sábado, 22 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Orçamento satisfaz à voracidade do Congresso

O Globo

Recorde de emendas parlamentares e avanço sobre recursos do Executivo terão custo alto para população

Com atraso de três meses, o Congresso aprovou enfim o Orçamento de 2025, que vai à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De dezembro para cá, houve tempo de sobra para aprimorar a previsão de despesas e receitas, corrigir distorções ou desengessar gastos. Nada disso foi feito. A maioria dos deputados e senadores nunca pretendeu elaborar uma peça orçamentária sensata e realista. O objetivo da procrastinação era pressionar governo e Supremo Tribunal Federal (STF) — que tem denunciado a inconstitucionalidade de atos do Congresso — para garantir aos congressistas o controle sobre a maior fatia possível das verbas orçamentárias.

No texto aprovado, está previsto que as emendas parlamentares somarão R$ 50,4 bilhões em 2025. Trata-se do maior valor já destinado à rubrica, 5% acima do ano passado e 50% acima de 2021. Nas emendas individuais, cada deputado comandará um orçamento particular de R$ 37 milhões e cada senador de R$ 68 milhões — o equivalente a uma empresa de porte médio. O pior são as emendas de bancada e comissão, que contrariam a Constituição por manter incógnitos os padrinhos das verbas. Nelas, o total chega a R$ 25,7 bilhões. O Orçamento nas mãos dos parlamentares faz do Congresso brasileiro uma anomalia. Nenhum outro decide tantos gastos.

Nas democracias, é papel do Executivo destinar despesas prioritárias. Aqui essa prerrogativa foi enfraquecida, e a inovação brasileira não tem demonstrado bons resultados. Abundam indícios de corrupção e ineficiência no gasto público. Filas longas para atendimento no SUS, estradas esburacadas com pontes desabando são alguns dos efeitos indesejados da farra das emendas. O dinheiro é investido onde mandam padrinhos políticos poderosos, não onde é mais necessário.

A chantagem no atraso da votação rendeu frutos. Em acordo com a recém-empossada ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, os parlamentares conquistaram a prerrogativa de indicar gastos extras de R$ 11 bilhões. A quantia sairá da verba do Executivo e será usada para compensar emendas não pagas em 2024. Em seu discurso, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), agradeceu a cooperação de Gleisi. O senador Angelo Coronel (PSD-BA), relator do Orçamento, foi direto em seu recado: “Ninguém é obrigado a dar a palavra. Mas, se der, deve ser cumprida”.

Outro equívoco do texto foi exagerar na estimativa de arrecadação em 2025. O Orçamento prevê superávit nas contas públicas de R$ 15 bilhões, bem mais que os R$ 3,7 bilhões previstos antes. A perspectiva de inflação alta favorece o recolhimento de tributos, mas a provável desaceleração da atividade econômica deverá ter o efeito oposto. No balanço, a estimativa é otimista.

Um ponto positivo foi a manutenção da autorização para o governo cortar 30% das despesas sem aval do Congresso, e não apenas 10%, como previa o relatório preliminar. Tal espaço permitirá que o programa Pé-de-Meia, voltado a alunos de baixa renda no ensino médio, seja somado aos gastos do governo, como determinou o Tribunal de Contas da União (TCU). O governo também obteve maior flexibilidade nas despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nada disso, porém, ofusca o principal: o Orçamento satisfez à voracidade do Legislativo sobre o dinheiro público em detrimento das necessidades da população.

Nova tese sobre responsabilidade de veículos jornalísticos é acerto do STF

O Globo

Corte dirimiu dúvidas sobre quando um órgão de imprensa é responsável se publicar calúnias de terceiros

O Supremo Tribunal Federal (STF) fez bem ao reformular a tese que estabelece as situações em que empresas jornalísticas podem ser consideradas responsáveis por publicar declarações caluniosas de terceiros. A versão anterior dessa tese fora adotada em 2023, quando a Corte decidiu que acusações infundadas ou imputações de crimes feitas por entrevistados poderiam, em determinadas circunstâncias, levar à condenação dos veículos (isso valia até para entrevistas ao vivo). Mas a formulação deixava dúvidas ao usar expressões vagas para definir essas situações.

