sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Vera Magalhães - O pacote do 7 de Setembro

O Globo

Nem a habilidade de Múcio garante que será possível evitar que os militares sejam confrontados com alguns fatos dos anos Bolsonaro

Com a costura sutil, em fio de náilon transparente, do ministro José Múcio, vai sendo alinhavado um acordo para uma espécie de armistício entre as Forças Armadas e o governo. Ele passa, como sempre, pela expectativa de ganhos pecuniários por parte dos militares, mas não só.

A contemporização que o ministro da Defesa advoga, em que tem obtido surpreendente sucesso, inclui variáveis além da capacidade de composição interna com o próprio governo, o que confere à empreitada certo grau de imprevisibilidade.

A forma como a aproximação com o governo vem sendo construída parece ter como pano de fundo, real ou narrativo, a aproximação do 7 de Setembro, o primeiro sem Jair Bolsonaro tomando a data de assalto para tentar cooptar as Forças Armadas para seu propósito golpista.

A data nacional carrega, portanto, enorme simbolismo depois das cenas vistas no 8 de Janeiro. A pressa de Múcio em lançar as bases do acordo de recomposição entre Lula e os militares se explica pela necessidade de, no feriado, levar ao país uma mensagem de apreço dos militares à democracia.

Pesquisas mostram quanto a imagem das Forças Armadas foi tisnada pela contaminação pelo bolsonarismo. Por mais que oficiais, sobretudo do Exército, entoem o discurso segundo o qual quem eventualmente se corrompeu ou esqueceu a separação entre as funções militares e a política foram pessoas, e não a instituição, fica muito difícil separar umas da outra em casos como as reiteradas visitas de um hacker réu por crimes variados ao Ministério da Defesa para ensinar militares da ativa a questionar a lisura do processo eleitoral.

Outro caso que, reservadamente, os próprios generais admitem ter sido mais danoso para a corporação foi a atuação de Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde e o fato de, ao sair do posto, ele ter se recusado a passar à reserva.

Também não será simples exorcizar a maneira como a cúpula do Exército lidou com os acampamentos em frente a seus quartéis-generais, sobretudo em Brasília, ovo em que foi gestada a serpente dos ataques terroristas de 8 de janeiro. Isso antes, durante e depois dos ataques.

É aqui que entram as variáveis de difícil manejo pelo conhecido jeito de algodão entre cristais do experiente político José Múcio. Os inquéritos da Polícia Federal avançam e deverão responsabilizar militares por crimes de diferentes naturezas, de desvio de patrimônio da União, no caso das joias, a conspiração contra o Estado Democrático de Direito.

No mesmo sentido, também não está garantido que a CPMI blindará de toda e qualquer responsabilização militares da ativa que estavam em funções relevantes em 8 de janeiro, a começar do próprio general Gonçalves Dias, que depôs ontem sem receber refresco nem da base aliada.

É por causa desses percalços e da necessidade de que haja alguma responsabilização, até para que os excessos não se repitam dentro da caserna, que Lula parece disposto a ceder naquilo que lhe cabe: amenizar o texto da Proposta de Emenda à Constituição que tentará colocar o gênio fardado de volta na lâmpada e, se possível, conceder aos militares algumas das reivindicações de reajustes e outros benefícios.

Nem todo mundo no governo se agrada com essa tendência a acomodar as melancias na carroceria do caminhão, como deixou evidente o ministro da Justiça, Flávio Dino, testemunha de momentos dramáticos em que os militares se recusaram a autorizar a entrada da polícia para prender manifestantes depois de os prédios dos três Poderes já terem sido destruídos.

Mas a própria fala de Dino, sobre a necessidade de conciliar, deixa patente que a disposição é fazer do 7 de Setembro uma data de conciliação, para isolar o golpismo bolsonarista quanto for possível. Isso é uma tarefa de Estado necessária.