Paralisia do Congresso prejudica mercado de carbono
O Globo
Incêndios e tragédias ambientais revelam
custo da demora para legalizar créditos de emissões no Brasil
Aprovado pela Câmara no final do ano passado,
o Projeto de Lei que regulamenta o mercado de créditos de carbono no Brasil
continua parado no Senado. Pelas informações que circulam em Brasília, não há
perspectiva de que avance ainda neste ano. Num momento em que o país se dá
conta da pior forma possível — pelas tragédias de enchentes e incêndios
florestais — da urgência de lidar com as mudanças
climáticas, a postergação só contribui para revelar a miopia do
Legislativo diante da questão.
O projeto aprovado está longe de ser perfeito, mas pelo menos formaliza a negociação de créditos de carbono no país, hoje apenas voluntária. Com a compra e a venda reguladas por lei, empresas com dificuldades de reduzir emissões serão obrigadas a adquirir a permissão de outras que reduzirem. Tal mecanismo induz a transição a um sistema produtivo mais limpo e contribui para o Brasil cumprir as metas de corte assumidas no Acordo de Paris. Também pode servir de embrião nas negociações sobre um mercado global de carbono, que deverão ser destaque na COP30, a Conferência do Clima da ONU, prevista para ocorrer em Belém no ano que vem.
De acordo com dados do Banco Mundial, há hoje
75 iniciativas de atribuir preço às emissões de gases no mundo, cobrindo 24% do
que é lançado na atmosfera. A humanidade tem retirado apenas 2 bilhões de
toneladas de carbono do ar por ano, ante uma necessidade estimada entre 5
bilhões e 10 bilhões anuais, de acordo com pesquisadores da Universidade de
Oxford. Um estudo da consultoria McKinsey prevê que o mercado de carbono
movimentaria nessa situação entre US$ 300 bilhões e US$ 1,2 trilhão — quando no
ano passado encolheu de US$ 1,9 bilhão para apenas US$ 723 milhões.
Com as iniciativas de reflorestamento já em
curso, o Brasil assumiria papel central nos negócios de captura de gás
carbônico. O custo de retirar uma tonelada de carbono da atmosfera com plantio
de árvores não passa de US$ 40 dólares. Usando tecnologias para processar
gases, chega a US$ 1.000. Com a formalização do mercado global, o
reflorestamento remunerado por créditos de carbono também traria um negócio
promissor à população das regiões devastadas da Amazônia. Pelos cálculos da
McKinsey, seria mais lucrativo que devastar a floresta para abrir espaço a
pastagens ou plantações. De acordo com reportagem da revista britânica The
Economist, o Brasil tem potencial para ser responsável por 15% da captura de
carbono da atmosfera por meio do reflorestamento.
As iniciativas em andamento no país ainda
enfrentam vários desafios, mas todos eles são perfeitamente superáveis. O maior
obstáculo ao avanço representado pelo mercado de carbono continua sendo a
demora do Congresso — no último movimento, a pressão da bancada ruralista
conseguiu excluir, no texto aprovado pela Câmara, a agropecuária dos setores
obrigados a fazer inventário de suas emissões, sob pretextos descabidos. A
fumaça dos incêndios que encobre Brasília e boa parte do país deveria deixar
clara aos parlamentares sua responsabilidade pelo atraso a que condenam o país
com a demora.
Tolerância com caça ilegal de animais
silvestres incentiva crimes
O Globo
Levantamento publicado pelo GLOBO mostrou que
redes sociais são lenientes com imagens dos bichos
A caça ilegal de animais silvestres é uma
demonstração inequívoca de crueldade. Enaltecê-la nas redes sociais por meio de
fotos e vídeos não é menos cruel. Infelizmente, essa prática criminosa tem
ganhado adeptos no Brasil. Como mostrou reportagem do GLOBO, entre 2018 e 2020
pelo menos 4.658 animais abatidos ilegalmente foram exibidos como troféus em
grupos especializados no Facebook. A divulgação dessas imagens configura
apologia ao crime, de acordo com o Ibama.
Pode levar a multa e pena de três a seis meses de detenção. O descalabro vai
além de fotos e vídeos de animais abatidos. Também são comuns em fóruns da
internet os anúncios de armas, equipamentos de visão noturna e roupas
camufladas destinados a caçadores.
