segunda-feira, 14 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Paralisia do Congresso prejudica mercado de carbono

O Globo

Incêndios e tragédias ambientais revelam custo da demora para legalizar créditos de emissões no Brasil

Aprovado pela Câmara no final do ano passado, o Projeto de Lei que regulamenta o mercado de créditos de carbono no Brasil continua parado no Senado. Pelas informações que circulam em Brasília, não há perspectiva de que avance ainda neste ano. Num momento em que o país se dá conta da pior forma possível — pelas tragédias de enchentes e incêndios florestais — da urgência de lidar com as mudanças climáticas, a postergação só contribui para revelar a miopia do Legislativo diante da questão.

O projeto aprovado está longe de ser perfeito, mas pelo menos formaliza a negociação de créditos de carbono no país, hoje apenas voluntária. Com a compra e a venda reguladas por lei, empresas com dificuldades de reduzir emissões serão obrigadas a adquirir a permissão de outras que reduzirem. Tal mecanismo induz a transição a um sistema produtivo mais limpo e contribui para o Brasil cumprir as metas de corte assumidas no Acordo de Paris. Também pode servir de embrião nas negociações sobre um mercado global de carbono, que deverão ser destaque na COP30, a Conferência do Clima da ONU, prevista para ocorrer em Belém no ano que vem.

De acordo com dados do Banco Mundial, há hoje 75 iniciativas de atribuir preço às emissões de gases no mundo, cobrindo 24% do que é lançado na atmosfera. A humanidade tem retirado apenas 2 bilhões de toneladas de carbono do ar por ano, ante uma necessidade estimada entre 5 bilhões e 10 bilhões anuais, de acordo com pesquisadores da Universidade de Oxford. Um estudo da consultoria McKinsey prevê que o mercado de carbono movimentaria nessa situação entre US$ 300 bilhões e US$ 1,2 trilhão — quando no ano passado encolheu de US$ 1,9 bilhão para apenas US$ 723 milhões.

Com as iniciativas de reflorestamento já em curso, o Brasil assumiria papel central nos negócios de captura de gás carbônico. O custo de retirar uma tonelada de carbono da atmosfera com plantio de árvores não passa de US$ 40 dólares. Usando tecnologias para processar gases, chega a US$ 1.000. Com a formalização do mercado global, o reflorestamento remunerado por créditos de carbono também traria um negócio promissor à população das regiões devastadas da Amazônia. Pelos cálculos da McKinsey, seria mais lucrativo que devastar a floresta para abrir espaço a pastagens ou plantações. De acordo com reportagem da revista britânica The Economist, o Brasil tem potencial para ser responsável por 15% da captura de carbono da atmosfera por meio do reflorestamento.

As iniciativas em andamento no país ainda enfrentam vários desafios, mas todos eles são perfeitamente superáveis. O maior obstáculo ao avanço representado pelo mercado de carbono continua sendo a demora do Congresso — no último movimento, a pressão da bancada ruralista conseguiu excluir, no texto aprovado pela Câmara, a agropecuária dos setores obrigados a fazer inventário de suas emissões, sob pretextos descabidos. A fumaça dos incêndios que encobre Brasília e boa parte do país deveria deixar clara aos parlamentares sua responsabilidade pelo atraso a que condenam o país com a demora.

Tolerância com caça ilegal de animais silvestres incentiva crimes

O Globo

Levantamento publicado pelo GLOBO mostrou que redes sociais são lenientes com imagens dos bichos

A caça ilegal de animais silvestres é uma demonstração inequívoca de crueldade. Enaltecê-la nas redes sociais por meio de fotos e vídeos não é menos cruel. Infelizmente, essa prática criminosa tem ganhado adeptos no Brasil. Como mostrou reportagem do GLOBO, entre 2018 e 2020 pelo menos 4.658 animais abatidos ilegalmente foram exibidos como troféus em grupos especializados no Facebook. A divulgação dessas imagens configura apologia ao crime, de acordo com o Ibama. Pode levar a multa e pena de três a seis meses de detenção. O descalabro vai além de fotos e vídeos de animais abatidos. Também são comuns em fóruns da internet os anúncios de armas, equipamentos de visão noturna e roupas camufladas destinados a caçadores.

