sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Luiz Carlos Azedo - Orçamento de 2024 traduz conflito distributivo no governo Lula

Correio Braziliense

Haddad e Tebet terão que administrar simultaneamente o “fogo amigo” da Esplanada e as bolas nas costas da Comissão Mista de Orçamento do Congresso

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024, encaminhado nesta quinta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso Nacional, reflete o conflito distributivo existente no país, que repercute dentro do próprio governo federal. Nada demais, a disputa por verbas na Esplanada faz parte, não fosse o fato de que as decisões sobre o Orçamento da União são tomadas pelo Parlamento, que joga para a arquibancada, e não para o equilíbrio da economia, embora a narrativa seja essa. Ao mesmo tempo em que prorroga a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, que impacta fortemente a arrecadação federal, o Congresso não quer cortar na própria carne, ou seja, nas emendas parlamentares.

A contrapartida do governo é a chamada “recuperação fiscal do Estado”, que são medidas para aumentar a arrecadação, o que provoca urticária no mercado. Há também setores do governo que não querem se submeter ao ajuste da meta “deficit fiscal zero” em 2024. Volta o velho discurso de que um pouco de deficit e, consequentemente, mais inflação fazem a economia girar e financiam os gastos públicos. Os mais pobres, naturalmente, não têm como se proteger da desvalorização da moeda.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, terão que administrar simultaneamente o “fogo amigo” da Esplanada e as bolas nas costas da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, que é voraz. A farra de emendas do chamado orçamento secreto, durante o governo Bolsonaro, um dia ainda será contada. O governo se equilibra entre o cumprimento de promessas de campanha, como a recuperação do salário mínimo, e a tarefa de “zerar o deficit” em 2024, meta que muitos veem com desconfiança. A propósito, a proposta é elevar o mínimo para R$ 1.421 em 2024, um aumento de R$ 101 em relação ao valor atual.

Além disso, pretende arrecadar mais R$ 168 bilhões com o pacote tributário que será encaminhado junto com o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024, elaborado pelo Ministério do Planejamento. Expectativa maior do que aquela que estava sendo ventilada, que seria em torno de R$ 130 bilhões. Para fazer o contraponto com o governo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defende uma reforma administrativa visando cortar gastos do Executivo. Com a outra mão, o Centrão se articula para criar e abocanhar mais um ministério: o das pequenas e médias empresas. A proposta também tem apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

O mercado recebeu com ceticismo a proposta de “deficit zero”, mas tanto Haddad quanto Tebet têm assegurado que tomarão as providências necessárias para atingir esse objetivo. Na verdade, o êxito depende de medidas como o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e a regulamentação do impacto de incentivos tributários estaduais na base de arrecadação federal, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Arcabouço fiscal

Medidas importantes enfrentam grande resistência no Congresso, como a cobrança do Imposto de Renda sobre fundos exclusivos e fundos offshore, o fim do mecanismo de Juros sobre o Capital Próprio (JCP) e a regulamentação das apostas eletrônicas. O governo tem a seu favor as regras do novo arcabouço fiscal, se forem cumpridas. Para os analistas, os gatilhos deverão ser efetivamente acionados caso a meta não seja respeitada. Em contrapartida, a alteração da meta, como defendem alguns integrantes do governo, seria uma espécie de descredenciamento do próprio arcabouço. Expectativas de receita como a arrecadação de R$ 54 bilhões em multas pelo Carf também são consideradas exageradas.

Não se tem uma estimativa realista sobre o impacto da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia até 31/12/2027. Esse dispositivo foi criado em 2011, pelo governo Dilma, com caráter temporário, em razão da crise financeira mundial de 2008, para socorrer os setores de tecnologia da informação, equipamentos de comunicação, vestuário, calçados, móveis, couro e peles. Desde então, o programa foi sucessivamente prorrogado. Segundo a Receita Federal, o benefício tributário relacionado à folha de salários custa R$ 9,4 bilhões por ano, quantia elevada para quem pretende zerar o deficit fiscal em 2024.

O maior fantasma, porém, é externo: a desaceleração da China e a elevação dos juros nos EUA, em meio a uma guerra comercial entre os dois países. Está em curso uma mudança geopolítica, em que as cadeias globais de valor estão se regionalizando. O Brasil precisa de uma estratégia de integração à economia mundial num ambiente complexo. Enquanto os Estados Unidos reduzem sua dependência em relação à China, os chineses deslocam seu foco para o chamado Sul Global. Para complicar, a guerra da Ucrânia continua sua escalada, sem nenhuma perspectiva de paz no horizonte.

Em contrapartida, a pauta ambiental é uma grande oportunidade. Uma estratégia de transição da economia de carbono para a economia verde impõe-se como uma necessidade urgente. Com 56% de matriz energética com fontes renováveis, o Brasil pode sair na frente nesse quesito, dependendo da capacidade de captar investimentos. Tudo isso, porém, depende de uma economia equilibrada do ponto de vista fiscal.

 

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