A caça de animais silvestres é proibida pela
legislação. É autorizada apenas em situações específicas, como controle
populacional (caso do javali) ou subsistência de populações indígenas. A pena
para esse tipo de crime é branda — de seis meses a um ano de prisão, além de
multa —, e raramente alguém é punido. Uma exceção aconteceu em março. Um vídeo
com caçadores retirando 30 pacas mortas de um barco revoltou moradores do
distrito de Calama, em Porto Velho (RO), que denunciaram o crime. Localizados
pela polícia ambiental, os criminosos foram multados em R$ 76 mil e responderão
por caça ilegal.
Entre os animais mais visados pelos caçadores
estão aves, pacas, tatus, tartarugas e jacarés. A prática é disseminada por
todos os biomas nacionais, abrangendo os 26 estados. O maior número de eventos
ocorreu na Amazônia (707) e na Mata Atlântica (688). Na Amazônia, o alvo são os
animais maiores, enquanto nos outros biomas as maiores vítimas são as aves. Na
amostra analisada, foram identificadas pelo menos 19 espécies ameaçadas de
extinção, presentes na lista vermelha da União Internacional para a Conservação
da Natureza e dos Recursos Naturais.
Alegar que a caça é praticada há anos e que
faz parte da cultura brasileira é argumento frágil. O evento popular conhecido
como farra do boi foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal em 1997, embora se
tratasse de tradição em Santa Catarina. Inúmeras cidades proibiram o uso de
charretes, mesmo para uso turístico.
As plataformas digitais deveriam bloquear
esse tipo de postagem por se tratar de crime, mas as falhas nos controles são
conhecidas. Por isso autoridades ambientais precisam agir. É verdade que
polícias e órgãos ambientais têm em seu dia a dia crimes mais pesados para
resolver, como extração ilegal de madeira, pesca predatória ou garimpo ilegal.
Mas não é por terem menor monta que a caça ilegal e a apologia ao crime nas
redes sociais devam ser negligenciadas. Casos desse tipo fornecem provas para
identificar e punir os autores. Basta ir atrás deles.
Planos mal pensados, como o da isenção do IR,
não ajudam
Valor Econômico
Resultado pode ser eventualmente uma queda de arrecadação, tudo de que o governo não precisa neste momento
O presidente Lula disse que vai isentar
salários de até R$ 5 mil do Imposto de Renda por uma “questão de justiça” e
que, no futuro, fará o mesmo até com faixas mais elevadas. Em conceito
peculiar, o presidente disse que “salário não é renda” e que “renda é quem vive
de especulação e esses, sim, devem pagar IR”. A promessa de isenção do IR
durante a campanha eleitoral passada foi demagógica, e sua intenção de
executá-la já na metade do mandato é um passo que pode ajudá-lo na próxima
campanha, a caminho da reeleição. O fato é que as camadas mais pobres da
população já não pagam o imposto depois que a renda exigida para isso foi
elevada a R$ 2.824 mensais, dois salários mínimos - nesse limiar se encontram
54,8% dos brasileiros, segundo dados do Ipea. Elevar a isenção passará a
beneficiar a parte de cima da escala salarial, abrangendo a classe média. É na
faixa entre 2 e 5 salários mínimos, o governo perde popularidade e passa a
ganhar avaliações negativas.
É justa a ideia de progressividade dos
impostos, e o Brasil tem um longo caminho a percorrer nessa direção. Mas planos
mal pensados, com base em conceitos trôpegos, não auxiliam nesse objetivo.
Pode-se chegar a ele por outras rotas, e a que parece ter sido escolhida pelo
governo é inadequada. Há vários inconvenientes. Um deles é que a primeira fatia
da reforma tributária tem chance de ser aprovada no Senado este ano, e a parte
relativa à reforma da renda deve ser examinada pelo Congresso em breve. Não faz
sentido algum mudar toda a estrutura do IR, que é o que a proposta oficial
acabará acarretando, quando uma transformação abrangente será feita e discutida
amplamente.
Além disso, o momento não poderia ser pior.
