O Globo
Conflito poderia ser relativamente simétrico
se fosse entre dois Estados, não entre um Estado e o terror
A reação de Israel ao brutal
ataque terrorista sofrido há um ano tem sido desproporcional. Ou, para usar
palavra da moda, assimétrica.
Sim, tem. Talvez nos duelos do Velho Oeste ou
nas românticas disputas com floretes em desagravo à honra a simetria fosse mais
respeitada. Vencia o mais rápido no gatilho, o de técnica mais apurada ou de
melhor pontaria — mas as armas eram similares, e as mesmas regras se aplicavam
a ambos os contendores.
Para que a reação fosse simétrica e proporcional, Israel deveria ter invadido Gaza, na surdina, com cerca de 3 mil fanáticos armados, portando câmeras para registrar (e depois compartilhar festivamente, na internet) a barbárie. Ter metralhado centenas de jovens que encontrassem numa celebração (matando exatos 405, nem um a menos). Ir de casa em casa, chacinando, com meticulosa crueldade, famílias inteiras — sem poupar mulheres, idosos, bebês, animais domésticos. A meta seria não mais que 1.200 seres humanos exterminados pelo crime de ser palestinos.
Nada de bombas lançadas à distância. A
carnificina teria de ser cara a cara, olhando o horror nos olhos das vítimas,
vendo o sangue escorrer, ouvindo os gritos. Estuprariam mulheres palestinas e
tomariam cerca de 240 reféns (alguns seriam executados, outros torturados e
exibidos como troféus em cortejos; muitos, mantidos indefinidamente em
cativeiro como moeda de troca).
Para preservar a simetria, Israel deveria
parasitar um país vizinho e, de lá, desferir contínuos ataques com o objetivo
de apagar Gaza e Cisjordânia do
mapa e inviabilizar a existência de países árabes. Depois faria chover mísseis
sobre bairros residenciais de Teerã.
A guerra poderia ser relativamente simétrica
se fosse entre dois Estados, não entre um Estado e o terror. Se no meio do fogo
cruzado não estivessem, também assimetricamente, milhões de civis — uns
protegidos por um sistema de defesa e uma rede de bunkers e salas seguras,
criados pelo Estado; outros, indefesos, dormindo sobre arsenais e
deliberadamente tornados vulneráveis pelas milícias que dizem representá-los.
Uns, cuidados para ser sobreviventes. Outros, doutrinados para morrer como
mártires.
É vital advertir Israel quanto à crise
humanitária que os bombardeios indiscriminados em Gaza e no Líbano provocam.
Convém também exortar Hamas e Hezbollah a
não infiltrar seus militantes entre a população civil para usá-la como escudo.
Seria de bom-tom se solidarizar o mais simetricamente possível com o sofrimento
de ambos os povos. Exigir o fim das ações terroristas e das investidas de
exércitos regulares, com o cessar-fogo dos dois lados. Que um não corte o fluxo
de ajuda humanitária — e o outro permita que ela chegue aos que dela
necessitam.
Algo como reconhecer que judeus e palestinos
têm os mesmos direitos (à vida, liberdade, igualdade, segurança, educação,
habitação, saúde; a uma pátria, à dignidade, a poder expressar sua opinião,
inclusive religiosa e politicamente). Um dos lados é uma democracia, onde o
governo belicoso pode ser substituído por um disposto a negociar a paz; o outro
é formado por grupos terroristas, patrocinados por ditaduras, cujo objetivo é a
guerra de extermínio de uma nação, apagando seus vestígios do rio até o mar.
Talvez se pudesse cobrar alguma simetria
nisso também.
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