Valor Econômico
Metamorfose mais emblemática continua sendo a
do vice-presidente Geraldo Alckmin
“Quando Gregor Samsa, certa manhã, despertou
de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado em um inseto
monstruoso. Estava deitado sobre as costas duras como couraça e viu, quando
ergueu um pouco a cabeça, a barriga abaulada, marrom, dividida em segmentos
arqueados, sobre a qual o lençol, pronto para deslizar por completo, já mal se
segurava”.
Assim começa “A metamorfose”, de Franz Kafka:
uma das sequências mais conhecidas e emblemáticas da literatura universal.
A transformação como capacidade fantástica ou instinto da condição humana inspirou igualmente escritores brasileiros. “Mecê tá ouvindo, nhem? Tá aperceiando Eu sou onça, não falei?! Ai. Não falei - eu viro onça? Onça grande, tupixaba. Ói unha minha: mecê olha - unhão preto, unha dura Cê vem, me cheira: tenho catinga de onça?”
Esta é uma das passagens de “Meu tio o
Iauaretê”, conto de João Guimarães Rosa e obra-prima da literatura nacional, em
que o narrador, um caçador, transfigura-se em onça, à medida que relata suas
aventuras ao interlocutor.
Se a capacidade de se adaptar às diferentes
situações é inerente ao ser humano, o dom de se metamorfosear extrapola os
limites da palavra para se manifestar em outros seres ainda mais fantásticos
que personagens kafkianos ou rosianos: os políticos, por exemplo.
Da literatura para a política, e ao rock
nacional, vem à memória mais uma das inusitadas declarações do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva: “Há muito tempo eu digo que prefiro ser considerado uma
metamorfose ambulante, ou seja, mudando à medida que as coisas mudam.”
A afirmação se deu em dezembro de 2007, no
segundo mandato, quando Lula citou a música de Raul Seixas para pedir à base
governista no Senado que votasse a favor da prorrogação da CPMF. O petista
precisou justificar a mudança de posição porque, no passado, havia sido
contrário ao imposto sobre transações financeiras, cujos recursos eram
destinados à saúde.
A expertise desenvolvida pelos políticos para
se transformarem a fim de se adaptarem às circunstâncias veio à tona como
provocação à oposição após o evento de sexta-feira (2), em que o petista e o
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) selaram a parceria
na construção do túnel entre Santos e Guarujá, e anunciaram a disposição de
trabalharem juntos pelo Estado.
A fotografia em que Lula e Tarcísio aparecem
de mãos dadas e esbanjando sorrisos correu as redes sociais no fim de semana e
irritou os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que interpretaram a
postura republicana do governador paulista como um gesto de “traição”.
O pré-candidato do Psol à prefeitura da
capital, Guilherme Boulos, não perdeu a deixa para fustigar os adversários,
afirmando que “se bobear” Lula filiava Tarcísio no PT.
Rapidamente, a família Bolsonaro reagiu em
defesa do aliado, que será cabo eleitoral estratégico nas eleições municipais
para multiplicar as prefeituras do PL e demais siglas ligadas ao bolsonarismo.
O ex-presidente declarou que Tarcísio é seu “irmão”, e o senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ) classificou o ato com Lula como “protocolar”.
Quadro técnico que migrou para a política
pelas mãos de Bolsonaro, Tarcísio já foi um quadro do segundo escalão no
governo Dilma Rousseff. Em 2023, desde a posse, posicionou-se ao centro, longe
do bolsonarismo radical. Não por acaso seu principal aliado é o secretário de
Governo e presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, cacique do centro
político.
Em outra frente, um político que está em
franco processo de metamorfose à esquerda é o ministro de Minas e Energia,
Alexandre Silveira - justamente uma das lideranças do PSD mineiro.
Egresso dos quadros da Polícia Civil, o
ex-delegado com trajetória de político conservador, ex-aliado do PSDB mineiro,
conquistou o concorrido posto de um dos auxiliares mais próximos de Lula, e
aprovado pela primeira-dama Janja.
Vale lembrar que no ano passado, ao relançar
o programa Luz para Todos na Amazônia, o ministro convidou Janja, publicamente,
para ser madrinha do projeto. Nos últimos meses, Silveira passou a vestir
camisetas em alguns atos, no lugar do terno convencional, na tentativa de
adotar uma imagem de “político do povo”.
No auge da mutação, disparou telefonemas para
conselheiros da Vale - privatizada há 27 anos - a pedido de Lula, reivindicando
apoio para que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega se tornasse CEO da
empresa. Após a repercussão negativa, recuou.
A metamorfose mais emblemática continua sendo
a do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
(Mdic), Geraldo Alckmin, que após o passado de embates viscerais com Lula,
tornou-se seu companheiro de chapa e aliado na vitória de 2022.
Em cena antológica da campanha, Alckmin e
Dona Lu dançam espremidos, mas felizes, junto a uma multidão de lulistas e
petistas no feriado de 2 de julho em Salvador. A equipe de segurança havia
recomendado a Lula e ao vice que não participassem da caminhada porque o risco
era alto. Os apelos foram ignorados, e Alckmin e Dona Lu se esbaldaram como
metamorfoses ambulantes.
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