Há enorme desconfiança dos investidores sobre a sobrevivência do novo regime
fiscal, que não está cumprindo a missão de reduzir com vigor o aumento do
endividamento. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua equipe estão
vasculhando todas as possíveis fontes de novas receitas para sustentar um
regime fiscal cambaleante e dar-lhe alguma credibilidade. Nessa hora, com os
investidores exigindo taxas bem maiores de juros para que o Tesouro role a
dívida crescente do governo, o presidente da República vem a público falar de
isenção de impostos. Para cumprir a determinação presidencial, a equipe
econômica está tendo de buscar maneiras de taxar “milionários” de formas não
usuais no IR. Há brechas que poderiam ser fechadas na legislação do imposto que
servem à ideia de progressividade, mas não se trata disso.
Se renda é especulação, a lógica conduz a
taxar mais os especuladores que ganham dinheiro financiando o Tesouro. O
governo não encontrou ainda a fórmula para isso, e a que se ventila não vem
acompanhada de detalhes suficientes para que se julgue seu mérito. Estabelecer
um mínimo imposto que as maiores faixas de renda teriam de pagar pode esbarrar
justamente na renda financeira, sobre a qual já recai em muitos casos a
tributação exclusiva.
Supondo que seja necessário aumentar a
isenção do IR até R$ 5 mil, há várias outras formas de compensação que
exigiriam, para viabilizá-las, forte apoio político, que o governo Lula não
cogita. Perto de meio milhão de pessoas cuja ocupação principal é a produção
agropecuária tem 69,3% de suas rendas isentas (Folha de S. Paulo, 25.1.24). O
Imposto Territorial Rural arrecadou apenas R$ 3,2 bilhões em 2023, ou 0,14% do
total. As vantagens do Simples, o programa que mais consome isenções
tributárias, favorecem a distribuição de dividendos com tributação muito baixa.
Com renda individual média de R$ 1,5 milhão, 38,4 mil empresários receberam R$
46 bilhões a esse título em 2022. Já no orçamento de 2025, há R$ 543 bilhões em
gastos tributários e isenções programados. Nenhum governo, e o de Lula menos
ainda até agora, mexeu neles.
De prático, resta compensar o custo da
isenção pretendida pelo presidente. Elevar a isenção pura e simplesmente,
mantendo as regras atuais, reduziria as receitas obtidas com pessoas físicas em
até R$ 60 bilhões. Impedir que a isenção se estenda a outras faixas, como é
hoje, privaria os cofres públicos de R$ 10,5 bilhões. A calibragem da
diminuição do IR das empresas com aumento sobre dividendos poderia render mais
de R$ 50 bilhões e cobrir o custo, mas a proposta do governo tem outra
finalidade que não a de compensar a isenção do IR.
Cálculos do Ipea permitem inferir que a
isenção de até R$ 5 mil deixará mais de 69% dos possíveis contribuintes livres
do IR. Esse é o percentual somado dos que vão da renda muito baixa até a renda
média. Pela classificação, acima dos R$ 3,5 mil já se estaria ingressando no
terreno dos 5,6% mais ricos do país. O topo da renda, o 0,1% mais rico, é
composto por 153,6 mil pessoas, e o 1% mais rico, por 1,5 milhão. A
progressividade do IR, comparativamente, é muito menor nessas faixas mais
altas.
Aprimorar o sistema exige uma mudança
estrutural abrangente, como a que poderá vir da reforma prometida, e não pelo
arbítrio do presidente em um palanque eleitoral, que decidiu ao léu atribuir a
R$ 5 mil a renda de corte dos que não devem pagar IR. Não se deve ser leviano
com isso, pois o resultado pode ser eventualmente uma queda de arrecadação,
tudo de que o governo não precisa neste momento.
Enel precisa se mostrar à altura de desafio
agora frequente
Folha de S. Paulo
Eventos climáticos extremos não podem mais
ser tratados como anomalia, e respostas a emergências precisam ser prioridade
Pela segunda vez em menos de um ano, 2,1
milhões de residências e estabelecimentos comerciais na Grande São Paulo ficaram
horas sem luz após uma tempestade.
Neste fim de semana, assim como em
novembro de 2023, houve lentidão diante da emergência por parte
da Enel,
concessionária que fornece eletricidade à capital e a outras 23 cidades do
estado desde dezembro de 2018.
