Folha de S. Paulo
Modelo é bem-vindo para os trabalhadores
endividados amortizarem o crédito rotativo do cartão com dinheiro mais farto e
barato
Eu estava atuando como banqueiro ao
representar a Caixa na diretoria da Febraban (federação
dos bancos) quando, em 2003, assisti a uma cena inesperada. O presidente da CUT
(Central Única dos Trabalhadores), Luiz Marinho,
atual ministro do Trabalho, levou aos banqueiros a proposta do crédito
consignado, um tipo de empréstimo no qual as parcelas são descontadas
diretamente da folha de pagamento ou do benefício previdenciário do tomador.
Devido à maior garantia, cai o custo dos empréstimos.
Fomos todos levar a proposta ao Ministério da Fazenda, em Brasília, em busca do apoio governamental necessário para o desconto nas folhas de pagamentos dos servidores públicos e aposentados. Por rivalidade ou ciúme, o então presidente da Força Sindical atuou para melar a reunião com provocações dirigidas aos banqueiros. Fizeram "cara de paisagem"...
Os bancões, de início, não se aventuraram,
mas a Caixa disputou a liderança desse mercado com o BMG. A bancarrota do Banco
Santos no fim de 2004 levou à compra de carteiras de crédito de outros bancos
médios, acuados pelo efeito demonstração. Os bancos grandes viram o crédito
consignado ser um ótimo produto, inclusive por não ser empréstimo ao governo,
como pensava o HSBC.
A proporção de endividados, na ótica da
Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do
Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo (CNC), atingiu 76% em fevereiro. O cartão de crédito mais uma vez se
posicionou em primeiro (84%) entre as maiores modalidades de dívida, seguido
por carnês (17%) e crédito pessoal (10%).
Na economia brasileira,
é necessário avançar para a diferenciação de preço à vista ao se pagar com Pix.
Há um velho hábito de embutir nesse preço os custos de pagamento a prazo com
cartões de crédito. Em conluio, a credenciadora fica com a diferença entre o valor
cobrado do estabelecimento comercial e a soma da taxa de intercâmbio para a
instituição emissora e da tarifa de bandeira.
O comerciante também ganha e incentiva os
consumidores brasileiros a pagarem tipo "dez vezes sem juros"
—mascarados em preços a prazo iguais aos preço à vista. Mais da metade dos
usuários de cartões de crédito "perdem a conta" e entram no crédito
rotativo impagável. A elevadíssima inadimplência leva aos juros exorbitantes
porque bancos usam recursos de terceiros e não pode perdê-los.
O Programa
Crédito do Trabalhador na Carteira Digital de Trabalho, recém-lançado pelo
governo federal, é uma remodelação do crédito consignado privado. Pelo risco
de desemprego,
essa modalidade, lançada originalmente no primeiro governo Lula, tem juros
maiores diante do consignado para beneficiários do Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS) e para servidores públicos.
O principal entrave eram os bancos terem de
fazer convênios com as empresas empregadoras para oferecer esse tipo de
crédito. Com o novo consignado privado, não
haverá mais convênio entre bancos e empresas.
Assim, os juros
menores do empréstimo consignado ficarão acessíveis a mais de 47
milhões de trabalhadores
registrados com carteira assinada (CLT) por meio da página da Carteira
de Trabalho Digital na internet ao autorizarem o compartilhamento dos dados do
eSocial diretamente com instituições financeiras habilitadas.
O trabalhador poderá ter até 35% do salário comprometido
com parcelas do empréstimo consignado privado. Terá a possibilidade de usar 10%
do saldo do FGTS e
o total da multa recebida por demissão sem justa causa (40% do saldo FGTS) para
o pagamento dos débitos, em caso de desligamento do emprego.
Essa economia digital é bem-vinda para os endividados amortizarem o crédito
rotativo com o dinheiro mais farto e barato do novo consignado privado.
*Professor titular do Instituto de Economia da Unicamp
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