A caça de animais silvestres é proibida pela legislação. É autorizada apenas em situações específicas, como controle populacional (caso do javali) ou subsistência de populações indígenas. A pena para esse tipo de crime é branda — de seis meses a um ano de prisão, além de multa —, e raramente alguém é punido. Uma exceção aconteceu em março. Um vídeo com caçadores retirando 30 pacas mortas de um barco revoltou moradores do distrito de Calama, em Porto Velho (RO), que denunciaram o crime. Localizados pela polícia ambiental, os criminosos foram multados em R$ 76 mil e responderão por caça ilegal.

Entre os animais mais visados pelos caçadores estão aves, pacas, tatus, tartarugas e jacarés. A prática é disseminada por todos os biomas nacionais, abrangendo os 26 estados. O maior número de eventos ocorreu na Amazônia (707) e na Mata Atlântica (688). Na Amazônia, o alvo são os animais maiores, enquanto nos outros biomas as maiores vítimas são as aves. Na amostra analisada, foram identificadas pelo menos 19 espécies ameaçadas de extinção, presentes na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais.

Alegar que a caça é praticada há anos e que faz parte da cultura brasileira é argumento frágil. O evento popular conhecido como farra do boi foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal em 1997, embora se tratasse de tradição em Santa Catarina. Inúmeras cidades proibiram o uso de charretes, mesmo para uso turístico.

As plataformas digitais deveriam bloquear esse tipo de postagem por se tratar de crime, mas as falhas nos controles são conhecidas. Por isso autoridades ambientais precisam agir. É verdade que polícias e órgãos ambientais têm em seu dia a dia crimes mais pesados para resolver, como extração ilegal de madeira, pesca predatória ou garimpo ilegal. Mas não é por terem menor monta que a caça ilegal e a apologia ao crime nas redes sociais devam ser negligenciadas. Casos desse tipo fornecem provas para identificar e punir os autores. Basta ir atrás deles.

Planos mal pensados, como o da isenção do IR, não ajudam

Valor Econômico

Resultado pode ser eventualmente uma queda de arrecadação, tudo de que o governo não precisa neste momento

O presidente Lula disse que vai isentar salários de até R$ 5 mil do Imposto de Renda por uma “questão de justiça” e que, no futuro, fará o mesmo até com faixas mais elevadas. Em conceito peculiar, o presidente disse que “salário não é renda” e que “renda é quem vive de especulação e esses, sim, devem pagar IR”. A promessa de isenção do IR durante a campanha eleitoral passada foi demagógica, e sua intenção de executá-la já na metade do mandato é um passo que pode ajudá-lo na próxima campanha, a caminho da reeleição. O fato é que as camadas mais pobres da população já não pagam o imposto depois que a renda exigida para isso foi elevada a R$ 2.824 mensais, dois salários mínimos - nesse limiar se encontram 54,8% dos brasileiros, segundo dados do Ipea. Elevar a isenção passará a beneficiar a parte de cima da escala salarial, abrangendo a classe média. É na faixa entre 2 e 5 salários mínimos, o governo perde popularidade e passa a ganhar avaliações negativas.

É justa a ideia de progressividade dos impostos, e o Brasil tem um longo caminho a percorrer nessa direção. Mas planos mal pensados, com base em conceitos trôpegos, não auxiliam nesse objetivo. Pode-se chegar a ele por outras rotas, e a que parece ter sido escolhida pelo governo é inadequada. Há vários inconvenientes. Um deles é que a primeira fatia da reforma tributária tem chance de ser aprovada no Senado este ano, e a parte relativa à reforma da renda deve ser examinada pelo Congresso em breve. Não faz sentido algum mudar toda a estrutura do IR, que é o que a proposta oficial acabará acarretando, quando uma transformação abrangente será feita e discutida amplamente.