Decorridas 48 horas do início do
apagão, 699 mil
clientes ainda penavam no escuro, com atividades ou renda em
suspenso por tempo indeterminado. A concessionária atribui a falha à tempestade
com ventos próximos aos 100 km/h que atingiu a região na sexta-feira (11), da
mesma forma que fizera 11 meses antes.
Mas, assim como é certo que chuvas e
ventanias derrubam postes, torres, árvores e fiação, é fato estabelecido que
eventos climáticos extremos como esses deixaram de ser exceção.
Cientistas municiados com estudos robustos
sobre a mudança
climática têm alertado, nos últimos anos, que tais fenômenos se
tornariam comuns, ampliando alcance e frequência —algo que mesmo o leigo pode
constatar.
Faz-se, portanto, dever dos planejadores
urbanos públicos e privados prepararem-se exemplarmente para cenários adversos,
tanto na frente de prevenção como em capacidade de reposta.
Não foi o que se viu em São Paulo.
Apresentados inicialmente a um prazo de seis horas para resolução, os clientes
que procuraram a Enel logo passaram a receber comunicados sem previsão para o
restabelecimento da luz.
Decerto há melhora ante o episódio anterior,
quando a empresa não ofereceu informação sobre a retomada do fornecimento e
evitou comunicados públicos. Desta vez, houve entrevista coletiva para explicar
o problema na manhã de sábado (12) e canais abertos para o consumidor.
Na prática, porém, a celeridade prometida
após as críticas no blecaute de novembro, que chegou a durar seis dias para
parte da população, resta a cumprir.
A promessa de
redução de tempo de resposta, formalizada em artigo publicado em 15
de maio na Folha pelo presidente da Enel no Brasil, Antonio Scala, é
agora objeto de escrutínio da Aneel, agência federal que regula o setor, bem
como dos governos.
Em raríssimo consenso, o presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT),
o governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB) cobram da
multinacional italiana melhores reações aos eventos, sob pena de ter a
concessão revista. Ainda que não seja o melhor caminho, é forçoso que
penalidade dessa monta esteja no horizonte.
A concessionária que atende 15 milhões de
endereços no país, com operações também no Ceará e no Rio, tem de se mostrar à
altura do desafio que assumiu.
Que a decisão pela manutenção ou pela mudança
de contrato se dê sem açodamento nem ímpetos populistas. A população paulista
já foi penalizada demais.
Nobel da Paz alerta para o perigo atômico
Folha de S. Paulo
Prêmio a órgão que luta pelo fim das armas
nucleares vem em hora oportuna, com mundo em guerra e embate entre potências
Cerca de 200 mil pessoas foram mortas em três
dias pelas bombas atômicas lançadas pelos EUA, em 1945, sobre Hiroshima e
Nagasaki, no Japão —sem
contar as vítimas dos efeitos duradouros da radiação.
Quase 80 anos depois, o Prêmio Nobel da
Paz de 2024 foi
concedido, na sexta (11), à Nihon Hidankyo, organização fundada 11
anos após o fim da Segunda Guerra para representar sobreviventes do único
ataque nuclear da história.
A honraria vem em momento oportuno. Num
mundo em guerra em várias frentes, como Ucrânia,
Gaza, Líbano,
e Sudão,
alertar para o sofrimento decorrente da ameaça nuclear, por meio de depoimentos
dos hibakushas (sobreviventes do ataque), é vital.
Trata-se da décima vez, desde 1945, que a
premiação tem como objeto dispositivos atômicos. A recorrência se justifica num
contexto geopolítico em que, de um lado, 90% das estimadas 12.121 ogivas
nucleares no mundo estão nas mãos dos EUA e da Rússia e,
de outro, há banalização na manipulação de ogivas nucleares.
A Marinha russa treinou o uso desse tipo de
armamento contra alvos na Europa para
um possível conflito com a Otan,
aliança militar liderada pelos EUA, que, por sua vez, discute aumentar seu
arsenal no continente europeu.
