sábado, 19 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Morte de líder do Hamas cria chance para cessar-fogo

O Globo

Eliminação do responsável pelas atrocidades do 7 de Outubro abre oportunidade à libertação dos reféns

A morte de Yahya Sinwar, líder do grupo terrorista Hamas responsável pelo planejamento e pela execução das atrocidades do 7 de Outubro, maior matança de judeus desde o Holocausto e maior ataque ao Estado de Israel desde sua fundação, encerra um capítulo do conflito que ele mesmo iniciou. No telefonema em que o presidente americano, Joe Biden, parabenizou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pela eliminação do alvo número um na guerra contra o Hamas, ambos concordaram que ela abriu oportunidade a um acordo que traga a libertação dos reféns e um cessar-fogo.

Sinwar, uma espécie de Osama bin Laden de Gaza, era conhecido pelo fanatismo e pela crueldade. Quando era responsável pelas operações de segurança do Hamas, matou com as próprias mãos mais de dez palestinos que considerava traidores. É inequívoca sua responsabilidade por desencadear o conflito que custou tantas vidas em Gaza. Assim como por ter transformado o enclave num formigueiro de túneis repleto de armas e munições, que deixaram a população palestina sem nenhum refúgio seguro.

Sinwar foi alvejado numa operação de rotina que matou dois outros terroristas em Rafah, sem saber que um deles era o líder máximo do Hamas (ele portava o passaporte de um funcionário da agência das Nações Unidas para refugiados palestinos). Netanyahu declarou que sua eliminação representa “o início do fim da guerra”. “Para a população de Gaza, tenho uma mensagem simples”, afirmou. “Esta guerra pode acabar amanhã. Pode acabar se o Hamas depuser as armas e libertar os reféns. Israel garantirá a segurança de todos aqueles que devolverem reféns.” Uma centena dos mais de 200 capturados no 7 de Outubro está sob o jugo do Hamas. As tentativas de acordo para libertá-los sempre esbarraram na resistência de Sinwar. Acredita-se que ele tenha usado reféns para se proteger de ataques israelenses, escondido no labirinto subterrâneo de Gaza.

A declaração de Netanyahu marca uma mudança de discurso. Até pouco tempo atrás, ele prometia eliminar o Hamas e também o Hezbollah, o grupo fundamentalista e paramilitar xiita cujos ataques foram a justificativa para Israel estender a guerra ao Líbano. Agora, com a morte de Sinwar e dos principais líderes do Hamas e do Hezbollah, além do desmantelamento da infraestrutura de túneis, armamentos e instalações militares incrustadas em edifícios civis como hospitais ou escolas de Gaza — levado a cabo em desafio à pressão internacional para interromper o conflito diante da morte de dezenas de milhares de inocentes, além de milhares de terroristas —, Israel tem motivos para afirmar que os principais objetivos da guerra foram cumpridos. Pode, se quiser, até reivindicar vitória, ainda que parcial. E abrir espaço a negociações que encerrem o conflito.

É certo que Hamas e Hezbollah, as duas principais organizações que lutam para acabar com Israel, não desaparecerão. O Irã, que as comanda à distância, deverá mantê-las, pois não tem poderio militar para enfrentar os israelenses numa guerra. Mas, tanto em Gaza quanto no Líbano, ambas estão enfraquecidas. O plano original de Sinwar era que o 7 de Outubro levasse a uma rebelião simultânea do “eixo da resistência” ligado ao Irã, que culminasse com o fim de Israel. O resultado foi a dor indescritível não só de seus inimigos, mas também da população de Gaza, do Líbano — e seu próprio fim.

O recado dos ganhadores do Nobel de economia para países como o Brasil

O Globo

Caminho para desenvolvimento passa pela criação de instituições estáveis e independentes

As Américas do Norte e do Sul começaram a ser colonizadas quase ao mesmo tempo por ingleses e portugueses, oriundos do mesmo continente europeu. Mas os Estados Unidos são hoje a maior e mais pujante economia do mundo, enquanto o Brasil é um país emergente de renda média e mal distribuída, que vive patinando e pena para obter índices medíocres de crescimento. O que explica essa diferença?

