Folha de S. Paulo
Nos 190 anos da morte do primeiro líder do
Brasil independente, sabe-se que o imperador exibiu contradições, mas obteve
sucesso ao realizar seus ideais
No mesmo ano em que se comemoram os 200 anos
da Carta
Constitucional que dom Pedro 1º outorgou
ao país em 25 de março de 1824, relembram-se, nesta quarta-feira (24), os 190
anos da morte deste que foi o primeiro governante do Brasil independente.
Entre a outorga da Carta e a morte dramática do ex-imperador no Palácio de Queluz, em 24 de setembro de 1834, pouco mais de dez anos se passaram. As singulares circunstâncias do personagem estão na origem da velocidade e da intensidade dos acontecimentos que mudaram sua vida.
Em 1824, foi conflagrada em Pernambuco a Confederação do Equador, a mais violenta revolta armada que abalou o Primeiro Reinado. No ano seguinte, tiveram lugar as sinuosas negociações com a Inglaterra para fazer com que Portugal reconhecesse a Independência do Brasil. Em 1826, morreu dom João 6º. Apesar de ser seu legítimo herdeiro, dom Pedro era imperador do Brasil e teve que abdicar da coroa portuguesa em favor da filha mais velha. No final daquele mesmo ano, sofreu a morte da imperatriz, leal companheira tão ofendida e humilhada pelo marido. Ainda em 1826, houve a retomada do funcionamento regular do Parlamento —o qual, ao longo dos anos seguintes, seria cada vez mais agitado por uma oposição aguerrida, que, apoiada e insuflada pela imprensa livre, acabaria por obrigá-lo a também abdicar do trono brasileiro em 7 de abril de 1831.
O exílio abriu para dom Pedro uma fase
marcada por desafios muito diferentes dos que enfrentara no Brasil. Usando o
título de Duque de Bragança, viveu um semestre em Paris, buscando o apoio
necessário para a causa da filha. Em 1828, a coroa de dona Maria 2ª fora
usurpada pelo tio dom Miguel,
o irmão mais novo de dom Pedro. Retomá-la passou a ser seu principal objetivo.
Para isso, foi à guerra em Portugal. Resistiu
por mais de um ano ao cerco à cidade do Porto —onde descobriu que não era
Napoleão Bonaparte, um general capaz de comandar um exército, mas que podia ser
um valoroso soldado a serviço da causa da rainha e da Constituição portuguesa.
Cavou trincheiras, expôs-se a perigos, privações, doenças e medos. Aprendeu o
exercício da humildade quando precisou suplicar ao general Saldanha, a quem
tanto combatera, que assumisse o comando das forças militares.
Venceu. Pôs a filha no trono e foi
benevolente com os inimigos, inclusive com o irmão. Benevolência repudiada
pelos liberais aos quais entregara o poder. Como prêmio de seu sacrifício,
sofreu uma tremenda vaia no teatro na última vez em que, já muito doente, ali
apareceu. O melhor elogio que lhe foi feito foi publicado em um jornal francês:
"D. Pedro n'est plus". Com essas palavras singelas ("Dom Pedro
não existe mais"), "O Constitucional" abriu o necrológio do
primeiro imperador do Brasil.
Como outros textos em homenagem a dom Pedro
publicados na imprensa europeia, ressaltam-se ali suas qualidades, seu heroísmo
e seu desprendimento por ter recuperado a coroa portuguesa para a filha, tendo
se contentado com o título de regente. Uma coroa que, diz o jornal francês,
poderia muito justamente ter colocado sobre a própria cabeça.
Dom Pedro foi
um príncipe da dinastia Bragança, casa que reinava em Portugal desde
1640. Pela morte do irmão mais velho, em 1801, tornara-se herdeiro do trono.
Mas as monarquias europeias tinham sido transformadas pela Revolução
Francesa e pelo avanço das ideias liberais. Não é possível
entender a atuação de dom Pedro 1º sem levar em conta esses dois fatos: o
pertencimento a uma dinastia do antigo regime e sua adesão ao
constitucionalismo —que, desde a Independência dos Estados Unidos, predominava
no debate político internacional.
Se pensarmos que o sucesso de alguém pode ser medido pela realização de seus ideais, podemos dizer que, diante de ideais tão contraditórios —a convicção de seu direito legítimo à sucessão portuguesa e o respeito às constituições—, o sucesso de dom Pedro foi absoluto. Deu ao Brasil e a Portugal constituições longevas e colocou sobre o trono desses dois países seus legítimos herdeiros.
3 comentários:
Ótima coluna.
Um texto sem as práticas de censura maoísta-stalinista contemporânea. Professora foi corajosa em trabalhar com fatos, não com opiniões.
Muito bom! Texto muito informativo e claro. Parabéns à autora, e ao blog por divulgar o trabalho dela.
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