A nova formulação é mais objetiva e precisa, como convém a uma diretriz que será usada para guiar decisões de juízes de todo o país e não pode, em hipótese alguma, criar dúvidas que cerceiem o trabalho da imprensa ao fomentar excesso de cautela pelo temor de ações judiciais.

A nova tese exclui a responsabilidade do veículo “por ato exclusivamente de terceiro, quando este falsamente atribui a outrem a prática de um crime”. Também isenta, de modo explícito, as empresas de responsabilidade por declarações de entrevistados em entrevistas ao vivo, ponto em que a formulação anterior havia gerado preocupações pertinentes.

Pela nova tese adotada pela Corte, um veículo jornalístico só poderá ser condenado pelas acusações falsas de seus entrevistados se for comprovada má-fé na publicação. Essa má-fé ficará caracterizada em duas situações: “pelo dolo demonstrado em razão do conhecimento prévio da falsidade da declaração” ou “por culpa grave, decorrente da evidente negligência na apuração da veracidade do fato”, sem dar voz ao ofendido ou, ao menos, buscar uma opinião contrária. A nova tese determina que, uma vez constatado crime na fala de um entrevistado, seja assegurado pelo veículo o direito de resposta e que haja remoção, de ofício ou por notificação da vítima, do conteúdo que permanecer disponível em plataformas digitais.

A decisão foi tomada no julgamento de um recurso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), impetrado numa ação contra o Diário de Pernambuco, movida pela família de um deputado federal acusado injustamente numa entrevista de ser responsável pelo atentado a bomba no Aeroporto de Guararapes em 1966, durante a ditadura militar.

A reformulação se mostra louvável ao encontrar o equilíbrio entre a necessidade de proteger os direitos dos acusados e a liberdade jornalística de investigar e informar. A nova tese contempla as circunstâncias singulares do jornalismo, que trabalha no calor dos acontecimentos. Por fim, o formato adotado pelo Supremo — uma decisão unânime assinada não por um relator, mas por toda a Corte (per curiam, no jargão jurídico) — serve de exemplo para outras situações. Gera menos dúvidas sobre posições individuais, portanto mais segurança jurídica.

Na contramão, CNJ ajuda farra dos supersalários

Folha de S. Paulo

Em decisão sobre penduricalho para magistrados de Sergipe, corregedor inventa teto constitucional que passa de R$ 90 mil

O ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assumiu em setembro de 2024 o cargo de corregedor no Conselho Nacional de Justiça, mas uma de suas recentes decisões sugere que ele talvez não tenha atinado com a importância de sua função.

Cabe ao CNJ, nos termos da Constituição, exercer o controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário, e seria de esperar que o corregedor do órgão fosse o primeiro a dar o exemplo ao se deparar com manobras destinadas a burlar os limites legais e liberar regalias.

Pois Campbell Marques teve uma boa oportunidade ao julgar um caso do Tribunal de Justiça de Sergipe. A discussão de fundo dizia respeito ao pagamento de verbas retroativas referentes a um adicional por tempo de serviço.

Seria possível debater miudezas quanto à adequação do penduricalho e quanto à competência da corte local para autorizá-la; não sendo ciência exata, o direito reconhece como natural o choque entre argumentos em torno de certos aspectos da legislação.

O que ainda assim nunca esteve em debate, contudo, é a necessidade de que qualquer pessoa, e os magistrados antes das demais, respeite os mandamentos objetivos contidos na Constituição.

Um deles está no artigo 37 e versa sobre o vencimento mensal de funcionários públicos: somados remuneração, subsídios e outras vantagens, o valor não pode extrapolar o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

É o chamado teto constitucional, hoje fixado em R$ 46.366,19. Não se pode dizer que seja uma cifra pequena na realidade brasileira; ela equivale a mais de 30 vezes o salário mínimo nacional.

À luz dessa regra, o caso sergipano é simples: assumindo a hipótese ingênua de que o adicional de fato deva ser pago, a remuneração mensal dos beneficiados poderia aumentar apenas até o limite do teto. E ponto final.