A tentativa de decifrar contrastes desse tipo rendeu o Prêmio Nobel de Economia deste ano ao turco Daron Acemoglu, ao britânico James Robinson e ao americano Simon Johnson. O trio investigou exemplos paradoxais para tentar entender as raízes do desenvolvimento econômico. São famosos os casos da República Dominicana e do Haiti (vizinhos na mesma ilha caribenha, mas em patamares muito diferentes de evolução) ou das Coreias do Norte e do Sul (países na mesma península sujeitos a regimes políticos antagônicos, com resultados também antagônicos).

No best-seller “Por que as nações fracassam — a origem do poder, da prosperidade e da pobreza”, Acemoglu e Robinson apresentam o caso de uma cidade dividida ao meio na fronteira entre México e Estados Unidos — no lado mexicano, ela se chama Sonora; no americano, Nogales. Mesmo que os habitantes da parte mexicana sejam relativamente ricos considerando a realidade do México, eles são bem mais pobres em relação aos que habitam o pedaço americano da cidade. Estes têm mais opções de estudo e de profissões, além de amplos direitos políticos. Para aqueles, as oportunidades econômicas e profissionais são mais restritas, e o sistema político inibe mudanças.

A conclusão do trio de premiados é que riqueza e desenvolvimento dependem das instituições. Desenvolvem-se os países que, ao longo da História, criam instituições “inclusivas” — aquelas que “permitem e encorajam a participação da grande massa da população nas atividades econômicas e tiram o melhor proveito de seus talentos e competências”. Entre elas, estão o direito à propriedade ou um Judiciário independente. Em contraste, países têm dificuldades quando suas instituições são “extrativas”, projetadas para favorecer apenas uma elite local.

Embora essa explicação tenha sido contestada — sobretudo por desconsiderar, além das instituições, fatores como perfil educacional ou o comércio exterior —, ela levanta questões importantes para o Brasil. Há um desnível entre países com segurança jurídica e outros em que, mesmo com regimes democráticos, há risco de expropriação ou ameaças ao Estado de Direito. O direito à propriedade sem contestações, afirmam os premiados, dá segurança aos investimentos e leva à prosperidade. O caminho do desenvolvimento passa, portanto, pela independência e pela estabilidade das instituições que cercam toda atividade econômica. É um recado que deveria ser entendido nos nossos tribunais e parlamentos.

Nunes e Boulos têm condutas ruins para o debate público

Folha de S. Paulo

Favorito nas pesquisas, prefeito foge de debates; o deputado federal, sem empolgar eleitores, tenta censurar o Datafolha

Ricardo Nunes (MDB) teve ótimas notícias com a pesquisa mais recente do Datafolha. O prefeito de São Paulo mantém, com folgas, o favoritismo na tentativa de continuar à frente da maior cidade brasileira.

De acordo com o instituto, Nunes tem 51% das intenções de voto neste segundo turno, contra 33% do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL). Os números pouco mudaram em relação ao levantamento da semana anterior: 55% a 33%, com margem de erro de três pontos percentuais.

Conduzida após o temporal do dia 11, a pesquisa indica que os estragos na capital paulista afetaram apenas de forma marginal as pretensões do prefeito. Alguns grupos de eleitores até emitiram sinais de insatisfação, mas a rejeição de Nunes não fez mais que oscilar de 37% para 35%.

E isso a despeito de Boulos ter explorado à exaustão certa demora da prefeitura ao lidar com o estado lastimável em que ficou a cidade, com postes derrubados, árvores caídas, lixo espalhado e um apagão que deixou sem luz centenas de milhares de residências e estabelecimentos comerciais —muitos deles continuaram às escuras durante dias.

