Maioria no STF impõe retrocesso às relações trabalhistas
O Globo
Exigir ‘justificativa’ para demissão de
funcionários concursados das estatais cria risco de judicialização
Em julgamento suspenso na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou o recurso de um grupo de funcionários demitidos do Banco do Brasil em 1997 que tentavam ser readmitidos. Mas a maioria dos ministros decidiu que a demissão, no caso de funcionários de estatais concursados — e contratados com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) —, só poderá ser realizada mediante justificativa. Será marcada nova sessão para o plenário formular uma tese geral definindo que tipo de justificativa seria aceitável. Independentemente da tese que seja adotada, é evidente o risco de judicialização, com ex-funcionários recorrendo de demissões que considerem injustas.
Com a decisão, o Supremo criou um novo tipo
de demissão, apenas para funcionários concursados de estatais. O país vem há
anos buscando o caminho da simplificação das normas trabalhistas, aumentando o
espaço para entendimento entre patrão e empregado e adotando regras mais
flexíveis para contratar e demitir, de modo a favorecer a geração de empregos.
Passo fundamental nessa direção foi a reforma trabalhista de 2017, que desfez
amarras sem que os trabalhadores abrissem mãos de direitos. Agora, a decisão dificultando
a demissão de concursados em estatais representa um retrocesso. Com a reforma,
houve redução no volume de ações trabalhistas. A maioria formada no STF tem o
efeito oposto.
O voto vencedor, formulado pelo presidente da
Corte, ministro Luís Roberto Barroso, foi seguido pelos ministros Edson Fachin,
Cristiano Zanin, André Mendonça, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. O entendimento de
que é necessário apresentar justificativa para a demissão, ainda que distinta
da apresentada nas demissões por justa causa previstas na CLT, cria mais uma
obrigação burocrática. Torna as estatais e empresas de economia mista, na
gestão de recursos humanos, mais próximas de uma repartição pública que de uma
corporação em mercado competitivo.
Derrotado, o relator do processo, ministro
Alexandre de Moraes, entendeu em seu voto que não haveria necessidade de
justificar a demissão. Como os funcionários concursados também são contratados
pela CLT — que permite a demissão imotivada —, as regras não deveriam mudar
apenas porque trabalham numa estatal. No entender de Moraes, a exigência de
concurso numa estatal visa a garantir amplo acesso e evitar favorecimentos. Não
tem relação com estabilidade no emprego, como nos postos da máquina pública.
Não se pode, segundo ele, confundir a “porta da saída com a porta da entrada”.
Os ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques foram os únicos a apoiar o relator.
“É preciso muito cuidado para que, querendo fazer o bem, não acabemos por fazer
o mal. Inclusive a essas empresas”, afirmou Gilmar.
Agora, os ministros terão de definir como
será a figura de um empregado que pode ser demitido apenas mediante algum tipo
de justificativa que não reproduza as regras da CLT. Segundo Barroso, autor da
tese, a motivação da demissão “pode consistir em qualquer fundamento razoável,
não exigindo que se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação
trabalhista”. O próprio Moraes prevê aumento na judicialização: “Não haverá uma
demissão não judicializada. Todas serão, alegando desvio de finalidade, mesmo
que não haja”. Ainda há tempo, no exame da tese geral, para o plenário do STF
aprofundar o debate.
Reeleição de Bukele é alerta sobre o risco de
desprezar segurança pública
O Globo
Ditador de El Salvador que conteve violência
suprimindo direitos civis lança sombra na América Latina
É comum na América Latina pobreza e miséria
facilitarem a chegada ao poder de homens providenciais, os proverbiais
“salvadores da pátria”. Nayib Bukele,
reeleito presidente de El Salvador,
se aproveitou da crise de segurança que desestabilizava o país e atemorizava a
população. Um povo desesperado com anos de descaso no combate ao crime cedeu a
seu discurso linha-dura. No poder, Bukele concentrou poderes ditatoriais e se
tornou um autocrata com apoio popular.