Além disso, o momento não poderia ser pior. Há enorme desconfiança dos investidores sobre a sobrevivência do novo regime fiscal, que não está cumprindo a missão de reduzir com vigor o aumento do endividamento. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua equipe estão vasculhando todas as possíveis fontes de novas receitas para sustentar um regime fiscal cambaleante e dar-lhe alguma credibilidade. Nessa hora, com os investidores exigindo taxas bem maiores de juros para que o Tesouro role a dívida crescente do governo, o presidente da República vem a público falar de isenção de impostos. Para cumprir a determinação presidencial, a equipe econômica está tendo de buscar maneiras de taxar “milionários” de formas não usuais no IR. Há brechas que poderiam ser fechadas na legislação do imposto que servem à ideia de progressividade, mas não se trata disso.

Se renda é especulação, a lógica conduz a taxar mais os especuladores que ganham dinheiro financiando o Tesouro. O governo não encontrou ainda a fórmula para isso, e a que se ventila não vem acompanhada de detalhes suficientes para que se julgue seu mérito. Estabelecer um mínimo imposto que as maiores faixas de renda teriam de pagar pode esbarrar justamente na renda financeira, sobre a qual já recai em muitos casos a tributação exclusiva.

Supondo que seja necessário aumentar a isenção do IR até R$ 5 mil, há várias outras formas de compensação que exigiriam, para viabilizá-las, forte apoio político, que o governo Lula não cogita. Perto de meio milhão de pessoas cuja ocupação principal é a produção agropecuária tem 69,3% de suas rendas isentas (Folha de S. Paulo, 25.1.24). O Imposto Territorial Rural arrecadou apenas R$ 3,2 bilhões em 2023, ou 0,14% do total. As vantagens do Simples, o programa que mais consome isenções tributárias, favorecem a distribuição de dividendos com tributação muito baixa. Com renda individual média de R$ 1,5 milhão, 38,4 mil empresários receberam R$ 46 bilhões a esse título em 2022. Já no orçamento de 2025, há R$ 543 bilhões em gastos tributários e isenções programados. Nenhum governo, e o de Lula menos ainda até agora, mexeu neles.

De prático, resta compensar o custo da isenção pretendida pelo presidente. Elevar a isenção pura e simplesmente, mantendo as regras atuais, reduziria as receitas obtidas com pessoas físicas em até R$ 60 bilhões. Impedir que a isenção se estenda a outras faixas, como é hoje, privaria os cofres públicos de R$ 10,5 bilhões. A calibragem da diminuição do IR das empresas com aumento sobre dividendos poderia render mais de R$ 50 bilhões e cobrir o custo, mas a proposta do governo tem outra finalidade que não a de compensar a isenção do IR.

Cálculos do Ipea permitem inferir que a isenção de até R$ 5 mil deixará mais de 69% dos possíveis contribuintes livres do IR. Esse é o percentual somado dos que vão da renda muito baixa até a renda média. Pela classificação, acima dos R$ 3,5 mil já se estaria ingressando no terreno dos 5,6% mais ricos do país. O topo da renda, o 0,1% mais rico, é composto por 153,6 mil pessoas, e o 1% mais rico, por 1,5 milhão. A progressividade do IR, comparativamente, é muito menor nessas faixas mais altas.

Aprimorar o sistema exige uma mudança estrutural abrangente, como a que poderá vir da reforma prometida, e não pelo arbítrio do presidente em um palanque eleitoral, que decidiu ao léu atribuir a R$ 5 mil a renda de corte dos que não devem pagar IR. Não se deve ser leviano com isso, pois o resultado pode ser eventualmente uma queda de arrecadação, tudo de que o governo não precisa neste momento.

Enel precisa se mostrar à altura de desafio agora frequente

Folha de S. Paulo

Eventos climáticos extremos não podem mais ser tratados como anomalia, e respostas a emergências precisam ser prioridade

Pela segunda vez em menos de um ano, 2,1 milhões de residências e estabelecimentos comerciais na Grande São Paulo ficaram horas sem luz após uma tempestade.