Em agosto deste ano, o presidente
americano, Joe Biden,
aprovou a revisão da
estratégia de defesa nuclear do seu país, considerando pela primeira
vez o risco de um ataque coordenado de China,
Rússia e Coreia do Norte com armas atômicas.
Além desses, os outros países que têm
arsenais atômicos são França, Reino Unido, Paquistão, Índia e Israel.
Nenhum deles aderiu ao Tratado de Proibição de Armas Nucleares, de 2021,
ratificado por 70 nações —o Japão, ora laureado com o Nobel da Paz, também não
aderiu ao pacto.
Mas nem tudo são destroços. Após a Segunda
Guerra, a consequência do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares
assinado por 191 nações —incluindo China, França, Rússia, EUA e Reino Unido—
foi a diminuição do número de ogivas armazenadas nessas localidades e o aumento
da supervisão internacional.
Recentemente, durante a competição de surfe
nas Olimpíadas,
que ocorreu na Polinésia Francesa, jogou-se luz aos efeitos na saúde da
população local dos testes nucleares realizados pela França na região nos anos
1970.
O Nobel da Paz de 2024 traz à tona a memória submersa sobre os perigos das armas atômicas. Que a comunidade internacional não o ignore e busque articular consensos a respeito do fim desses dispositivos.
A direita é maior que Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
O quadro eleitoral deste ano mostra que o
campo da direita diversificou suas opções e já não precisa tanto do
ex-presidente para ganhar votos. Já a esquerda, que vive de Lula, encolheu
A eleição de 2024 consolidou a inclinação do
País à centro-direita e o enfraquecimento da esquerda. Eis o quadro mais amplo
e nítido do que emergiu das urnas no dia 6 passado. Mas cabe refinar a análise.
Essa direita que saiu fortalecida do pleito mostrou ser muito maior do que Jair
Bolsonaro, alguém que até pouco tempo atrás era tratado como o líder
incontornável de todo esse campo político. A esquerda, por outro lado, provou
ser muito menor do que Lula da Silva. Há décadas, o petista é o centro de gravidade
do chamado “campo progressista” e sufoca o surgimento de lideranças que ameacem
seu protagonismo. Somado a isso, o apego a ideias emboloradas é tão ou mais
responsável pela debacle da esquerda quanto a egolatria do presidente da
República.
Comecemos pela direita. O triunfo político do
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi
determinante para a chegada de Ricardo Nunes (MDB) ao segundo turno da eleição
para a Prefeitura de São Paulo, é a evidência mais vistosa de que a direita não
depende mais de uma associação explícita à figura de Jair Bolsonaro para
conquistar votos. A bem da verdade, Nunes chegou ao segundo turno a despeito de
Bolsonaro e da toxicidade que vem a reboque da aproximação com o ex-presidente.
Mais bem dito: a dubiedade de Bolsonaro, que ora manifestava apoio mais direto
a Ricardo Nunes, ora acenava para o delinquente Pablo Marçal (PRTB) ao longo da
campanha, favoreceu o prefeito da capital paulista.
Bolsonaro ainda é capaz de mobilizar milhões
de eleitores e, sobretudo, obter sucesso em sua empreitada familiar de
distribuir a prole por Parlamentos País afora, mantendo a política como o
principal meio de enriquecimento de seu clã. Um movimento como o bolsonarismo,
afinal, não acaba de um dia para o outro. Dito isso, Bolsonaro já não
representa, nem remotamente, aquela onda avassaladora que tomou o País de
assalto em 2018. A rigor, já na eleição de 2020, quando ele era o presidente da
República, seu desempenho como cabo eleitoral já dava sinais de fraqueza. Basta
dizer que, dos 13 candidatos a prefeito que foram apoiados explicitamente por
Bolsonaro em suas lives naquele ano, 11 foram derrotados.
O ex-presidente é incapaz de oferecer aquilo
que em política é tratado como um ativo valiosíssimo: perspectiva de poder. Não
há nada no horizonte conhecido que indique que Bolsonaro aparecerá na urna em
2026, por mais que ele acredite nisso, o que está mais para delírio do que para
cenário. Bolsonaro, hoje, é só um retrato na parede. E essa é uma excelente
notícia para a democracia brasileira. Afinal, com Bolsonaro fora do páreo
eleitoral, a direita, enfim, pôde se livrar de seu sequestrador. Nesse sentido,
não surpreende a vitória expressiva de candidatos a prefeito vinculados a uma
direita mais civilizada e democrática, mais pragmática e menos ideológica, na
primeira eleição após Bolsonaro ter sido condenado à inelegibilidade.