Ele não é o primeiro a defender que se
ignorem leis e a Constituição sob a justificativa falaciosa de que só assim é
possível enfrentar o crime organizado. Mas é o primeiro a ir tão longe no
continente. El Salvador chegou a ser o país mais violento do Hemisfério Sul,
com 84,1 homicídios por 100 mil habitantes em 2016. No ano passado, último do
primeiro mandato de Bukele, a taxa foi de 2,4, nível do Canadá.
Por detrás das estatísticas há um presidente
que esmaga as instituições democráticas e prepara o terreno para se perpetuar
no poder. Irônico, Bukele comenta que, com os 85% dos votos obtidos na
reeleição e a conquista de 58 das 60 cadeiras da Assembleia Nacional, El
Salvador realiza um feito inédito: ter um partido único com um sistema
“totalmente democrático”. Trata-se, obviamente, de um absurdo.
Bukele governa com apoio em medidas de
exceção. Em 2021, usou a maioria que detinha no Parlamento para intervir na
Suprema Corte e garantir a candidatura à reeleição, que não era prevista na
Constituição. Reduziu de 84 para 60 as cadeiras no Legislativo e de 262 para 44
os municípios. Com isso, sufocou partidos menores e facilitou o controle da
Assembleia Nacional. A política autoritária de segurança está a serviço de seu
projeto de poder.
Se não governasse em virtual estado de
exceção, Bukele não conseguiria pôr em prática sua política de prisões em
massa, sem inquéritos nem espaço para qualquer direito de defesa. Não há Estado
de Direito em El Salvador. Desde 2022, quando houve uma onda de violência deflagrada
por gangues, estima-se que o governo tenha prendido 75 mil pessoas, pouco mais
de 1% da população. Sete mil foram soltos, e a maior parte dos demais superlota
uma megaprisão para 40 mil detentos.
O sucesso político de Bukele projeta uma
sombra na América Latina. Na Guatemala e no Equador, que também enfrentam o
desafio de combater o narcotráfico, candidatos com o mesmo perfil de Bukele já
tentaram se eleger. Seu modelo era adotado pelo ex-presidente das Filipinas
Rodrigo Duterte, que legalizou execuções de traficantes por policiais.
Por atentar contra os direitos humanos e as
liberdades civis, Bukele não serve de exemplo a nenhum país. Mas sua reeleição
funciona como alerta para políticos de todos os países, inclusive o Brasil,
sobre os riscos de desprezar a angústia da população com a violência. Ao tratar
a segurança pública como questão secundária, qualquer governo torna a população
mais propensa a se tornar refém de discursos populistas e autoritários.
Que se faça Justiça, não vingança
Folha de S. Paulo
Bolsonaro e seu séquito abusaram da
irresponsabilidade; acusação cabe à Procuradoria, e o papel do Supremo é ser
juiz imparcial
Ao que parece, chegará a hora em que
integrantes do alto escalão durante a administração Jair Bolsonaro (PL),
incluindo o ex-mandatário, terão de prestar contas à Justiça.
O presidente
e seu séquito abusaram da irresponsabilidade. Se também cometeram
crimes de lesa-democracia, é algo a ser decidido num quadro que precisará ser
justo e regular, com amplo direito de defesa e o devido processo legal.
Por ora conhecem-se fatos preliminares de uma
investigação, graves o bastante para justificar aprofundamento. Há indícios de
que um círculo de autoridades civis e militares em torno de Bolsonaro tramou
subverter a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo a Polícia Federal, debates sobre um
decreto golpista —no molde da minuta achada na casa do ex-ministro da Justiça
Anderson Torres, fato revelado pela Folha— foram travados após o segundo
turno pelo presidente da República, que teria ordenado supostas correções na
proposta e, com ela, assediado as Forças Armadas.
A investigação confirma que o então
comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, se negou a abonar
aventuras, mas lança dúvidas sobre as condutas de
um então integrante do Alto Comando da força terrestre e do
chefe da Marinha. São informações iniciais, ainda carentes de maior escrutínio.