Quando atacado por isso, o prefeito, não sem razão, apontou o dedo para a Enel, multinacional italiana responsável pelo fornecimento de energia. A velocidade de reação da concessionária atingiu raro consenso ao merecer críticas de Nunes, do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em polos opostos, Tarcísio e Lula conferem algum caráter nacional ao pleito paulistano; diante das hesitações de Jair Bolsonaro (PL), os dois também avaliam o impacto que conseguem provocar como padrinhos políticos.

A larga vantagem de Nunes, medida pelo Datafolha nas simulações de segundo turno ao longo de toda a corrida, fortalece o capital eleitoral do governador de São Paulo, enquanto enfraquece o do presidente da República.

No que respeita à capacidade de transferir votos, Lula tem enfrentado dificuldades relevantes: se 65% de seus eleitores paulistanos agora escolhem Boulos, 26% declaram apoio a Nunes.

Não se pode desprezar, ademais, a rejeição que a própria figura de Boulos possa suscitar. Concorrendo à prefeitura pela segunda vez, o deputado parece ter um teto baixo na capital, simbolizado pela parcela elevada (56%) de paulistanos que dizem não votar nele de jeito nenhum.

Talvez sem ver alternativa, Boulos tentou até censurar o Datafolha, como se o termômetro fosse o culpado pelo desempenho eleitoral do deputado. A Justiça, contudo, rechaçou de pronto a manobra ignominiosa.

Políticos de todas as estirpes precisam entender que, na democracia, deve circular mais informação, não menos. Isso vale para a censura de Boulos, mas também para Nunes, que, escudado no favoritismo, foge de debates e priva paulistanos de um confronto franco entre os programas.

A escalada da brutalidade do regime de Maduro

Folha de S. Paulo

ONU confirma assassinatos por forças de segurança; falta de postura firme do governo Lula contra a ditadura é lastimável

Em seu mais recente relatório sobre a Venezuela, divulgado na terça (15), o Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas atestou a escalada de violência do regime de Nicolás Maduro desde o pleito de julho.

As forças de segurança do país assassinaram 25 venezuelanos, feriram centenas e prenderam arbitrariamente mais de 1.500 pessoas. Nem mesmo crianças e adolescentes foram poupados.

Não se pode qualificar de surpreendente a reação do ditador, que descumpriu o Acordo de Barbados , firmado em 2023 para eleições justas, e solapou os resultados das urnas ao não divulgar as atas de votação.

O esfacelamento do Estado democrático de Direito promovido ao longo dos 12 anos de Maduro no poder indicava, de antemão, a resposta brutal a qualquer oposição a seu terceiro mandato.

O documento da ONU expõe os horrores de um regime que já havia incorrido em comprovado crime de lesa humanidade em 2014 e 2017, quando foi desafiado por manifestações populares pacíficas. Reitera, sobretudo, que a atual onda de violência do Estado não terminou e tende a crescer.

A maioria das vítimas mortas foi atingida por tiros na cabeça, pescoço e peito. Dois dos assassinados eram menores de idade.

Com base em dados colhidos pelo Foro Penal, organização local de defesa dos Direitos Humanos, o CDH afirma ter havido 1.542 detenções entre 29 de julho e 24 de agosto. Ao investigar 11 dos 150 casos de prisão de menores de idade, encontrou cinco denúncias de violência sexual contra meninas.

A rotineira submissão dos presos à tortura, o desaparecimento de membros da oposição e as execuções sumárias trazem à memória os mais espúrios abusos das ditaduras sul-americanas entre os anos 1960 e 1980.

No caso atual, a violenta repressão política soma-se à extrema pauperização da economia, que gerou uma crise humanitária inaudita e a migração de cerca de 8 milhões de cidadãos.

O relativo consenso na comunidade internacional sobre o caráter de exceção vigente na Venezuela mostra-se também na investigação em andamento no Tribunal Penal Internacional contra Maduro e seus asseclas.

