutidas no Congresso.
Veja que a proposta aqui não é apenas que exista uma meta ou objetivo para uma
determinada variável, mas o acionamento de instrumentos para que ela seja
atingida, sem necessidade de aprovação de novas normas. Exemplos incluem metas
para a pobreza infantil que acionam ampliações do Bolsa Família com corte de
gastos em outras áreas (PEC 11/20) ou para a desigualdade de renda que acionam
transferências de renda de um lado e corte de privilégios tributários em outro
(PLP 62/21). Há ideias ainda com alvos e gatilhos para o desemprego regional,
inclusão da mãe solo e custo de vida nas cidades (PL 5.108/20, PL 3.717/21, PLP
134/21).
Uma oportunidade perdida foi o veto do
presidente Bolsonaro às metas para redução da pobreza e da pobreza extrema,
emprestadas do projeto da Lei de Responsabilidade Social e aprovadas no
Congresso durante a MP do Auxílio Brasil. A longevidade e a ampla aceitação
desses algoritmos na política econômica indicam que estamos prontos para também
criar um arcabouço social.
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