O golpe não tinha como se consumar, dada a
oposição da institucionalidade, incluindo o comando do Exército, e da sociedade
a retrocessos autoritários, o que não exclui a hipótese de indivíduos
inconformados com a derrota nas urnas terem urdido uma virada de mesa.
Para fins da aplicação da lei de defesa da
democracia, sancionada por Bolsonaro em setembro de 2021, não é preciso
desfechar o putsch; basta a tentativa de fazê-lo para o cometimento dos crimes
de golpe de Estado e de abolição do Estado de Direito.
Seria precipitado e impróprio, nesta fase dos
desdobramentos, concluir que o ex-presidente e os outros investigados incidiram
nesses delitos. Os trabalhos policiais estão inconclusos, e o crivo incipiente
da Procuradoria-Geral nem sequer produziu denúncia formal.
Seria, isso sim, o momento recomendável para
dar cabo das heterodoxias nas apurações. O ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal, além de condutor anômalo do inquérito e alvo
frequente de ataques bolsonaristas, agora figura como uma das vítimas da
suposta tentativa de golpe —sua prisão teria sido tramada.
O melhor é que a PGR assuma o papel de parte
acusadora, e os 11 ministros do STF se recolham para a posição de julgadores
imparciais de uma provável ação penal, ouvindo com equidistância os argumentos
de acusação e defesa.
Clima europeu
Folha de S. Paulo
Protestos agrícolas podem ameaçar negociações
e metas contra aquecimento
Outrora na vanguarda da adoção de medidas
para conter a crise do clima, a União Europeia (UE) se avizinha de uma
encruzilhada. A ambição verde arrisca arrefecer sob a pressão de tendências
políticas.
A maior fatia da energia produzida na região
é renovável (40,8%), como usinas eólicas e fotovoltaicas, seguida da nuclear
(31,2%). Ou seja, 72% emite níveis desprezíveis de gases que causam o efeito
estufa.
Outros 25% vêm de combustíveis fósseis
(petróleo, carvão e gás natural), principais emissores de carbono. Mas essa
fatia sobe a 70,9% quando se computam as importações, como a do gás natural
russo.
A média mundial de energia oriunda de
combustíveis fósseis é de 80,3%. Na China, maior emissor de carbono, 82%; no
Brasil, 50,8%.
A dificuldade de alguns setores da em
substituir a parcela restante de não renováveis da UE por fontes limpas tem
gerado resistência à transição, assim mostram
os protestos explosivos de agricultores.
Reivindicam-se travas para preços de
combustíveis e para exigências ambientais na produção.
O setor rural obteve vitória recente quando a
Comissão Europeia divulgou o plano de cortar em 90% até 2040 suas emissões. A
meta intermediária visa a descarbonização completa em 2050, como exigido pelo
objetivo de conter o aquecimento no limite de 1,5ºC.
Combustíveis fósseis estão no fulcro das
reduções. Mas o plano original da comissão era também cortar em 30% a geração
de metano e compostos de nitrogênio, ligados à atividade agrícola. A
medida, porém, acabou ficando de fora na tentativa de acalmar os ânimos.
O temor é que a revolta de um grupo propenso
ao conservadorismo infle partidos e líderes da direita populista em eleições.
Essa deriva já ajudou a eleger negacionistas como Donald Trump, Jair Bolsonaro
e Javier Milei.
Com a possível volta de Trump ao à Casa Branca, uma reviravolta na UE alteraria o balanço de poder nas negociações sobre o clima. Não estancaria a marcha da descarbonização, mas poderia atrasá-la ainda mais—quando é de máxima urgência que se necessita hoje.
O envolvimento de militares na conspiração
O Estado de S. Paulo
Não foi por falta de aviso. Bolsonaro tentou
contaminar os quartéis com o vírus do golpismo e conseguiu algum apoio.
