terça-feira, 15 de outubro de 2024

Maria Cristina Fernandes - Campanha de SP será o tribunal do apagão

Valor Econômico

Apagão em São Paulo exemplifica o Nobel de Economia ao mostrar causa e efeito de instituições ruins e subdesenvolvimento

Se o jogo de empurra do apagão de 12 meses atrás ainda não apurou responsabilidades, parece improvável que o desta sexta-feira o faça nas duas semanas que restam até o segundo turno das eleições. É inevitável, porém, que a campanha se transforme num tribunal a céu aberto dos responsáveis. Abre-se uma oportunidade para que a disputa se dê mais claramente em cima do impacto da gestão pública sobre a vida real das pessoas. E também para clarear o sentido dos resultados eleitorais até aqui.

Alvejado pelo candidato do Psol, Guilherme Boulos, pelas falhas nas podas das árvores, manutenção dos semáforos e disponibilização de equipes de emergência, o candidato à reeleição pelo MDB, Ricardo Nunes, achou por bem voltar suas baterias contra o ministro das Minas e Energia que, horas antes dos 15 minutos fatídicos que apagaram São Paulo, participava de um amistoso seminário com o diretor internacional da Enel, em Roma.

Alexandre Silveira é o principal ministro do PSD, partido que, até aqui, é aquele que lidera em número de prefeitos eleitos e, cujo presidente, Gilberto Kassab, além de secretário da gestão Tarcísio Freitas, é apoiador de Nunes. Silveira vive às turras com a Agência Nacional de Energia Elétrica cujo diretor-presidente foi nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro por indicação de seu então ministro-chefe da Casa Civil, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), outro apoiador de Nunes.

Como chegou à diretoria da agência em 2018 e os mandatos são de cinco anos, Sandoval Feitosa poderia deixar a Aneel em dezembro, mas o Tribunal de Contas da União decidiu que seu mandato não somaria, aos anos da Presidência, aqueles em que já integrava a agência como diretor. O resultado é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficará impedido, até o fim do governo, de nomear um substituto.

O voto vencedor foi do ex-secretário-geral da Presidência de Jair Bolsonaro, Jorge Oliveira, acompanhado por quatro ministros, entre eles três ex-parlamentares que chegaram à Corte de Contas oriundos de partidos que integram tanto a Esplanada quanto o governo Tarcísio de Freitas e a campanha do prefeito: Augusto Nardes (ex-PP), Jonathan de Jesus (ex-Republicanos) e Aroldo Cedraz (ex-DEM, hoje União).

A Aneel defendeu-se ontem das acusações de inépcia informando que já havia aplicado multas de R$ 320 milhões à Enel em decorrência dos sucessivos apagões em São Paulo. No modelo em que as concessionárias operam, porém, é mais barato judicializar multas e indenizações do que fazer a lição de casa com manutenção preventiva, previsão metereológica acurada, planos de contigência e equipes de prontidão para emergências.

Tudo isso requer investimento na capacidade operacional da empresa e na contratação e formação de pessoal, mas a financeirização de concessionárias de serviços públicos é presidida pela lógica de fundos de investimentos que dá prioridade à rentabilidade do acionista. Uma das maiores empresas de energia elétrica do mundo, a Enel não foge à regra.

Robson Rodrigues e Fabio Couto, do Valor, mostraram que, no Brasil, seus investimentos caíram 16% em 2023, ano em que a empresa adquiriu 168 mil novos clientes. Os indicadores de duração e frequência de interrupção de energia por consumidor pioraram ao longo do ano. Desde a aquisição da Eletropaulo, em 2018, o número de colaboradores caiu 30%.

Quem entende do traçado diz que os apagões não poderão ser enfrentados enquanto grandes cidades não enfrentarem o enterramento dos fios. Em São Paulo, apenas 0,3% da fiação são subterrâneos. As prefeituras alegam não ter fôlego financeiro para fazê-lo e o modelo de privatização adotado no Brasil não previu metas para as empresas assumirem este custo.

Sem mapas acurados dos subsolos das grandes cidades ou arbitragem das prefeituras sobre sua ocupação, a disputa de cabos e canos subterrâneos já é gigantesca. O acréscimo da fiação elétrica entre os contendores passa por condições hoje inexistentes.

O governo federal mobilizou a Controladoria Geral da União para auditar a Aneel, a Advocacia Geral da União para avaliar uma ação coletiva contra a Enel e a Secretaria Nacional do Consumidor para questionar a Prefeitura de São Paulo sobre as copas das árvores e o enterramento de fiação e a empresa sobre os planos emergenciais adotados.

O presidente da República tem um candidato em campo em São Paulo. Também poderia acrescentar, à sua proatividade, a inclusão, nas obras do PAC, de parcerias com os municípios que se dispuserem a enterrar seus fios. Ao Congresso, além da aprovação de modelos de privatização mal-ajambrados e de dirigentes de agências reguladoras pouco responsivos, não custaria dar uma mãozinha incluindo o mesmo enterramento no orçamento de suas emendas parlamentares. Os partidos vitoriosos do primeiro turno são os mesmos que entupiram pequenos municípios de emendas e deixaram os grandes à mercê do caos.

O trio que foi premiado nesta segunda com o Nobel de Economia, Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson, mostrou causa e efeito entre a qualidade das instituições e o crescimento. São as instituições inclusivas que geram prosperidade e não o inverso. Aquelas moldadas para a exploração de recursos naturais e da população, que eles chamam de “extrativas”, sentenciam os países ao subdesenvolvimento. Essa turma não vota aqui, mas é disso que se trata.

 

3 comentários:

Mais um amador disse...

Mais uma excelente coluna de Maria Cristina Fernandes.

Quanto ao Nobel de Economia deste ano, comecei a ler " Por que as Nações Fracassam " e o livro é ótimo.

Anônimo disse...

Sem dúvida!

ADEMAR AMANCIO disse...

Naturalmente.