Foi vexatória, pois, a abstenção do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na votação do CDH sobre a renovação da Missão Internacional Independente de Apuração de Fatos sobre a Venezuela, no dia 11. Por justa decisão da maioria, os trabalhos continuarão. É o mínimo que se espera de nações democráticas.

Enel, uma vilã muito conveniente

O Estado de S. Paulo

É fácil culpar distribuidora pelo apagão. Mais difícil é reconhecer que a empresa cumpre os termos do contrato de concessão e que o poder público precisa assumir suas responsabilidades

No meio da guerra política que se instalou após o apagão que atingiu a Região Metropolitana de São Paulo na semana passada, a Enel São Paulo é quem está na posição mais confortável. A despeito da injustificável demora em restabelecer o fornecimento de energia e dos prejuízos causados a milhões de consumidores, a distribuidora afirma, com muita segurança, que tem cumprido à risca os termos do contrato de concessão. E o pior é que a empresa aparentemente tem razão.

Alguns dos principais indicadores monitorados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ao fiscalizar as distribuidoras são os índices de duração das interrupções no fornecimento de eletricidade e a frequência com que esses episódios ocorrem na área de concessão atendida. A Enel-SP, de fato, foi razoavelmente bem nesses indicadores nos últimos anos e, no mais recente ranking de desempenho global de continuidade divulgado pelo órgão regulador, embora ocupasse um modesto 21.º lugar dentre as 29 maiores empresas, figurava com avaliação aceitável.

Não é a primeira vez que a atuação de uma empresa do grupo italiano é contestada pelas autoridades, mas o resultado dessa pressão tem sido controverso. A Enel era dona da distribuidora de Goiás, mas, criticada sistematicamente pelo governador Ronaldo Caiado, acabou por vendê-la, em 2022, para a Equatorial Energia, grupo cuja atuação é elogiada no setor elétrico. Sob nova direção, a Equatorial Goiás se tornou a última do ranking da Aneel – o que, no mínimo, sugere que os desafios da concessão eram maiores do que se imaginava.

É possível rescindir um contrato de concessão, mas se trata de uma sanção grave, que precisa ter amparo em um processo conduzido pela Aneel de maneira técnica, com respeito aos contratos, segurança jurídica e direito de defesa às empresas. A Aneel até já recomendou a caducidade para empresas que não prestavam serviços de qualidade e que estavam em dificuldades financeiras, mas o Ministério de Minas e Energia, a quem cabe a decisão final, jamais a adotou.

Para ficar no exemplo mais recente, foi exatamente o que a Aneel sugeriu ao ministro Alexandre Silveira que fosse feito com a Amazonas Energia. Silveira, no entanto, ignorou a recomendação. Preferiu uma alternativa – a troca de controle societário – e editou uma medida provisória para transferir a distribuidora, sem licitação, para a Âmbar, empresa do Grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

Em plena campanha eleitoral, é fácil para o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, culpar a Enel-SP pelos transtornos causados a milhões de paulistanos. Mais difícil é explicar por que não cumpre sua competência municipal e esclarece por que havia, no primeiro semestre deste ano, uma fila de quase 14 mil pedidos de poda e remoção de árvores pendentes – muitas das quais derrubaram postes e fiação na semana passada.

É inaceitável que consumidores passem dias sem energia elétrica em suas casas, mas também é fato que o contrato de concessão não estabelece um prazo para o restabelecimento do serviço em casos de interrupção involuntária. Blecautes decorrentes de situações de emergência e/ou calamidade são expurgados do cálculo dos indicadores de qualidade monitorados pela Aneel para aferir a atuação da distribuidora, exatamente porque são imprevisíveis.

Soluções intempestivas e populistas não resolverão o problema do consumidor. Se as autoridades querem que a Enel-SP tenha equipes de prontidão para o atendimento de casos extremos e não recorrentes relacionados a mudanças climáticas ou enterre toda a fiação aérea, devem preparar os paulistanos para pagar contas de luz ainda mais caras.