Neste fim de semana, assim como em novembro de 2023, houve lentidão diante da emergência por parte da Enel, concessionária que fornece eletricidade à capital e a outras 23 cidades do estado desde dezembro de 2018.

Decorridas 48 horas do início do apagão, 699 mil clientes ainda penavam no escuro, com atividades ou renda em suspenso por tempo indeterminado. A concessionária atribui a falha à tempestade com ventos próximos aos 100 km/h que atingiu a região na sexta-feira (11), da mesma forma que fizera 11 meses antes.

Mas, assim como é certo que chuvas e ventanias derrubam postes, torres, árvores e fiação, é fato estabelecido que eventos climáticos extremos como esses deixaram de ser exceção.

Cientistas municiados com estudos robustos sobre a mudança climática têm alertado, nos últimos anos, que tais fenômenos se tornariam comuns, ampliando alcance e frequência —algo que mesmo o leigo pode constatar.

Faz-se, portanto, dever dos planejadores urbanos públicos e privados prepararem-se exemplarmente para cenários adversos, tanto na frente de prevenção como em capacidade de reposta.

Não foi o que se viu em São Paulo. Apresentados inicialmente a um prazo de seis horas para resolução, os clientes que procuraram a Enel logo passaram a receber comunicados sem previsão para o restabelecimento da luz.

Decerto há melhora ante o episódio anterior, quando a empresa não ofereceu informação sobre a retomada do fornecimento e evitou comunicados públicos. Desta vez, houve entrevista coletiva para explicar o problema na manhã de sábado (12) e canais abertos para o consumidor.

Na prática, porém, a celeridade prometida após as críticas no blecaute de novembro, que chegou a durar seis dias para parte da população, resta a cumprir.

A promessa de redução de tempo de resposta, formalizada em artigo publicado em 15 de maio na Folha pelo presidente da Enel no Brasil, Antonio Scala, é agora objeto de escrutínio da Aneel, agência federal que regula o setor, bem como dos governos.

Em raríssimo consenso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB) cobram da multinacional italiana melhores reações aos eventos, sob pena de ter a concessão revista. Ainda que não seja o melhor caminho, é forçoso que penalidade dessa monta esteja no horizonte.

A concessionária que atende 15 milhões de endereços no país, com operações também no Ceará e no Rio, tem de se mostrar à altura do desafio que assumiu.

Que a decisão pela manutenção ou pela mudança de contrato se dê sem açodamento nem ímpetos populistas. A população paulista já foi penalizada demais.

Nobel da Paz alerta para o perigo atômico

Folha de S. Paulo

Prêmio a órgão que luta pelo fim das armas nucleares vem em hora oportuna, com mundo em guerra e embate entre potências

Cerca de 200 mil pessoas foram mortas em três dias pelas bombas atômicas lançadas pelos EUA, em 1945, sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão —sem contar as vítimas dos efeitos duradouros da radiação.

Quase 80 anos depois, o Prêmio Nobel da Paz de 2024 foi concedido, na sexta (11), à Nihon Hidankyo, organização fundada 11 anos após o fim da Segunda Guerra para representar sobreviventes do único ataque nuclear da história.

A honraria vem em momento oportuno. Num mundo em guerra em várias frentes, como Ucrânia, Gaza, Líbano, e Sudão, alertar para o sofrimento decorrente da ameaça nuclear, por meio de depoimentos dos hibakushas (sobreviventes do ataque), é vital.

Trata-se da décima vez, desde 1945, que a premiação tem como objeto dispositivos atômicos. A recorrência se justifica num contexto geopolítico em que, de um lado, 90% das estimadas 12.121 ogivas nucleares no mundo estão nas mãos dos EUA e da Rússia e, de outro, há banalização na manipulação de ogivas nucleares.

A Marinha russa treinou o uso desse tipo de armamento contra alvos na Europa para um possível conflito com a Otan, aliança militar liderada pelos EUA, que, por sua vez, discute aumentar seu arsenal no continente europeu.