No campo oposto, está claro que, à falta de
Lula da Silva, o PT – que por seus próprios méritos é incontestavelmente o
grande partido de esquerda do Brasil há bastante tempo – caminhará a passos
largos para se tornar um partido de nicho, se tanto. A despeito do fato de Lula
da Silva ter voltado à Presidência, o PT conseguiu a proeza de, dois anos
depois, eleger menos prefeitos do que o PSDB, um partido que, como se vê, está
em decomposição a céu aberto. A partir de 1.º de janeiro de 2025, 274 cidades
do País serão governadas por tucanos, ante as 260 que serão administradas por
petistas.
A direita se diversificou nesta eleição e
conquistou uma certa independência de Jair Bolsonaro. A esquerda encolheu e
provou que segue totalmente dependente de Lula da Silva e nem assim consegue
obter vitórias expressivas em disputas para cargos do Poder Executivo. A
explicação para esse fenômeno, digamos assim, é muito simples: quem já foi
governado pela esquerda, sobretudo pelo PT, quer distância de governos de
esquerda.
O valor da parceria do público com o privado
O Estado de S. Paulo
Longe de reduzir o alcance das políticas
públicas, parcerias com o setor privado – onde o Estado se concentra no
planejamento e supervisão, e os especialistas na execução – o ampliam
No início de setembro, o Instituto de
Responsabilidade Social Sírio-Libanês assumiu o gerenciamento de duas unidades
de saúde do Estado de São Paulo. No Hospital de Taipas, o número de cirurgias
dobrou, de 54 para 108; os partos aumentaram 25%; e os atendimentos de
pronto-socorro, 10%. No Vila Penteado, as cirurgias cresceram 14%; e os
atendimentos de pronto-socorro, 8%. Isso em um mês. A previsão é de que em 12
meses as cirurgias aumentem 408% no Vila Penteado e 943% no Taipas. É só um
exemplo de como parcerias com a iniciativa privada podem melhorar a alocação de
recursos públicos.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde,
dos 17 hospitais públicos mais bem avaliados no Brasil, 15 têm gestão privada.
Em 2009, foi criado o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do
SUS, com o objetivo de transferir expertise de hospitais de referência para o
SUS. Por meio dele, seis hospitais filantrópicos de excelência atuam em
projetos de capacitação de recursos humanos, pesquisa, avaliação, incorporação
de tecnologias, gestão e assistência especializada. Geridos com recursos de isenção
fiscal, os projetos lograram desempenhos expressivos na redução de filas de
espera, qualificação de profissionais, pesquisas em saúde pública, cuidados
através de inteligência artificial e melhorias de gestão. Segundo o Ministério
da Saúde, em cinco anos o projeto gerou uma economia de R$ 548 milhões aos
cofres públicos.
A contratualização de entidades privadas ou
organizações sem fins lucrativos tem sido cada vez mais adotada na gestão
pública para aprimorar a eficiência e a qualidade dos serviços à população.
Segundo o Mapa da Contratualização da Comunitas, instituição dedicada
à melhoria da gestão pública, as parcerias firmadas nas três esferas de governo
aumentaram 30% nos últimos três anos, chegando a 6.735.
Além da quantidade, aumentou a diversidade.
Hoje, o Brasil conta com cinco principais modelos de contratualização –
contrato de gestão, parceria público-privada, termo de colaboração ou fomento,
concessão e contrato de prestação de serviços – adaptáveis a fins variados,
como saúde, educação, infraestrutura, assistência social, cultura e até
segurança. A legislação brasileira, que começou a ser desenvolvida nos anos 90,
foi reconhecida pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento como a melhor da
América Latina.
“Tem gente que coloca as parcerias com o
setor privado como se fossem privatizações dos serviços públicos, mas não são.