O apagão deve ser ocasião para discutir formas de aprimorar o contrato de concessão de distribuidoras por meio de incentivos econômicos que ampliem a resiliência das redes e garantam mais agilidade no restabelecimento do serviço. Isso precisa ser feito com cautela, em debate que discuta o custo-benefício dessas medidas, e sem politicagem barata, expediente que causa muito barulho e terceiriza responsabilidades, mas que não impede que episódios como esse voltem a acontecer.

Israel entre a paz duradoura e o abismo

O Estado de S. Paulo

Morte de líder do Hamas, embora seja uma boa notícia para quem repudia o terror, não elimina as ameaças existenciais a Israel, que precisa urgentemente de um plano para o pós-guerra

A confirmação da morte de Yahya Sinwar durante uma operação militar israelense em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, foi celebrada tanto em Israel como em parte do enclave palestino – que ao longo de intermináveis anos esteve submetido às atrocidades de um dos mais sanguinários líderes do grupo terrorista Hamas, não por acaso conhecido como “o açougueiro de Khan Yunis”. A bem da verdade, todo o mundo civilizado passou a respirar melhor com Sinwar morto.

Dito isso, é certo que a eliminação de Sinwar, artífice do hediondo atentado de 7 de outubro do ano passado, o maior ataque a judeus desde o Holocausto, e por essa razão tido como o principal alvo das forças de segurança de Israel, é uma das mais importantes vitórias de Israel em Gaza, se não a mais importante, desde a operação que matou o xeque Ahmed Yassin, cofundador do Hamas, em março de 2004. Porém, esse inquestionável triunfo militar impõe uma questão fundamental ao governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu: Israel está mais ou menos seguro agora que Sinwar está fora do teatro de operações?

Trata-se de questão complexa, sobretudo quando se recorda que ainda há dezenas de reféns israelenses nas mãos dos terroristas do Hamas e que, se ainda estão vivos, podem ser assassinados a qualquer momento como vingança. Em relação ao futuro, parece certo que será difícil, para o Hamas, encontrar rapidamente alguém como Sinwar, dono de notórias capacidades estratégica e operacional para perpetrar um ataque como o do 7 de Outubro e, ademais, para reorganizar o grupo terrorista após a arrasadora resposta militar de Israel ao assassinato, estupro e sequestro de seus cidadãos.

Porém, como chefe de governo e suposto estadista, Netanyahu deveria estar pensando na segurança de Israel no longo prazo. E isso implica, necessariamente, o fortalecimento e a extensão das relações diplomáticas do Estado de Israel com o chamado mundo árabe – notadamente com os Emirados Árabes Unidos, o Bahrein e o Reino de Marrocos, além da Arábia Saudita – com vistas à criação de um Estado Palestino no futuro, livre do jugo dos terroristas e, sobretudo, preparado para oferecer uma vida digna aos palestinos.

No passado, Netanyahu já manifestou algum apoio à solução de dois Estados. Hoje, no entanto, esse cenário, o único com potencial para levar a uma paz duradoura no Oriente Médio, não é cogitado nem sequer como discurso pelo primeiro-ministro, dado o temor de Netanyahu de desmantelar a sua frágil coalizão de governo com os partidos da ultradireita israelense. Sem o apoio desses radicais, “Bibi” fatalmente perderia o cargo e teria de acertar suas contas com a Justiça israelense, seja pelas graves suspeitas de corrupção que recaem sobre ele, seja pelo retumbante fracasso de seu governo em garantir a segurança dos cidadãos israelenses, como ficou patente no 7 de Outubro.

Noutras palavras: a morte de Yahya Sinwar pode ser um ponto de virada crucial para a segurança de Israel e de seus vizinhos árabes ou, a depender da condução da guerra por Netanyahu daqui para a frente, pode ser mais um passo em direção ao abismo para o qual o primeiro-ministro está levando os seus concidadãos em nome de seus interesses particulares.