Felizmente, prevaleceram o juízo e o respeito à Constituição
Os frutos indesejáveis do excessivo e
imprudente envolvimento de militares no governo de Jair Bolsonaro começam a
aparecer de maneira clara e constrangedora. Investigações da Polícia Federal
(PF) apontam que oficiais de alta patente, da ativa, estavam dispostos a
atentar contra a soberania popular e manter Bolsonaro no poder.
Não foi por falta de aviso. Bolsonaro é
elemento subversivo desde os tempos em que era dublê de sindicalista e militar.
Inconformado com a democracia, fez da truculência e do desapreço pela República
seus principais ativos eleitorais. Nos seus mais delirantes sonhos, pretendia,
se lhe dessem a chance, estabelecer no País o regime sonhado pela linha dura da
ditadura militar. Isso era público e notório. Ninguém pode se dizer enganado.
Bolsonaro pretendia arrastar as Forças
Armadas para seu empreendimento autoritário. Tentou adonar-se do Exército, seja
em palavras, seja em atitudes. Não hesitou em trocar a cúpula militar para ter
ali oficiais que fossem fiéis a ele, e não ao País. Como se vê agora, não
conseguiu, mas o vírus da sedição já estava inoculado, e o Exército, em algumas
ocasiões, preferiu a contemporização à imposição de disciplina – o caso do
general Eduardo Pazuello, que deveria ter sido punido por fazer comício com
Bolsonaro, mas não sofreu nem sequer uma advertência, é exemplar dessa
hesitação. Além disso, alguns militares se prestaram ao vexaminoso papel de dar
sustentação às teorias da conspiração assacadas contra o sistema eleitoral.
De todo modo, ao que tudo indica, o
bolsonarismo não conseguiu seu intento manifesto de dobrar os comandantes
militares – somente o almirante Almir Garnier Santos, comandante da Marinha,
teria se colocado a favor do golpe, segundo as investigações. Já os chefes
militares que se recusaram a participar foram alvo de campanha de ódio,
inclusive contra seus familiares, deflagrada pelos militares bolsonaristas para
desgastá-los nos quartéis.
Do conjunto de evidências coletadas pela PF,
depreende-se que o golpe para impedir a posse do presidente Lula da Silva
também não foi adiante porque havia ímpeto, mas não havia “uma noção clara de
como fazê-lo”, como corretamente salientou William Waack em sua coluna neste
jornal. Isso em nada atenua a gravidade do material reunido pela PF dando conta
de que no centro nevrálgico da tentativa de golpe estiveram militares
graduados, inclusive no comando de tropas. Sabe-se lá em nome de que projeto de
poder, mobilizaram-se para tentar manter na Presidência um mau militar, e devem
ser exemplarmente punidos por isso.
Como se viu, uma plêiade de generais que até
pouco tempo atrás tinham assento no Alto Comando do Exército é suspeita de
envolvimento na intentona. Portanto, mais do que a conclusão das investigações
da PF e a punição exemplar de todos eles na medida de suas responsabilidades,
às Forças Armadas, em particular ao Exército, impõe-se urgentemente um profundo
reexame da formação de seus quadros. Não há mais sombra de dúvida de que o
pensamento golpista grassa em alguns setores das Forças Armadas, e isso só pode
ser enfrentado com uma educação orientada pela atuação dos militares dentro das
estritas balizas do Estado Democrático de Direito. Nada além.
Ao fim e ao cabo, os golpistas tornaram-se
vozes estridentes, porém isoladas, na caserna. Prevaleceu o respeito à
Constituição. Mas isso não pode depender, por óbvio, do ânimo dos militares que
estejam em posição de comando num dado momento. Uma operação inédita da PF
chegou a militares de alta patente por uma tentativa de sedição. Num país sério
como o Brasil pretende ser, um fato gravíssimo como esse deve ser o ponto de
partida para uma reflexão sobre a contaminação política da caserna. O episódio
tem de servir para que se reafirme que os militares não são os tutores da
República e que devem manter distância da política, própria da vida civil,
atuando nos estreitos limites que a Constituição lhes impõe.
