quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Torcida para o Congresso aprofundar o ajuste fiscal - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Visão média do governo é de que não há efetivamente um problema fiscal, alerta especialista

“Estamos numa sinuca de bico”, desabafou à coluna um integrante do governo. Diferentemente do padrão dos últimos dois anos, o dólar em disparada desde a semana passada não reflete primordialmente as turbulências do mercado externo. Desta vez, foi coisa nossa mesmo, pontuou.

Para relembrar: na semana passada, o governo anunciou medidas de ajuste no Orçamento pelo lado das despesas. Junto, veio a proposta de elevar a isenção do Imposto de Renda para pessoas que ganham até R$ 5 mil. O combo elevou o dólar para acima de R$ 6, o que puxa para cima a inflação e leva o Banco Central pesar a mão nos juros.

A coluna questionou a diversos integrantes do governo se, diante da reação ruim do mercado, há medidas adicionais em elaboração.

Uma fonte respondeu que o próprio pacote nem começou a ser analisado. E que cabem melhorias.

Ou seja, há uma torcida para que deputados e senadores apertem o pacote. É um sentimento que está também entre parlamentares, especialistas e no mercado.

“Na média, o Congresso tem um sentimento mais fiscalista do que o núcleo político do governo”, avaliou o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), coautor de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que contempla uma espécie de manual do ajuste fiscal. São as propostas sonhadas por técnicos, como a desvinculação dos gastos mínimos com saúde e educação, deixadas de fora do pacote do governo.

O deputado acredita que alguns itens da PEC poderão ser fundidos às propostas do governo. Por exemplo, colocar em um salário mínimo o limite de enquadramento dos beneficiários do abono salarial. Hoje esse limite é de dois salários e o governo propôs 1,5 - porém, com uma regra de transição que adiará o início da nova regra para daqui a dez anos. Outro exemplo: atacar alguns gastos tributários.

Uma atuação do Congresso para apertar o pacote do governo é “esperança” do ex-diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) e consultor de Orçamento do Senado Daniel Couri. “Não deixa de ser uma bandeira de oposição”, disse, para explicar por que o Legislativo aprovaria medidas amargas que nem o Executivo quis propor.

Mas, lembrou Pedro Paulo, haverá um preço para que isso ocorra. “Pode ficar mais caro ou mais barato.”

Ele não citou, mas certamente a regra de tratamento de emendas parlamentares ao Orçamento está na equação. Mais bondades no Imposto de Renda também podem entrar.

Couri tem uma boa explicação para a diferença entre as medidas esperadas pelos analistas do setor privado e aquelas apresentadas na semana passada.

“A visão média do governo é de que não há efetivamente um problema fiscal”, disse. “Por isso, o esforço não é para fazer um ajuste nas contas públicas, é para cumprir o arcabouço.” É uma diferença de fundo em relação à opinião dos especialistas, entre os quais ele se inclui.

Embora as medidas sejam chamadas de “corte de gastos”, há pouco disso. A maior parte delas serve para dar mais flexibilidade ao Orçamento. Ou seja, não é para não gastar; é para gastar de outra forma.

Nas contas de Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco, o pacote produzirá um impacto de R$ 53 bilhões em dois anos, dos quais R$ 30 bilhões são ganhos de flexibilidade orçamentária. Outros R$ 14 bilhões são propostas que reduzem estruturalmente os gastos e mais R$ 9 bilhões são pente-fino e melhoria na qualidade da despesa pública.

“O pacote foi na direção correta, mas com magnitude abaixo do necessário para garantir o cumprimento do limite de 2,5% do arcabouço”, resumiu o economista.

Ele se refere a uma das “travas” da regra fiscal, que não é o resultado primário (diferença entre receitas e despesas não financeiras), e sim o limite de 2,5% para o crescimento do conjunto de despesas de um ano para outro. Nas suas contas, seria necessário cortar R$ 35 bilhões para o limite ser cumprido. Porém, o pacote só chega em R$ 30 bilhões.

A partir daí, ressurgem as dúvidas se o governo manterá o arcabouço fiscal como está, explicou. A percepção é de que a regra de expansão de despesas em 2,5% corre o risco de ser alterada, assim como ocorreu com as metas de resultado primário em abril passado - com péssima reação do mercado.

Assim, também na visão desse economista, o ideal seria o Congresso aprofundar o ajuste, permitindo o cumprimento da regra dos 2,5%.

Uma alternativa é seguir o que está nas regras fiscais em vigor. Se o limite de 2,5% de aumento para despesas e a meta de resultado primário estiverem sob risco de descumprimento, congelam-se gastos no volume necessário para que sejam cumpridos. É o que está na lei, mas isso trombaria de frente com as mesmas forças políticas que desidrataram o pacote.

Nos 30 anos do Real comemorados em julho, os pais do plano de estabilização ensinaram que o país não aceita a volta da inflação e pune nas urnas os dirigentes políticos que são lenientes com ela. É o que nos tem mantido protegidos contra o descontrole de preços. Estamos assistindo a um novo teste.

 

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