As condições para o pós-guerra estão dadas. A decapitação do Hamas, agora órfão de suas principais lideranças, é uma nova chance para a paz duradoura na região, para que Israel possa negociar com seus parceiros no mundo árabe a construção de um futuro de coexistência pacífica entre israelenses e palestinos, atacando as causas de fundo que levam ao terrorismo e, consequentemente, as razões para que grupos terroristas como o Hamas se reagrupem.

A morte de Sinwar, por si só, não elimina as ameaças existenciais ao Estado de Israel, em particular as que vêm do Irã. Sinwar era um indivíduo perigosíssimo, não há dúvida, mas mais letal, porém, é a ideologia que ele e outras lideranças do Hamas já eliminadas por Israel encarnavam. E tão forte seguirá essa ideologia nos corações e mentes dos palestinos quanto mais infenso à solução dos dois Estados for o atual governo de Israel.

Sem limites para benesses

O Estado de S. Paulo

Advogados da União e procuradores federais já embolsaram mais de R$ 1 bilhão extra

Advogados da União e procuradores federais da Fazenda e do Banco Central (BC) já embolsaram neste ano mais de R$ 1 bilhão em honorários de sucumbência. Trata-se de uma recompensa devida a profissionais bem-sucedidos na defesa dos interesses de seus clientes, e à parte derrotada cabe esse pagamento. No caso dessa cifra vultosa, estão em jogo causas em que o poder público sai vencedor, o que implica aos advogados públicos uma bolada que, não raro, faz com que alcancem o teto do funcionalismo brasileiro.

Não é uma trivialidade. Reportagem do Estadão revelou que, além de ganhar R$ 44 mil – o equivalente aos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) –, há advogado público que levou R$ 492 mil num único mês. E até quem não trabalha recebe, em uma lógica distorcida do conceito de trabalho, que consiste em remunerar alguém por um serviço. Um aposentado recebeu R$ 305 mil.

Uma lei prevê o pagamento desses honorários a esses advogados, que, vale lembrar, são concursados, estáveis e muito bem remunerados, com salário inicial acima de R$ 20 mil. Foram contratados pelo Estado para cumprir a obrigação de defendê-lo nos tribunais. Ocorre que para isso levam também um extra.

Esse dinheiro, que cresce ano a ano, fica sob a responsabilidade do Conselho Curador de Honorários Advocatícios (CCHA), uma entidade privada. A cifra é dividida entre profissionais da ativa e inativos. E aposentados inconformados com os valores de uma benesse pela qual não fizeram nenhum esforço para receber chegam a acionar a Justiça.

Como se vê, nem tudo o que é legal é justo ou moral. Mas, para justificar o injustificável, todo malabarismo parece possível. Só muita confusão entre os conceitos de obrigação e mérito explica a manifestação da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe) ao Estadão na defesa desse privilégio. De acordo com a entidade, “essa remuneração (honorários em geral) corresponde a um pagamento por performance, um modelo de eficiência e mérito consagrado”. E, segundo a Anafe, desde que os pagamentos começaram a ser feitos, “a arrecadação da União aumenta a cada ano, e os resultados de sucesso judicial têm sido potencializados de forma ascendente”.

É de questionar se os salários eram ou são insuficientes e por que só depois desse “bônus” a produtividade parece ter aumentado. A alta remuneração já deveria bastar como justo pagamento pelo serviço. A título de comparação, um advogado na iniciativa privada no Estado de São Paulo ganha, em média, R$ 8,5 mil por mês – quantia bem inferior à paga aos afortunados colegas da União.