O dano colateral da canetada de Toffoli
O Estado de S. Paulo
Festejada por petistas como prova dos
desmandos da Lava Jato, revisão dos acordos de leniência pelo ministro do STF
preocupa o governo, que conta com os bilhões decorrentes das multas
Do ponto de vista político, a revisão dos
acordos de leniência firmados no âmbito da Lava Jato, mas não só, atende
diretamente aos interesses do PT e, em particular, do presidente Lula da Silva.
Conduzida com denodo pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias
Toffoli, essa revisão, que chega às raias do apagamento histórico, alimenta a
parolagem de que o festim da corrupção que azeitou as negociações, por assim
dizer, entre grandes empresários e governos petistas simplesmente não existiu.
Em cima de um palanque, há poucos dias, Lula chegou a dizer que a Lava Jato
teria sido uma conspiração urdida entre setores do Ministério Público Federal e
o governo dos Estados Unidos a fim de acabar com o setor de óleo e gás no País.
O presidente poderia ter incluído os Illuminati nessa trama que não faria a
menor diferença.
Este mesmo Lula, entretanto, manifesta preocupação com as implicações econômicas da revisão dos acordos de leniência ora em curso no STF. No dia 6 passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou à Corte um parecer no qual argumenta que a decisão do ministro Dias Toffoli de suspender o pagamento da multa acordada entre a Odebrecht e a força-tarefa da Lava Jato não tem ligação com as contrapartidas financeiras assumidas entre a empreiteira e o governo federal em 2018. No parecer enviado ao STF, a AGU sustenta que “a suspensão das obrigações pecuniárias alcançou tão somente aquelas decorrentes do acordo de leniência celebrado entre a empresa Novonor S.A. (antiga Odebrecht) e o Ministério Público Federal”.
De fato, a decisão exarada pelo ministro Dias
Toffoli no dia 31 de janeiro determina claramente a suspensão de “todas as
obrigações pecuniárias decorrentes do acordo de leniência entabulado entre a
empresa Novonor S.A. e o Ministério Público Federal”, sem citar as multas
previstas em acordos firmados com outros órgãos, como a própria AGU ou a
Controladoria-Geral da União (CGU), como passíveis de suspensão. Resta
evidente, portanto, que o governo Lula da Silva se esforça para seguir contando
com o recebimento dos mais de R$ 6 bilhões (em valores corrigidos) assumidos
pela Odebrecht, dos quais R$ 172,7 milhões, como apontou o jornal Valor, já
foram pagos.
À luz do esforço da equipe econômica do
governo para equilibrar as contas públicas e entregar um déficit zero neste
ano, faz todo sentido exercer pressão sobre o STF para que o fluxo financeiro
oriundo dos acordos de leniência não seja interrompido. Registre-se que a
Odebrecht e o Grupo J&F foram só as primeiras empresas contempladas pela
generosidade da caneta do ministro Dias Toffoli. Andrade Gutierrez, Camargo
Corrêa, Braskem, UTC e OAS estão na fila. A AGU estima em seu parecer que, caso
essas empresas também tenham suas multas suspensas, o impacto para os cofres
públicos será de R$ 8,2 bilhões.
Cabe lembrar, ainda, que o procurador-geral
da República, Paulo Gonet, salientou no recurso que interpôs para reverter a
suspensão da multa do Grupo J&F, de mais de R$ 10 bilhões, que a
interrupção dos pagamentos poderá causar um “vultoso prejuízo” nos fundos de
pensão de empresas estatais, principalmente no da Caixa Econômica Federal
(Funcef) e da Petrobras (Petros). A cada um desses fundos caberia receber algo
em torno de R$ 2 bilhões do total da multa do Grupo J&F. No entendimento do
procurador-geral, as decisões de Toffoli, no limite, representam “grave risco
ao sistema previdenciário complementar brasileiro”.
