Folha de S. Paulo
Presidente erra ao extrapolar lógica
sindical para a geopolítica
A formação política de Lula deu-se nos sindicatos. Em negociações laborais, o "não dá para querer tudo" pode fazer sentido. Mas Lula erra ao extrapolar a lógica sindical para a geopolítica e insinuar que a Ucrânia precisa ceder território para encerrar a guerra com a Rússia. O conflito entre os dois países não se dá em torno de uma pauta em que ambas as partes exibem uma lista legítima de reivindicações, para a qual existe um ponto médio alcançável. Ao usar força militar para conquistar território, a Rússia violou a proibição às chamadas guerras de agressão, o que torna sua posição ilegítima.
E Lula erra no geral e no específico. Mesmo
que os ucranianos desistissem da Crimeia, como sugeriu o presidente brasileiro,
não apaziguariam Putin. A
menos que o autocrata russo esteja disposto a oficializar seu fiasco militar,
precisa sair
da guerra com mais território do que tinha antes de entrar, o que
significa abocanhar também um bom pedaço do Donbass.
Estou entre os que acham que a Otan cometeu
muitos erros desde a extinção da URSS. Penso que a organização deveria ter
tentado integrar a Rússia, não isolá-la. Tampouco vejo a Crimeia como
essencialmente ucraniana. De 700 a.C. para cá, a península foi controlada,
entre outros, por cimérios, búlgaros, gregos, citas, romanos, godos, hunos,
cazares, bizantinos, venezianos, genoveses, kipchaks, otomanos, tártaros,
mongóis, russos, alemães e ucranianos. Nos últimos dois séculos, a população
que ali vive consolidou-se como majoritariamente russa.
O problema é que, nos anos 1990, após a
confusão que se seguiu à dissolução da URSS, ficou acertado entre Moscou, Kiev
e os locais que a Crimeia integraria a Ucrânia, um entendimento que não pode
ser alterado "manu militari".
Lula e o PT passaram a campanha falando em
pacto civilizacional. Bem, no plano internacional, um de seus aspectos mais
fundamentais é o veto às guerras de conquista.
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