Os serviços não deixam de ser públicos”, disse ao Estadão a
presidente da Comunitas, Regina Esteves. “Agora, as parcerias criam parâmetros
que permitem uma comparação dos resultados obtidos pela gestão privada de um
serviço público com os de uma gestão feita por uma máquina estatal. Também
oferecem opção de escolha para a população e permitem ao gestor público avaliar
as alternativas e investir nas que estão dando mais certo.”
Como disse o coordenador do Mapa da
Contratualização, Fernando Schüler: “Gradativamente, o Estado vai se
especializando na área de planejamento, supervisão e definição de metas de
contratos, ou seja, com a parte de inteligência do processo, e vai deixando a
execução na ponta para o setor privado”. Evidências compiladas no Mapa mostram
que, com boa regulação, supervisão e fiscalização, entidades privadas prestam
serviços públicos com mais qualidade e menor custo.
Diante do aperto fiscal crônico e das
estruturas engessadas da burocracia estatal e do funcionalismo público, cresce
a disposição dos gestores por parcerias que viabilizem mais autonomia gerencial
aos especialistas, metas de desempenho e mecanismos de contratação mais ágeis.
Aos poucos a sociedade e seus representantes
vão superando a identificação entre “público” e “estatal”. O Estado não só não
precisa ser “empresário”, como não precisa assumir a execução dos serviços
públicos. Longe de reduzir o alcance das políticas públicas, as
contratualizações podem ampliá-lo, permitindo que o Estado se concentre em sua
função precípua de garantia de direitos, materializados em serviços públicos
mais eficientes.
‘Insaciável apetite’
O Estado de S. Paulo
Entidade privada inventa penduricalho com
dinheiro público para servidores da AGU
Em tese, ninguém está acima da lei. Na
prática, justamente os servidores responsáveis por aplicá-la estão. Com
assombrosa eficiência, as corporações dos operadores do Direito trabalham dia e
noite para distorcer o Direito a seu favor, acumulando privilégios.
Os servidores da Advocacia-Geral da União
(AGU) acabam de receber um reajuste de 19% em seus vencimentos. Além disso,
recebem mensalmente honorários de sucumbência de ações judiciais que variam de
R$ 9 mil a R$ 20 mil. Na prática, isso significa que quase todos recebem o
equivalente ao teto do serviço público, de R$ 44 mil.
Mas, aparentemente, isso não basta. Na
segunda-feira, o Conselho Curador de Honorários Advocatícios (CCHA) estabeleceu
um “auxílio-saúde complementar” de até R$ 3,5 mil mensais aos membros da AGU.
Como esse pagamento terá caráter “indenizatório”, poderá extrapolar o teto e
não será tributado.
O Ministério Público peticionou uma
representação junto ao Tribunal de Contas da União pedindo a suspensão do
benefício. “A sociedade não aceita mais isso, sobretudo quando é pública e
notória a precariedade dos serviços públicos que lhe são oferecidos”, disse o
subprocurador-geral ligado à Corte de Contas, Lucas Furtado. “Aumentos
salariais de servidores públicos que já estão recebendo, em sua maior parte, o
teto remuneratório federal constituem verdadeira afronta e agressão ao
contribuinte, que é quem paga a conta.”
De resto, ao criar um novo benefício, o CCHA,
uma entidade privada criada para garantir transparência e isonomia na
distribuição dos honorários advocatícios, usurpou competências exclusivas do
Ministério de Gestão e Inovação. “O aumento também fere o princípio da
moralidade administrativa, evidenciando o insaciável apetite por recursos
públicos demonstrado pelos membros das carreiras beneficiadas”, disse Furtado.
Advogando em causa própria, o presidente da
Associação Nacional dos Advogados da União, Clóvis Andrade, se justificou: “Não
estou falando que a remuneração do membro da AGU é baixa”, disse à Folha de
S.Paulo. “Apenas estou fazendo o comparativo com outras carreiras, demonstrando
que ainda existe uma desvantagem.” Eis a lógica perversa do “privilégio
adquirido”. Primeiro, um setor da elite do funcionalismo aumenta seus
rendimentos. Logo, outros segmentos da elite, pretextando “isonomia”, engordam
os seus, ampliando a distância em relação às bases.