Como se vê, está posto um evidente
contrassenso. Ou bem os acordos de leniência foram firmados pelos
representantes das empresas sob “chantagem institucional” e, portanto, devem
ser integralmente anulados, ou não houve coação alguma, devendo todos os pactos
serem mantidos na integralidade de seus termos. O que não é possível, ao menos
para os que ainda nutrem apreço pelo Estado Democrático de Direito, é acordos
firmados sob a supervisão do Poder Judiciário serem considerados ilegais para
suspender os ônus que recaem sobre uma das partes signatárias e legais para
manter seus bônus, a prejuízo do erário.
Inaceitável erro do MEC
O Estado de S. Paulo
Ao falhar em seleção para universidades públicas, Ministério castiga estudantes
Não bastassem os prejuízos causados a
estudantes pelo recente adiamento da tramitação da reforma do chamado Novo
Ensino Médio, o Ministério da Educação (MEC) conseguiu iniciar o ano provocando
danos consideráveis a milhares de alunos, por falhas no Sistema de Seleção
Unificada (Sisu). Dentro de um universo de 2 milhões de estudantes de todo o
Brasil, cerca de 260 mil vagas para universidades públicas são definidas pelo
Sisu com base nas notas do Enem, o que reforça sua importância. Mas na semana
passada o País assistiu a uma sequência inaceitável de erros, que resultaram em
frustração e indignação em quem já enfrenta um período de ansiedade, tensão e
temor.
O MEC divulgou a lista com os resultados da
seleção na manhã do dia 30 de janeiro. A lista foi retirada do ar 25 minutos
depois, sem nenhuma explicação. Somente à noite o Ministério informou que
“identificou problemas técnicos no sistema e reiniciou os protocolos de
homologação”. Sem fazer menção à primeira lista divulgada, adiou para o dia
seguinte a apresentação do resultado. Quando vieram à luz as prometidas notas
definitivas, a relação exibia resultados diferentes dos que haviam sido
divulgados no dia anterior. E mais: demoraria até sexta-feira para que o
Ministério se manifestasse novamente, e o fez por meio de uma nota lacônica,
segundo a qual houve “uma divulgação indevida de resultados provisórios, ainda
não homologados, durante 25 minutos da manhã do dia 30 de janeiro”. A nota
informava ainda que a ocorrência seria “rigorosamente apurada”.
Soube-se depois que a lista errada excluía
dos cálculos a regra prevista na nova Lei de Cotas. A nova legislação alterou a
distribuição de vagas por cotas no
Sisu e, com ela, candidatos pretos, pardos,
indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência passaram a concorrer às vagas
reservadas aos cotistas apenas se não alcançarem, inicialmente, as notas para a
concorrência mais ampla, que inclui os não cotistas. A mudança pretende ampliar
o acesso de estudantes cotistas às universidades.
O lapso de tempo – e de competência – entre a
primeira lista da terça-feira e a nota divulgada pelo MEC na sexta-feira foi
suficiente para ampliar o número de casos vexatórios. Houve relatos de
estudantes que haviam raspado o cabelo, outros que pintaram o rosto, mais
alguns que iniciaram a comemoração na família ou entre amigos, além de choro de
alegria mais tarde substituído pelo de tristeza e frustração. Somente depois,
em entrevista, o ministro Camilo Santana finalmente entrou publicamente no
assunto para reafirmar o início da apuração do que aconteceu, a fim de saber se
o erro partiu da área técnica ou da empresa que presta serviço ao MEC.
Não cabe transferência de culpa a terceiros, como o ministro já tentara fazer no ano passado, quando pelo menos 50 mil candidatos foram alocados para fazer prova a mais de 30 quilômetros de casa, contrariando o determinado pelo edital do Enem – ou quando, mais tarde, questões vazaram antes do horário de divulgação. A despeito de outros responsáveis a serem identificados na sindicância anunciada, em todos os casos é do MEC a primeira e imediata responsabilidade.
