Valor Econômico
Faz todo sentido que se discuta estabelecer
um teto para a carga tributária
Em artigo de 1992, intitulado “Law or
Economics”, George Stigler observa que “enquanto a eficiência constitui-se no
problema fundamental dos economistas, a justiça é a preocupação que norteia os
homens do direito (...) é profunda a diferença” entre esses dois focos, o que
“significa, basicamente, que o economista e o jurista vivem em mundos
diferentes e falam diferentes línguas”.
O mesmo poderia ser dito, claro, em relação a economistas e políticos, estes mais focados na popularidade e no impacto eleitoral dos seus atos. Isso explica muito da frustração dos economistas por não emplacar reformas econômicas cujos benefícios lhes parecem claros. O que não significa que haja erro: em uma democracia os políticos procuram refletir, em suas escolhas, as preferências de seus eleitores, como deveria ser.
Por outro lado, isso também não elimina o
custo de se escolherem políticas econômicas ineficientes, como bem mostra o
baixo crescimento de nosso PIB per capita há tantas décadas, a despeito de todo
nosso potencial. Ou o que acontece atualmente com a Argentina, onde as taxas de
inflação e de pobreza sobem “a olhos vistos”.
Essa questão me veio à mente assistindo ao
“talk show” ocorrido esta semana na cerimônia de entrega do prêmio Valor 1000, com os
relatores da reforma tributária na Câmara e no Senado. Muito da conversa acabou
girando em torno da necessidade de, no contexto da reforma, se colocar um teto
para a carga tributária. Assim, segundo o senador Eduardo Braga, “entendemos
como profundamente importante a limitação da carga tributária no texto
constitucional”.
Essa é uma proposta relevante por pelo
menos três fatores. Primeiro, pois, como lembrado no “talk show”, a experiência
da reforma do PIS/Cofins mostrou que, na ausência de uma trava explícita, a
promessa de não aumentar a carga corre o risco de não ser cumprida. Isso
inclusive pela incerteza de se garantir que a arrecadação será a mesma, o que
leva a se preferir errar para mais do que para menos na fixação das alíquotas.
Segundo, pois muito da negociação
federativa em curso sobre a reforma tributária vem sendo equacionada abrindo-se
as portas para aumentar outros tributos que não aqueles incidentes sobre o
consumo, que são o objeto em si da reforma. Assim, a proposta aprovada na
Câmara dá espaço para se elevar impostos como o IPTU, o IPVA e o ITCMD, além de
criar a possibilidade de os Estados passarem a tributar produtos primários e
semielaborados.
Terceiro, pois a política fiscal que está
hoje colocada se baseia em um forte aumento da carga tributária, de forma a
gerar superávits primários em um contexto de expansão real do gasto público. A
previsão mediana do Prisma Fiscal de agosto é que o Governo Central feche este
ano com déficit primário de 1% do PIB, que cairia para 0,8% do PIB em 2024. O
resultado seria uma dívida bruta de 79% do PIB ao final de 2024, que, de acordo
com o Boletim Focus, seguiria subindo nos anos seguintes.
Para estabilizar a relação dívida/PIB,
dados o potencial crescimento da economia e a taxa neutra de juros, seria
necessário gerar um superávit primário entre 2% e 2,5% do PIB: ou seja, 3% a
3,5% do PIB a mais do que se tem hoje. E, como o modelo atual de política
econômica não prevê segurar o gasto público, que tende a continuar crescendo,
esse resultado só seria possível via forte aumento da carga tributária, como
vem se buscando fazer de variadas maneiras.
Há, porém, dois complicadores importantes.
Um, que o cenário econômico, internacional e doméstico, tende a se complicar
nos próximos anos. Lá fora, a tendência é que o PIB mundial cresça menos, mas
ainda assim as pressões inflacionárias sigam fortes. Isso por conta de pressões
vindas da desglobalização das cadeias de produção e da substituição do petróleo
por fontes mais limpas de energia. Além disso, como também aqui dentro, o
aumento do endividamento público e políticas fiscais mais expansionistas vão
pressionar a taxa neutra de juros, como vimos ocorrer após o abandono do teto
de gastos. No Brasil, também sentiremos o fim do bônus demográfico. Tudo isso
pode fazer com que o superávit primário necessário para estabilizar a razão
dívida/PIB seja ainda mais alto.
Outro complicador é que o Brasil já tem uma
carga tributária muito alta, como apontado pelos participantes do “talk show”.
Em 2022, segundo cálculos do Tesouro Nacional, essa atingiu 33,7% do PIB,
basicamente o mesmo que a média da OCDE (34,1%), um patamar já muito elevado
para um país emergente como o Brasil.
Aumentos adicionais da carga tributária vão
reduzir ainda mais o nosso potencial de crescimento econômico. A maior
tributação vai estimular a informalidade, gerar ineficiências diversas e
afastar os investimentos. Menos crescimento significa menor geração de emprego
e renda e renovadas pressões por mais gasto público.
Faz todo sentido, portanto, que se discuta
estabelecer um teto para a carga tributária: nas palavras do senador Braga,
“para dizer não ao Estado e assim...., protegendo, portanto, o contribuinte,...
impor ao Estado a necessidade de rever os seus gastos”. Ir na direção oposta é
optar por um modelo que vai gerar ainda menos crescimento e nos deixar ainda
mais distantes de acabar com a pobreza no país.
*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre
Nenhum comentário:
Postar um comentário