Valor Econômico
Apagão em São Paulo exemplifica o Nobel de Economia ao mostrar causa e efeito de instituições ruins e subdesenvolvimento
Se o jogo de empurra do apagão de 12 meses
atrás ainda não apurou responsabilidades, parece improvável que o desta
sexta-feira o faça nas duas semanas que restam até o segundo turno das
eleições. É inevitável, porém, que a campanha se transforme num tribunal a céu
aberto dos responsáveis. Abre-se uma oportunidade para que a disputa se dê mais
claramente em cima do impacto da gestão pública sobre a vida real das pessoas.
E também para clarear o sentido dos resultados eleitorais até aqui.
Alvejado pelo candidato do Psol, Guilherme
Boulos, pelas falhas nas podas das árvores, manutenção dos semáforos e
disponibilização de equipes de emergência, o candidato à reeleição pelo MDB,
Ricardo Nunes, achou por bem voltar suas baterias contra o ministro das Minas e
Energia que, horas antes dos 15 minutos fatídicos que apagaram São Paulo,
participava de um amistoso seminário com o diretor internacional da Enel, em
Roma.
Alexandre Silveira é o principal ministro do PSD, partido que, até aqui, é aquele que lidera em número de prefeitos eleitos e, cujo presidente, Gilberto Kassab, além de secretário da gestão Tarcísio Freitas, é apoiador de Nunes. Silveira vive às turras com a Agência Nacional de Energia Elétrica cujo diretor-presidente foi nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro por indicação de seu então ministro-chefe da Casa Civil, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), outro apoiador de Nunes.
Como chegou à diretoria da agência em 2018 e
os mandatos são de cinco anos, Sandoval Feitosa poderia deixar a Aneel em
dezembro, mas o Tribunal de Contas da União decidiu que seu mandato não
somaria, aos anos da Presidência, aqueles em que já integrava a agência como
diretor. O resultado é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficará
impedido, até o fim do governo, de nomear um substituto.
O voto vencedor foi do ex-secretário-geral da
Presidência de Jair Bolsonaro, Jorge Oliveira, acompanhado por quatro
ministros, entre eles três ex-parlamentares que chegaram à Corte de Contas
oriundos de partidos que integram tanto a Esplanada quanto o governo Tarcísio
de Freitas e a campanha do prefeito: Augusto Nardes (ex-PP), Jonathan de Jesus
(ex-Republicanos) e Aroldo Cedraz (ex-DEM, hoje União).
A Aneel defendeu-se ontem das acusações de
inépcia informando que já havia aplicado multas de R$ 320 milhões à Enel em
decorrência dos sucessivos apagões em São Paulo. No modelo em que as
concessionárias operam, porém, é mais barato judicializar multas e indenizações
do que fazer a lição de casa com manutenção preventiva, previsão metereológica
acurada, planos de contigência e equipes de prontidão para emergências.
Tudo isso requer investimento na capacidade
operacional da empresa e na contratação e formação de pessoal, mas a
financeirização de concessionárias de serviços públicos é presidida pela lógica
de fundos de investimentos que dá prioridade à rentabilidade do acionista. Uma
das maiores empresas de energia elétrica do mundo, a Enel não foge à regra.
Robson Rodrigues e Fabio Couto, do Valor, mostraram que, no
Brasil, seus investimentos caíram 16% em 2023, ano em que a empresa adquiriu
168 mil novos clientes. Os indicadores de duração e frequência de interrupção
de energia por consumidor pioraram ao longo do ano. Desde a aquisição da Eletropaulo,
em 2018, o número de colaboradores caiu 30%.
Quem entende do traçado diz que os apagões
não poderão ser enfrentados enquanto grandes cidades não enfrentarem o
enterramento dos fios. Em São Paulo, apenas 0,3% da fiação são subterrâneos. As
prefeituras alegam não ter fôlego financeiro para fazê-lo e o modelo de
privatização adotado no Brasil não previu metas para as empresas assumirem este
custo.
Sem mapas acurados dos subsolos das grandes
cidades ou arbitragem das prefeituras sobre sua ocupação, a disputa de cabos e
canos subterrâneos já é gigantesca. O acréscimo da fiação elétrica entre os
contendores passa por condições hoje inexistentes.
O governo federal mobilizou a Controladoria
Geral da União para auditar a Aneel, a Advocacia Geral da União para avaliar
uma ação coletiva contra a Enel e a Secretaria Nacional do Consumidor para
questionar a Prefeitura de São Paulo sobre as copas das árvores e o
enterramento de fiação e a empresa sobre os planos emergenciais adotados.
O presidente da República tem um candidato em
campo em São Paulo. Também poderia acrescentar, à sua proatividade, a inclusão,
nas obras do PAC, de parcerias com os municípios que se dispuserem a enterrar
seus fios. Ao Congresso, além da aprovação de modelos de privatização
mal-ajambrados e de dirigentes de agências reguladoras pouco responsivos, não
custaria dar uma mãozinha incluindo o mesmo enterramento no orçamento de suas
emendas parlamentares. Os partidos vitoriosos do primeiro turno são os mesmos que
entupiram pequenos municípios de emendas e deixaram os grandes à mercê do caos.
O trio que foi premiado nesta segunda com o
Nobel de Economia, Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson, mostrou
causa e efeito entre a qualidade das instituições e o crescimento. São as
instituições inclusivas que geram prosperidade e não o inverso. Aquelas
moldadas para a exploração de recursos naturais e da população, que eles chamam
de “extrativas”, sentenciam os países ao subdesenvolvimento. Essa turma não
vota aqui, mas é disso que se trata.
3 comentários:
Mais uma excelente coluna de Maria Cristina Fernandes.
Quanto ao Nobel de Economia deste ano, comecei a ler " Por que as Nações Fracassam " e o livro é ótimo.
Sem dúvida!
Naturalmente.
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