Valor Econômico
Visão média do governo é de que não há efetivamente um problema fiscal, alerta especialista
“Estamos numa sinuca de bico”, desabafou à
coluna um integrante do governo. Diferentemente do padrão dos últimos dois
anos, o dólar em disparada desde a semana passada não reflete primordialmente
as turbulências do mercado externo. Desta vez, foi coisa nossa mesmo, pontuou.
Para relembrar: na semana passada, o governo
anunciou medidas de ajuste no Orçamento pelo lado das despesas. Junto, veio a
proposta de elevar a isenção do Imposto de Renda para pessoas que ganham até R$
5 mil. O combo elevou o dólar para acima de R$ 6, o que puxa para cima a
inflação e leva o Banco Central pesar a mão nos juros.
A coluna questionou a diversos integrantes do
governo se, diante da reação ruim do mercado, há medidas adicionais em
elaboração.
Uma fonte respondeu que o próprio pacote nem começou a ser analisado. E que cabem melhorias.
Ou seja, há uma torcida para que deputados e
senadores apertem o pacote. É um sentimento que está também entre
parlamentares, especialistas e no mercado.
“Na média, o Congresso tem um sentimento mais
fiscalista do que o núcleo político do governo”, avaliou o deputado Pedro Paulo
(PSD-RJ), coautor de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que contempla
uma espécie de manual do ajuste fiscal. São as propostas sonhadas por técnicos,
como a desvinculação dos gastos mínimos com saúde e educação, deixadas de fora
do pacote do governo.
O deputado acredita que alguns itens da PEC
poderão ser fundidos às propostas do governo. Por exemplo, colocar em um
salário mínimo o limite de enquadramento dos beneficiários do abono salarial.
Hoje esse limite é de dois salários e o governo propôs 1,5 - porém, com uma
regra de transição que adiará o início da nova regra para daqui a dez anos.
Outro exemplo: atacar alguns gastos tributários.
Uma atuação do Congresso para apertar o
pacote do governo é “esperança” do ex-diretor-executivo da Instituição Fiscal
Independente (IFI) e consultor de Orçamento do Senado Daniel Couri. “Não deixa
de ser uma bandeira de oposição”, disse, para explicar por que o Legislativo
aprovaria medidas amargas que nem o Executivo quis propor.
Mas, lembrou Pedro Paulo, haverá um preço
para que isso ocorra. “Pode ficar mais caro ou mais barato.”
Ele não citou, mas certamente a regra de
tratamento de emendas parlamentares ao Orçamento está na equação. Mais bondades
no Imposto de Renda também podem entrar.
Couri tem uma boa explicação para a diferença
entre as medidas esperadas pelos analistas do setor privado e aquelas
apresentadas na semana passada.
“A visão média do governo é de que não há
efetivamente um problema fiscal”, disse. “Por isso, o esforço não é para fazer
um ajuste nas contas públicas, é para cumprir o arcabouço.” É uma diferença de
fundo em relação à opinião dos especialistas, entre os quais ele se inclui.
Embora as medidas sejam chamadas de “corte de
gastos”, há pouco disso. A maior parte delas serve para dar mais flexibilidade
ao Orçamento. Ou seja, não é para não gastar; é para gastar de outra forma.
Nas contas de Pedro Schneider, economista do
Itaú Unibanco, o pacote produzirá um impacto de R$ 53 bilhões em dois anos, dos
quais R$ 30 bilhões são ganhos de flexibilidade orçamentária. Outros R$ 14
bilhões são propostas que reduzem estruturalmente os gastos e mais R$ 9 bilhões
são pente-fino e melhoria na qualidade da despesa pública.
“O pacote foi na direção correta, mas com
magnitude abaixo do necessário para garantir o cumprimento do limite de 2,5% do
arcabouço”, resumiu o economista.
Ele se refere a uma das “travas” da regra
fiscal, que não é o resultado primário (diferença entre receitas e despesas não
financeiras), e sim o limite de 2,5% para o crescimento do conjunto de despesas
de um ano para outro. Nas suas contas, seria necessário cortar R$ 35 bilhões
para o limite ser cumprido. Porém, o pacote só chega em R$ 30 bilhões.
A partir daí, ressurgem as dúvidas se o
governo manterá o arcabouço fiscal como está, explicou. A percepção é de que a
regra de expansão de despesas em 2,5% corre o risco de ser alterada, assim como
ocorreu com as metas de resultado primário em abril passado - com péssima
reação do mercado.
Assim, também na visão desse economista, o
ideal seria o Congresso aprofundar o ajuste, permitindo o cumprimento da regra
dos 2,5%.
Uma alternativa é seguir o que está nas
regras fiscais em vigor. Se o limite de 2,5% de aumento para despesas e a meta
de resultado primário estiverem sob risco de descumprimento, congelam-se gastos
no volume necessário para que sejam cumpridos. É o que está na lei, mas isso
trombaria de frente com as mesmas forças políticas que desidrataram o pacote.
Nos 30 anos do Real comemorados em julho, os
pais do plano de estabilização ensinaram que o país não aceita a volta da
inflação e pune nas urnas os dirigentes políticos que são lenientes com ela. É
o que nos tem mantido protegidos contra o descontrole de preços. Estamos
assistindo a um novo teste.
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