Em agosto deste ano, o presidente americano, Joe Biden, aprovou a revisão da estratégia de defesa nuclear do seu país, considerando pela primeira vez o risco de um ataque coordenado de China, Rússia e Coreia do Norte com armas atômicas.

Além desses, os outros países que têm arsenais atômicos são FrançaReino UnidoPaquistãoÍndia e Israel. Nenhum deles aderiu ao Tratado de Proibição de Armas Nucleares, de 2021, ratificado por 70 nações —o Japão, ora laureado com o Nobel da Paz, também não aderiu ao pacto.

Mas nem tudo são destroços. Após a Segunda Guerra, a consequência do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares assinado por 191 nações —incluindo China, França, Rússia, EUA e Reino Unido— foi a diminuição do número de ogivas armazenadas nessas localidades e o aumento da supervisão internacional.

Recentemente, durante a competição de surfe nas Olimpíadas, que ocorreu na Polinésia Francesa, jogou-se luz aos efeitos na saúde da população local dos testes nucleares realizados pela França na região nos anos 1970.

O Nobel da Paz de 2024 traz à tona a memória submersa sobre os perigos das armas atômicas. Que a comunidade internacional não o ignore e busque articular consensos a respeito do fim desses dispositivos.

A direita é maior que Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

O quadro eleitoral deste ano mostra que o campo da direita diversificou suas opções e já não precisa tanto do ex-presidente para ganhar votos. Já a esquerda, que vive de Lula, encolheu

A eleição de 2024 consolidou a inclinação do País à centro-direita e o enfraquecimento da esquerda. Eis o quadro mais amplo e nítido do que emergiu das urnas no dia 6 passado. Mas cabe refinar a análise. Essa direita que saiu fortalecida do pleito mostrou ser muito maior do que Jair Bolsonaro, alguém que até pouco tempo atrás era tratado como o líder incontornável de todo esse campo político. A esquerda, por outro lado, provou ser muito menor do que Lula da Silva. Há décadas, o petista é o centro de gravidade do chamado “campo progressista” e sufoca o surgimento de lideranças que ameacem seu protagonismo. Somado a isso, o apego a ideias emboloradas é tão ou mais responsável pela debacle da esquerda quanto a egolatria do presidente da República.

Comecemos pela direita. O triunfo político do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi determinante para a chegada de Ricardo Nunes (MDB) ao segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo, é a evidência mais vistosa de que a direita não depende mais de uma associação explícita à figura de Jair Bolsonaro para conquistar votos. A bem da verdade, Nunes chegou ao segundo turno a despeito de Bolsonaro e da toxicidade que vem a reboque da aproximação com o ex-presidente. Mais bem dito: a dubiedade de Bolsonaro, que ora manifestava apoio mais direto a Ricardo Nunes, ora acenava para o delinquente Pablo Marçal (PRTB) ao longo da campanha, favoreceu o prefeito da capital paulista.

Bolsonaro ainda é capaz de mobilizar milhões de eleitores e, sobretudo, obter sucesso em sua empreitada familiar de distribuir a prole por Parlamentos País afora, mantendo a política como o principal meio de enriquecimento de seu clã. Um movimento como o bolsonarismo, afinal, não acaba de um dia para o outro. Dito isso, Bolsonaro já não representa, nem remotamente, aquela onda avassaladora que tomou o País de assalto em 2018. A rigor, já na eleição de 2020, quando ele era o presidente da República, seu desempenho como cabo eleitoral já dava sinais de fraqueza. Basta dizer que, dos 13 candidatos a prefeito que foram apoiados explicitamente por Bolsonaro em suas lives naquele ano, 11 foram derrotados.

O ex-presidente é incapaz de oferecer aquilo que em política é tratado como um ativo valiosíssimo: perspectiva de poder. Não há nada no horizonte conhecido que indique que Bolsonaro aparecerá na urna em 2026, por mais que ele acredite nisso, o que está mais para delírio do que para cenário. Bolsonaro, hoje, é só um retrato na parede. E essa é uma excelente notícia para a democracia brasileira. Afinal, com Bolsonaro fora do páreo eleitoral, a direita, enfim, pôde se livrar de seu sequestrador. Nesse sentido, não surpreende a vitória expressiva de candidatos a prefeito vinculados a uma direita mais civilizada e democrática, mais pragmática e menos ideológica, na primeira eleição após Bolsonaro ter sido condenado à inelegibilidade.