Campbell Marques, no entanto, entendeu de outra forma. Na sua visão, o valor extra pode chegar a R$ 46.366,19 além do próprio limite de R$ 46.366,19. Em outras palavras, o ministro estabeleceu um novo teto de R$ 92.732,38.

Por mais que ele escreva em sua decisão que o entendimento se aplica somente à situação particular dos magistrados sergipanos, é evidente que, quando outros membros do sistema de Justiça quiserem furar o teto, a canetada do corregedor nacional poderá servir de parâmetro.

A iniciativa de Campbell Marques torna-se ainda mais estranha quando se lembra que ele nem tem competência para arbitrar um novo teto. Ou seja, ainda que o limite proposto fizesse sentido, e não faz, não caberia a ele essa decisão, e sim ao Congresso Nacional, por meio de uma emenda à Constituição.

Deputados e senadores sempre poderão argumentar que a Carta Magna já é clara o suficiente nesse ponto —e terão razão. Mas, dados os abusos reiterados, viria a calhar um basta definitivo na farra dos supersalários.

Liberdade de expressão em xeque sob Trump

Folha de S. Paulo

Prisões de estrangeiros envolvidos em protestos afrontam Primeira Emenda; é preciso respeitar o devido processo legal

Em uma afronta à ampla proteção à liberdade de expressão estabelecida na Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, o governo de Donald Trump engajou-se em prisões anômalas para deportação de estudantes e acadêmicos estrangeiros.

No último dia 9, o alvo foi Mahmoud Khalil, estudante de origem palestina com visto de permanência no país que cursava relações internacionais na Universidade Columbia.

Um dos protagonistas dos protestos na instituição contra os ataques militares de Israel na Faixa de Gaza, que também mobilizaram alunos judeus, Khalil foi preso sob a acusação de antissemitismo e afinidade com o grupo terrorista Hamas.

A prisão foi saudada por Trump como "a primeira de muitas que virão". A deportação imediata foi impedida pela Justiça, que garantiu o direito ao processo legal.

Organizações civis e a defesa do estudante alegam que as autoridades não apresentaram evidências das acusações até o momento. Ademais, questionam a lei usada para embasar a detenção, segundo a qual o secretário de Estado pode expulsar do país estrangeiros que ele considere ameaça aos objetivos da política externa americana.

No caso mais recente, o indiano Badar Khan Suri, professor de direitos de minorias no Sul da Ásia que realiza pós-doutorado na Universidade Georgetown, foi preso na quarta (19) sob acusações equivalentes às de Khalil e igualmente, sem provas.

Já Ranjani Srinivasan, doutoranda indiana da Universidade Columbia, escolheu a autodeportação após ter o visto revogado pelo Departamento de Segurança Interna, que a acusa de "defender violência e terrorismo".

O próprio conselho judicial da Universidade Columbia deu início a sanções disciplinares —como expulsão, suspensão e revogação temporária de diplomas— a estudantes envolvidos nas manifestações. No começo do mês, a Casa Branca anunciou que cancelou subsídios à instituição no valor de cerca de US$ 400 milhões.

A onda de protestos que se espalhou pelo país de fato gerou alguns episódios violentos, mas qualquer responsabilização deve se dar de acordo com princípios do Estado de Direito.

A potencial expansão de uma política federal persecutória é alarmante. Se também serão atingidos estrangeiros críticos a outros aspectos da política externa trumpista ou até os cidadãos americanos não alinhados ao atual governo, somente o tempo e o empenho da Justiça em preservar a Primeira Emenda dirão.