Preservar as Forças Armadas
Correio Braziliense
Como instituição, Marinha, Exército e
Aeronáutica mantiveram-se leais à Constituição de 1988. É o que mais importa
para o Estado de direito democrático
É grande o constrangimento entre os militares
das três Forças, mas principalmente do Exército, diante do envolvimento de
generais quatro estrelas e oficiais que lhe eram subalternos na tentativa de
golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023. O vídeo que registra a reunião
ministerial comandada pelo presidente Jair Bolsonaro, em julho de 2020,
encontrado no computador do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da
Presidência, é um espanto, seja pelo conteúdo político golpista das
intervenções de Bolsonaro e seus generais, seja pela linguagem utilizada.
Particularmente constrangedora é a referência
feita pelo então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, aos então
comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica: "Senhor presidente, eu
estou realizando reuniões com os comandantes de Forças quase que semanalmente.
Esse cenário nós estudamos, nós trabalhamos, nós temos reuniões pela frente
decisivas pra gente ver o que pode ser feito, que ações poderão ser tomadas
para que a gente possa ter transparência, segurança, condições de auditoria e
que as eleições transcorram da forma como a gente sonha, e o senhor, com o que
a gente vê, no dia a dia, tenhamos o êxito de reelegê-lo. Esse é o desejo de
todos nós".
Havia uma clara estratégia de intervenção
militar no processo eleitoral, cuja condução constitucionalmente cabe ao
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e de "virada de mesa" em caso de
derrota para manter o presidente Jair Bolsonaro no poder. Mas não havia
correlação de forças externa e interna para que o golpe fosse bem-sucedido.
Seria um banho de sangue fadado ao fracasso, mais cedo ou mais tarde. Além
disso, houve forte resistência no Alto Comando das Forças Armadas, inclusive,
da Marinha, em razão da maioria legalista.
Sabe-se que o então comandante do Exército,
general Freire Gomes, foi muito pressionado, mas resistiu aos apelos para que
apoiasse um golpe de Estado antes ou depois das eleições. O comandante da
Aeronáutica, brigadeiro-do-ar Carlos de Almeida Baptista Junior, se opôs
fortemente ao golpismo. Em troca de mensagens por celular com Mauro Cid, o
primeiro foi chamado de "cagão" e o segundo, de "traidor da
pátria", pelo ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, general Braga Neto,
que foi candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro. Somente o
comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, apoiaria um golpe de Estado,
segundo disse, mas caso recebesse ordens diretas de Bolsonaro, o que não
aconteceu.
Havia outros militares envolvidos na trama
golpista, alguns até estão presos preventivamente, mas o fato concreto é que
não conseguiram o apoio de suas respectivas instituições. As Forças Armadas não
apoiaram o golpe, esse é o divisor de águas a ser levado em conta pela
sociedade, os meios de comunicação, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Sim, houve omissão e tolerância diante das manifestações golpistas,
principalmente em relação aos acampamentos à frente dos quartéis, mas há que se
considerar que havia uma cadeia de comando e a ordem deveria partir do
Ministério da Defesa.
Os que protagonizaram as cenas de vandalismo
deploráveis em 8 de janeiro, ao invadirem o Palácio do Planalto, o
Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), e que, agora, estão sendo
condenados, foram incentivados, organizados e até financiados por ordem da
cúpula golpista, que está sendo investigada pela Polícia Federal (PF).
Entretanto, há que se evitar prisões preventivas e esculachos. O inquérito não
pode se transformar numa crise militar; e o julgamento dos golpistas, um
catalisador da crise institucional. É imprescindível que o inquérito siga
rigorosamente os ritos do devido processo legal e respeite o princípio da
presunção de inocência, de todos os suspeitos.
No âmbito das casernas, as Forças Armadas vão superar o golpismo com base na hierarquia, na disciplina, no espírito democrático e patriótico da maioria de seus oficiais generais. O regimento disciplinar e o "almanaque" das Forças Armadas, que estabelecem as regras de promoção por antiguidade e merecimento, são instrumentos eficazes para isso. Como instituição, Marinha, Exército e Aeronáutica mantiveram-se leais à Constituição de 1988. É o que mais importa para o Estado de direito democrático.
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