No campo oposto, está claro que, à falta de Lula da Silva, o PT – que por seus próprios méritos é incontestavelmente o grande partido de esquerda do Brasil há bastante tempo – caminhará a passos largos para se tornar um partido de nicho, se tanto. A despeito do fato de Lula da Silva ter voltado à Presidência, o PT conseguiu a proeza de, dois anos depois, eleger menos prefeitos do que o PSDB, um partido que, como se vê, está em decomposição a céu aberto. A partir de 1.º de janeiro de 2025, 274 cidades do País serão governadas por tucanos, ante as 260 que serão administradas por petistas.

A direita se diversificou nesta eleição e conquistou uma certa independência de Jair Bolsonaro. A esquerda encolheu e provou que segue totalmente dependente de Lula da Silva e nem assim consegue obter vitórias expressivas em disputas para cargos do Poder Executivo. A explicação para esse fenômeno, digamos assim, é muito simples: quem já foi governado pela esquerda, sobretudo pelo PT, quer distância de governos de esquerda.

O valor da parceria do público com o privado

O Estado de S. Paulo

Longe de reduzir o alcance das políticas públicas, parcerias com o setor privado – onde o Estado se concentra no planejamento e supervisão, e os especialistas na execução – o ampliam

No início de setembro, o Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês assumiu o gerenciamento de duas unidades de saúde do Estado de São Paulo. No Hospital de Taipas, o número de cirurgias dobrou, de 54 para 108; os partos aumentaram 25%; e os atendimentos de pronto-socorro, 10%. No Vila Penteado, as cirurgias cresceram 14%; e os atendimentos de pronto-socorro, 8%. Isso em um mês. A previsão é de que em 12 meses as cirurgias aumentem 408% no Vila Penteado e 943% no Taipas. É só um exemplo de como parcerias com a iniciativa privada podem melhorar a alocação de recursos públicos.

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde, dos 17 hospitais públicos mais bem avaliados no Brasil, 15 têm gestão privada. Em 2009, foi criado o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS, com o objetivo de transferir expertise de hospitais de referência para o SUS. Por meio dele, seis hospitais filantrópicos de excelência atuam em projetos de capacitação de recursos humanos, pesquisa, avaliação, incorporação de tecnologias, gestão e assistência especializada. Geridos com recursos de isenção fiscal, os projetos lograram desempenhos expressivos na redução de filas de espera, qualificação de profissionais, pesquisas em saúde pública, cuidados através de inteligência artificial e melhorias de gestão. Segundo o Ministério da Saúde, em cinco anos o projeto gerou uma economia de R$ 548 milhões aos cofres públicos.

A contratualização de entidades privadas ou organizações sem fins lucrativos tem sido cada vez mais adotada na gestão pública para aprimorar a eficiência e a qualidade dos serviços à população. Segundo o Mapa da Contratualização da Comunitas, instituição dedicada à melhoria da gestão pública, as parcerias firmadas nas três esferas de governo aumentaram 30% nos últimos três anos, chegando a 6.735.

Além da quantidade, aumentou a diversidade. Hoje, o Brasil conta com cinco principais modelos de contratualização – contrato de gestão, parceria público-privada, termo de colaboração ou fomento, concessão e contrato de prestação de serviços – adaptáveis a fins variados, como saúde, educação, infraestrutura, assistência social, cultura e até segurança. A legislação brasileira, que começou a ser desenvolvida nos anos 90, foi reconhecida pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento como a melhor da América Latina.