Os salários dos servidores públicos são, em
média, maiores que os de seus pares na iniciativa privada – isso sem contar uma
estabilidade quase absoluta, previdência privilegiada e um sem-número de
benesses (os “penduricalhos”) dos quais o trabalhador privado, que paga por
eles, jamais verá a cor. Se já há desigualdade entre a iniciativa privada e o
funcionalismo público, a desigualdade entre as carreiras do topo e as da base
do próprio setor público é ainda maior que na iniciativa privada.
O Brasil é um dos países mais desiguais do
mundo. Em tese, o Estado deveria trabalhar para reduzir a desigualdade. Na
prática, ele mesmo é a maior máquina de gerar desigualdades.
Erradicação do descarte irregular
Correio Braziliense
A erradicação desse sistema tão prejudicial
não suporta mais medidas rasas; é preciso ter comprometimento com o tema e
apresentar propostas com a eficiência necessária
Uma das grandes questões da atualidade é a
necessidade urgente da destinação correta do que é descartado pela população.
No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), do Ministério do
Meio Ambiente, determinou o prazo de 2 de agosto deste ano para o fim dos
lixões, o que não foi cumprido em todas as cidades.
De acordo com o Sistema Nacional de
Informações sobre Saneamento (SNIS), ainda há cerca de 3 mil lixões espalhados
pelo país. Os novos gestores desses municípios — vereadores e prefeitos —, que
assumem em janeiro de 2025, terão o desafio de solucionar o problema.
A erradicação desse sistema tão prejudicial
não suporta mais medidas rasas. O lixão a céu aberto, por meio do chorume,
contamina o lençol freático e os rios, fazendo com que isso também possa
acarretar doenças. É preciso ter comprometimento com o tema e apresentar
propostas com a eficiência necessária.
Segundo a Associação Brasileira de Resíduos e
Meio Ambiente (Abrema), 33,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos
tiveram descarte irregular em 2023, indo parar em lixões, valas, terrenos
baldios e córregos urbanos, ameaçando a saúde pública e a natureza.
Políticos e órgãos de controle não podem mais
deixar essa pauta na gaveta. É fundamental debater as ideias e estabelecer um
planejamento adequado. A responsabilidade de estruturar a coleta dos resíduos
sólidos e investir no aprimoramento do serviço tem de estar na lista de
prioridades das prefeituras e das câmaras.
Outro ponto a ser pensando é ampliar a
conscientização da população sobre os rejeitos que não podem ser
reaproveitados. Encerrar o despejo irregular depende de um esforço conjunto que
envolve os cidadãos. Muitas vezes, as pessoas tomam certas atitudes de descarte
porque não têm alternativa. Daí a relevância estratégica de esclarecer e
informar.
Os moradores precisam ter melhor compreensão
dos impactos maléficos da produção de resíduos em excesso — em média, cada
brasileiro gera pouco mais de 1kg de lixo por dia. O consumo desenfreado,
impulsionado pelo desenvolvimento tecnológico, é um desafio. Uma enorme
produção de material artificial, em sua maior parte feito de plástico
descartável, aumenta a quantidade de lixo jogado fora.
Campanhas educativas bem desenvolvidas, e
executadas com frequência, para mostrar os benefícios do uso de produtos
recicláveis são determinantes para acabar não apenas com os lixões, mas também
reduzir o excesso de resíduos em municípios onde já existem os aterros
sanitários.
A coleta seletiva é muito restrita e tem de
ser ampliada. Duas ações precisam ocorrer concomitantemente: a orientação da
população de como fazer a separação dentro de casa e o recolhimento. A retirada
pode ser realizada porta a porta tanto pelo prestador do serviço público de
limpeza quanto por associações ou cooperativas de catadores de materiais
recicláveis. Pontos de Entrega Voluntária (PEV) ou Ecopontos são outras
possibilidades. Todas elas a cargo da administração municipal.
A agenda de erradicação dos lixões e de tudo o que envolve o descarte correto e o reaproveitamento dos resíduos precisa avançar no Brasil. Os políticos eleitos devem cumprir seus compromissos de gestão, e os cidadãos fiscalizar o que tem sido executado. A sujeira que fica espalhada pelas cidades — nas ruas, nos terrenos desocupados, nas praças — também polui, incomoda e prejudica a saúde pública.
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