O Globo
Por que voltou a ser tão fácil vender ao
público políticas que pareciam desacreditadas?
Em artigo recente, intitulado "A vantagem populista, Raghuram Rajan analisa por que
voltou a ser tão fácil vender ao público políticas que pareciam completamente
desacreditadas.
Rajan tem sido um dos participantes mais
argutos do debate econômico mundial. Indiano, com doutorado no MIT, é há muitos
anos professor da Booth School of Business da Universidade de Chicago. Em 2003,
com 40 anos, tornou-se o primeiro economista-chefe do FMI proveniente de um
país emergente. E, de 2013 a 2016, presidiu o Banco Central da Índia (Reserve
Bank of India).
Em 2005, Rajan notabilizou-se pelo discurso estraga-festa que proferiu na reunião anual de Jackson Hole, nos EUA. Para grande irritação da plateia de banqueiros centrais e executivos das principais instituições do sistema financeiro mundial, que comemorava mais um ano de prosperidade da era Greenspan, Rajan declarou que os bancos já não sabiam que riscos vinham tomando nos mercados de derivativos.
E externou preocupações com a alta
persistente de preços de imóveis residenciais mundo afora. Quando sobreveio a
crise mundial deflagrada pela quebra do Lehman Brothers e pelo estrondoso
desabamento do mercado imobiliário nos EUA, tais premonições lhe valeram
merecido reconhecimento como um dos poucos economistas que anteviram o que
poderia estar por vir em 2008.
Rajan argui que, desde a grande crise de
2008, falhas na condução da política econômica abalaram o consenso que até
então prevalecia e deixaram o público menos confiante em propostas
convencionais e, por isso mesmo, mais propenso a contemporizar com soluções
inconsequentes, de caráter populista.
No caso do Brasil, é bem sabido que a crise
de 2008 foi, de fato, o ensejo que faltava para que o governo desfraldasse a
bandeira da nova matriz econômica e, já no segundo mandato do presidente Lula,
adotasse amplo leque de políticas equivocadas que, exacerbadas por sua
sucessora, redundaram no colossal descarrilamento da economia do final do
mandato e meio da presidente Dilma Rousseff.
O que merece atenção é quão pouco o país
parece ter aprendido com equívocos tão desastrosos — e tão recentes — na
condução da política econômica. Ainda traumatizados com as proporções do
desastre, Lula e o PT continuam entregues ao negacionismo, recusando-se a
reconhecer o que de fato ocorreu. E, pior, em campanha pela reabilitação dos
principais responsáveis pela catástrofe.
O que causa espanto, contudo, não é esse
pacto de amnésia coletiva a que se agarram Lula e seu partido, mas a
complacência do público com a disposição cada vez mais clara do governo de
voltar a incidir nos mesmos erros cometidos há tão pouco tempo.
Sem ir mais longe, é impressionante a
tolerância com que continua a ser tratado o descosido arcabouço de expansão
fiscal com que o governo conseguiu, afinal, se livrar do teto de gastos.
No final de março, quando o arcabouço foi
dado a público, anunciou-se que o déficit primário seria de 0,5% do PIB, em
2023, e zero, em 2024. Cinco meses depois, o governo desconversou e já nem fala
mais em meta de 0,5% para este ano. Não será surpreendente se o déficit de 2023
acabar sendo três vezes maior.
E, a cada dia, torna-se menos crível que o
governo consiga a brutal elevação de carga tributária que alega ser necessária
para zerar o déficit em 2024. Mas nem mesmo essa meta medíocre a “ala política
do governo”, já mobilizada com as eleições municipais e a reeleição do
presidente, se dispõe a cumprir.
Seja como for, o que se contempla são
quatro anos de resultado primário muito aquém do que seria requerido para
estabilizar a dívida como proporção do PIB. E é por isso que simulações de
dinâmica de dívida apontam para um salto de pelo menos 10 pontos percentuais
nessa proporção ao longo do atual mandato presidencial. Talvez, bem mais.
O que assombra é a condescendência com que
tamanha inconsequência na condução da política fiscal continua a ser tratada
pelos segmentos mais bem informados da opinião pública.
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