“Tem gente que coloca as parcerias com o setor privado como se fossem privatizações dos serviços públicos, mas não são. Os serviços não deixam de ser públicos”, disse ao Estadão a presidente da Comunitas, Regina Esteves. “Agora, as parcerias criam parâmetros que permitem uma comparação dos resultados obtidos pela gestão privada de um serviço público com os de uma gestão feita por uma máquina estatal. Também oferecem opção de escolha para a população e permitem ao gestor público avaliar as alternativas e investir nas que estão dando mais certo.”

Como disse o coordenador do Mapa da Contratualização, Fernando Schüler: “Gradativamente, o Estado vai se especializando na área de planejamento, supervisão e definição de metas de contratos, ou seja, com a parte de inteligência do processo, e vai deixando a execução na ponta para o setor privado”. Evidências compiladas no Mapa mostram que, com boa regulação, supervisão e fiscalização, entidades privadas prestam serviços públicos com mais qualidade e menor custo.

Diante do aperto fiscal crônico e das estruturas engessadas da burocracia estatal e do funcionalismo público, cresce a disposição dos gestores por parcerias que viabilizem mais autonomia gerencial aos especialistas, metas de desempenho e mecanismos de contratação mais ágeis.

Aos poucos a sociedade e seus representantes vão superando a identificação entre “público” e “estatal”. O Estado não só não precisa ser “empresário”, como não precisa assumir a execução dos serviços públicos. Longe de reduzir o alcance das políticas públicas, as contratualizações podem ampliá-lo, permitindo que o Estado se concentre em sua função precípua de garantia de direitos, materializados em serviços públicos mais eficientes.

‘Insaciável apetite’

O Estado de S. Paulo

Entidade privada inventa penduricalho com dinheiro público para servidores da AGU

Em tese, ninguém está acima da lei. Na prática, justamente os servidores responsáveis por aplicá-la estão. Com assombrosa eficiência, as corporações dos operadores do Direito trabalham dia e noite para distorcer o Direito a seu favor, acumulando privilégios.

Os servidores da Advocacia-Geral da União (AGU) acabam de receber um reajuste de 19% em seus vencimentos. Além disso, recebem mensalmente honorários de sucumbência de ações judiciais que variam de R$ 9 mil a R$ 20 mil. Na prática, isso significa que quase todos recebem o equivalente ao teto do serviço público, de R$ 44 mil.

Mas, aparentemente, isso não basta. Na segunda-feira, o Conselho Curador de Honorários Advocatícios (CCHA) estabeleceu um “auxílio-saúde complementar” de até R$ 3,5 mil mensais aos membros da AGU. Como esse pagamento terá caráter “indenizatório”, poderá extrapolar o teto e não será tributado.

O Ministério Público peticionou uma representação junto ao Tribunal de Contas da União pedindo a suspensão do benefício. “A sociedade não aceita mais isso, sobretudo quando é pública e notória a precariedade dos serviços públicos que lhe são oferecidos”, disse o subprocurador-geral ligado à Corte de Contas, Lucas Furtado. “Aumentos salariais de servidores públicos que já estão recebendo, em sua maior parte, o teto remuneratório federal constituem verdadeira afronta e agressão ao contribuinte, que é quem paga a conta.”

De resto, ao criar um novo benefício, o CCHA, uma entidade privada criada para garantir transparência e isonomia na distribuição dos honorários advocatícios, usurpou competências exclusivas do Ministério de Gestão e Inovação. “O aumento também fere o princípio da moralidade administrativa, evidenciando o insaciável apetite por recursos públicos demonstrado pelos membros das carreiras beneficiadas”, disse Furtado.

Advogando em causa própria, o presidente da Associação Nacional dos Advogados da União, Clóvis Andrade, se justificou: “Não estou falando que a remuneração do membro da AGU é baixa”, disse à Folha de S.Paulo. “Apenas estou fazendo o comparativo com outras carreiras, demonstrando que ainda existe uma desvantagem.” Eis a lógica perversa do “privilégio adquirido”. Primeiro, um setor da elite do funcionalismo aumenta seus rendimentos. Logo, outros segmentos da elite, pretextando “isonomia”, engordam os seus, ampliando a distância em relação às bases.