Não faz muito tempo, o CCHA criou para essa turma um penduricalho, fora do teto, no valor de R$ 3,5 mil, a título de “auxílio-saúde complementar”. Para conter tamanha gula, faz-se necessária uma ação contundente do Congresso. Na Câmara, avança um projeto para pôr fim ao pagamento dos honorários. Se a iniciativa prosperar, a lei poderá, enfim, promover moralidade e justiça no caso dos advogados públicos.

Não se pode tergiversar sobre gastos e investimentos

Correio Braziliense

Todo investimento é gasto, mas nem todo gasto é investimento. Para uma economia saudável, há que se ter encontro de contas entre a arrecadação e os gastos

Por definição constitucional, o Orçamento da União é o instrumento de planejamento que detalha a previsão dos recursos a serem arrecadados (impostos e outras receitas estimadas) e a destinação desses recursos (ou seja, em quais despesas serão utilizados) a cada ano. Ao englobar receitas e despesas, é peça fundamental para o equilíbrio das contas públicas e indica as prioridades do governo para a sociedade.

Assim, é possível identificar os valores que o governo federal pretende gastar com seu funcionamento e políticas públicas, saúde, educação e segurança. Somente as despesas previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA) podem ser executadas. Esses documentos são propostos pelo Executivo e apreciados e aprovados pelo Congresso Nacional. São as regras do jogo.

A LOA estabelece prioridades para a administração pública no ano, diretrizes e metas de política fiscal, entre outros assuntos. Trata-se de um único documento, constituído por três partes: o Orçamento Fiscal, o Orçamento da Seguridade Social e o Orçamento de Investimento das Empresas Estatais.

Há um esforço no governo para zerar o deficit público e restabelecer o equilíbrio fiscal de forma duradoura. Na terça-feira, em entrevista ao jornal O Globo, a  ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que chegou a hora de o governo "levar a sério" a revisão estrutural dos gastos públicos. O desequilíbrio fiscal do Orçamento não será resolvido somente pela ótica da arrecadação. "Agora, é hora de fazer uma revisão estrutural", disse Tebet.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista à Folha de S. Paulo, admitiu que o problema é premente e precisa ser enfrentado com urgência. Disse que medidas criadas com finalidades eleitorais, em especial durante o governo Jair Bolsonaro, se tornaram uma "batata quente" que precisa ser resolvida pela administração atual.

Eis que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quarta-feira, em evento no Palácio do Planalto, após encontro com banqueiros no qual garantiu compromisso com o equilíbrio fiscal, veio a público dizer que alguns gastos, em sua opinião, deveriam ser tratados como investimentos — entre eles, as despesas com saúde, educação e políticas sociais — e classificou ainda os salários dos professores como "merreca".

Estamos de acordo quanto aos salários dos professores, mas Lula tergiversa em relação ao seu compromisso com o equilíbrio fiscal. Com baixa capacidade de investimentos, porque as emendas parlamentares impositivas abocanham uma fatia considerável desses recursos, não há como aumentar os investimentos em infraestrutura sem cortar gastos de custeio e/ou pessoal. Ou seja, há que se ter prioridades e cortar gastos não essenciais em todas as áreas.

Haddad e Tebet parecem realizar um esforço de Sísifo — o rei grego condenado eternamente a empurrar uma grande pedra de mármore até o cume de uma montanha. Toda vez que estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo, movida por uma força irresistível. Lula exerce essa força. Todo investimento é gasto, mas nem todo gasto é investimento.  A diferença quem estabelece é a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Para uma economia saudável, há que se ter encontro de contas entre a arrecadação e os gastos. Simples assim.

Um comentário:

Daniel disse...

E quando ocorrerá a eliminação do responsável pelas atrocidades entre 8/10/23 e 19/10/24? Quando será eliminado o criminoso de guerra Netanyahu? Quando o comandante do Estado terrorista de Israel será finalmente eliminado? Os terroristas do Hamas mataram 1.200 pessoas, a maioria civis inocentes. Os terroristas comandados por Netanyahu mataram mais de 42.000 pessoas, a maioria mulheres e crianças inocentes.