O Globo
A crise de desconfiança está instalada. O
compromisso de Haddad de propor novas medidas, caso necessário, já está sendo
testado
A má recepção dos investidores ao pacote do
governo sugere que houve uma piora adicional do risco fiscal. Será isso mesmo?
O objetivo do pacote não é estabilizar a
dívida pública, que deverá chegar a 84% do PIB em 2026, mas sim atender os
limites para aumento de gastos previstos no arcabouço fiscal e entregar as
metas orçamentárias (déficit primário zero em 2025 e superávit de 0,25% do PIB
em 2026).
Isso não é pouca coisa à luz da deterioração fiscal. Afinal, as projeções do mercado para o déficit primário estão em 0,7% do PIB em 2025 e 0,5% do PIB em 2026 (descontado o pagamento dos precatórios de R$ 40 bilhões em 2025 e R$ 47,5 bilhões em 2026).
E a Instituição Fiscal Independente (IFI) tem
projeções ainda piores, de déficit de 0,8% do PIB em ambos os anos, o que
equivale a R$ 102,9 bilhões em 2025 e R$ 107,8 bilhões em 2026.
Essas projeções resultam de decisões do
próprio governo de acelerar os gastos (PEC da transição) e de adotar regras que
aumentam a rigidez orçamentária (hoje mais de 90% das despesas são
obrigatórias), sendo a principal delas a correção do salário-mínimo real pela
variação do PIB, impactando mais de 50% das despesas da União. Assim, seriam
necessárias medidas para compensar, ainda que parcialmente, essas decisões.
Não foi o que se viu. Além de o impacto
fiscal esperado do pacote (R$30,6 bilhões em 2025 e R$41,3 bilhões) ser
insuficiente, as cifras não parecem críveis, por exemplo, ao incluir itens que
refletem a mera realocação de recursos, e não um esforço fiscal.
Apesar disso, nota-se uma “curva de
aprendizado” do governo, em que pese a falta de senso de urgência. Mesmo que
tardiamente, o ministro Haddad reconheceu que o arcabouço fiscal não funciona
sem a contenção de despesas.
Além disso, passou a defender medidas
estruturantes para conter o aumento dos gastos obrigatórios, cujo crescimento
ultrapassa o teto do arcabouço fiscal.
Outro ponto positivo foi o reconhecimento de
que eliminar políticas públicas é algo improvável no Brasil, pois grupos
organizados reagem, sendo mais recomendável avançar com ajustes graduais.
Há grande mérito em tocar em temas polêmicos,
como ajustar o abono salarial, o BPC, a aposentadoria dos militares e a
correção do salário-mínimo, reconhecendo o equívoco da regra atual. É um bom
sinal para agendas futuras, neste governo e nos próximos.
Faltou, porém, o governo apresentar um
conjunto mais amplo de medidas, incluindo itens como auxílio-desemprego, gastos
com Saúde e reforma administrativa. Gradualismo em várias frentes.
Outros fatores, que compõem os freios e
contrapesos da democracia, merecem reconhecimento. Refiro-me às falas dos
presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, de que o
avanço das medidas relativas ao Imposto de Renda dependerá de “condições
fiscais”.
Além disso, afastaram o temor de aprovar
apenas a isenção de quem ganha até R$ 5 mil, e não as medidas compensatórias.
Também vale citar os esforços para aprovar o pacote ainda este ano.
É um quadro muito diferente daquele de 2015.
No governo Dilma, onde apostas eram dobradas, muitos no Congresso defendiam o
“quanto pior melhor”.
A própria reação do mercado, exagerada ou
não, tem valor. Em 2013, a sociedade percebeu que tinha algo errado na política
econômica de Dilma muito antes dos mercados.
Boa parte do pacote já havia sido antecipada
na imprensa. Assim, parece claro que o mau humor dos investidores refletiu em
alguma medida o receio das medidas do IR. Ainda que haja neutralidade no efeito
arrecadatório, há impacto nos preços de ativos que poderão ser afetados pela
taxação dos mais ricos.
Mesmo que adiada, sua implementação se
manterá no radar, o que dificulta a superação do mau momento nos mercados.
Além disso, a ênfase da política na
divulgação do pacote, em detrimento da boa técnica, enfraqueceu a credibilidade
do ministro e pode ter alimentado temores de reeleição do PT.
Enfim, não se trata apenas de decepção com o
pacote fiscal. Há um receio do porvir, com baixo compromisso com a contenção de
despesas e a insistência na estratégia de elevar a carga tributária.
A crise de desconfiança está instalada, como
refletida na volatilidade e, mais do que isso, na mudança de patamar do câmbio
e dos juros de mercado. O compromisso de Haddad de propor novas medidas, caso
necessário, já está sendo testado.
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