Os salários dos servidores públicos são, em média, maiores que os de seus pares na iniciativa privada – isso sem contar uma estabilidade quase absoluta, previdência privilegiada e um sem-número de benesses (os “penduricalhos”) dos quais o trabalhador privado, que paga por eles, jamais verá a cor. Se já há desigualdade entre a iniciativa privada e o funcionalismo público, a desigualdade entre as carreiras do topo e as da base do próprio setor público é ainda maior que na iniciativa privada.

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Em tese, o Estado deveria trabalhar para reduzir a desigualdade. Na prática, ele mesmo é a maior máquina de gerar desigualdades.

Erradicação do descarte irregular

Correio Braziliense

A erradicação desse sistema tão prejudicial não suporta mais medidas rasas; é preciso ter comprometimento com o tema e apresentar propostas com a eficiência necessária

Uma das grandes questões da atualidade é a necessidade urgente da destinação correta do que é descartado pela população. No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), do Ministério do Meio Ambiente, determinou o prazo de 2 de agosto deste ano para o fim dos lixões, o que não foi cumprido em todas as cidades.

De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ainda há cerca de 3 mil lixões espalhados pelo país. Os novos gestores desses municípios — vereadores e prefeitos —, que assumem em janeiro de 2025, terão o desafio de solucionar o problema.

A erradicação desse sistema tão prejudicial não suporta mais medidas rasas. O lixão a céu aberto, por meio do chorume, contamina o lençol freático e os rios, fazendo com que isso também possa acarretar doenças. É preciso ter comprometimento com o tema e apresentar propostas com a eficiência necessária.

Segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), 33,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos tiveram descarte irregular em 2023, indo parar em lixões, valas, terrenos baldios e córregos urbanos, ameaçando a saúde pública e a natureza.

Políticos e órgãos de controle não podem mais deixar essa pauta na gaveta. É fundamental debater as ideias e estabelecer um planejamento adequado. A responsabilidade de estruturar a coleta dos resíduos sólidos e investir no aprimoramento do serviço tem de estar na lista de prioridades das prefeituras e das câmaras.

Outro ponto a ser pensando é ampliar a conscientização da população sobre os rejeitos que não podem ser reaproveitados. Encerrar o despejo irregular depende de um esforço conjunto que envolve os cidadãos. Muitas vezes, as pessoas tomam certas atitudes de descarte porque não têm alternativa. Daí a relevância estratégica de esclarecer e informar.

Os moradores precisam ter melhor compreensão dos impactos maléficos da produção de resíduos em excesso — em média, cada brasileiro gera pouco mais de 1kg de lixo por dia. O consumo desenfreado, impulsionado pelo desenvolvimento tecnológico, é um desafio. Uma enorme produção de material artificial, em sua maior parte feito de plástico descartável, aumenta a quantidade de lixo jogado fora.

Campanhas educativas bem desenvolvidas, e executadas com frequência, para mostrar os benefícios do uso de produtos recicláveis são determinantes para acabar não apenas com os lixões, mas também reduzir o excesso de resíduos em municípios onde já existem os aterros sanitários.

A coleta seletiva é muito restrita e tem de ser ampliada. Duas ações precisam ocorrer concomitantemente: a orientação da população de como fazer a separação dentro de casa e o recolhimento. A retirada pode ser realizada porta a porta tanto pelo prestador do serviço público de limpeza quanto por associações ou cooperativas de catadores de materiais recicláveis. Pontos de Entrega Voluntária (PEV) ou Ecopontos são outras possibilidades. Todas elas a cargo da administração municipal.

A agenda de erradicação dos lixões e de tudo o que envolve o descarte correto e o reaproveitamento dos resíduos precisa avançar no Brasil. Os políticos eleitos devem cumprir seus compromissos de gestão, e os cidadãos fiscalizar o que tem sido executado. A sujeira que fica espalhada pelas cidades — nas ruas, nos terrenos desocupados, nas praças — também polui, incomoda e prejudica a saúde pública.


 



 

 

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