Isso não é justiça

O Estado de S. Paulo

Moraes condena uma cidadã que nem sequer deveria ter sido julgada pelo STF a 14 anos de prisão por causa de uma pichação com batom, num flagrante exagero que desmoraliza o Judiciário

Na tarde de ontem, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes votou para condenar a sra. Débora Rodrigues dos Santos a 14 anos de prisão. A cabeleireira de Paulínia, cidade do interior de São Paulo, não cometeu um crime de sangue. Tampouco aplicou um grave golpe na praça ou desviou milhões de reais em recursos públicos, como tantos que caminham livremente pelas ruas País afora. Armada com um batom, a ré pichou, na estátua da Justiça em frente à sede da Corte durante os atos golpistas no 8 de Janeiro, os dizeres “Perdeu, mané” – uma referência à infeliz frase dita pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, a um bolsonarista que o admoestou em Nova York, em novembro de 2022. No mundo da justiça e da sensatez, foi este, e apenas este, o seu crime.

Já para a Procuradoria-Geral da República (PGR) e para o ministro Alexandre de Moraes, Débora dos Santos praticou cinco delitos gravíssimos: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; tentativa de golpe de Estado; associação criminosa armada; dano qualificado contra o patrimônio da União; e deterioração de patrimônio público tombado. Nada menos. Como exatamente ela praticou cada um deles tendo se comportado como se comportou naquele dia fatídico, parece não ter importância. Presa preventivamente, por ordem de Moraes, desde 17 de março de 2023, a ré agora está prestes a receber uma pena – caso a decisão do relator seja confirmada por seus pares – que ultrapassa, e muito, as penas a que foram condenados criminosos muito mais perigosos do que ela para a sociedade. Por si só, isso abala ainda mais a já desgastada imagem do STF aos olhos de muitos brasileiros de boa-fé que acompanham, atônitos, a forma como o STF tem conduzido os julgamentos dos atos golpistas.

Não resta a menor dúvida de que, por ter praticado atos tipificados como crimes pela legislação penal em vigor no País, Débora dos Santos deveria mesmo receber uma sanção judicial após o transcurso do devido processo legal – que, a rigor, deveria ter começado no foro indicado, qual seja, a primeira instância, e não a última, o que impede que a uma cidadã sem prerrogativa de foro seja plenamente assegurado o direito ao duplo grau de jurisdição. Mas a qualquer pessoa minimamente sensata, imbuída de boa-fé e, sobretudo, senso de justiça, uma pena tão draconiana como a imposta à ré pelo ministro Alexandre de Moraes não passa nem sequer por razoável, que dirá por justa. Lamentavelmente, e não apenas para o STF, mas para todo o País, senso de justiça é o que faltou ao sr. Moraes no julgamento desse caso.

Não há virtude maior para um juiz do que o senso de justiça. No julgamento de um caso concreto, o magistrado não se limita – ou não deveria se limitar – à aplicação mecânica da lei. Julgar implica um exame profundo das circunstâncias e das consequências da decisão a ser tomada, a culminação de uma exegese equilibrada que não por acaso tem uma balança como símbolo. Ao se debruçar sobre as provas trazidas aos autos e ouvir os argumentos da acusação e da defesa, um juiz há de ter a habilidade de enxergar além da letra da lei. Chega a ser constrangedor para este jornal ter de colocar essas palavras no papel diante de um caso sendo julgado por nada menos do que a mais alta instância judicial do País.

Malgrado não ser, como já foi dito, a sede adequada para o julgamento de Débora dos Santos e tantos outros cidadãos envolvidos no 8 de Janeiro que não têm foro especial por prerrogativa de função, ainda há tempo para que o colegiado do STF corrija a flagrante injustiça do ministro Alexandre de Moraes. Deveria ser ocioso dizer que a aplicação da lei deve ser feita com equilíbrio, razoabilidade e sensatez. Nada disso há no voto condenatório do sr. Moraes.

No caso concreto de Débora dos Santos, o STF deve refletir profundamente sobre a real gravidade de sua conduta, da qual a ré já se desculpou por escrito tanto à Corte como à Nação. A um tempo, o Supremo não só preservará a função social da pena, como evitará uma sobrecarga punitiva que mais parece um recado simbólico do que, de fato, um ato de justiça.

Janela de oportunismo

O Estado de S. Paulo

Mesmo com a admissão do fracasso do arcabouço fiscal em reequilibrar as contas e conter a trajetória da dívida pública, Simone Tebet prevê nova âncora fiscal apenas no fim de 2026

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, anunciou a morte do arcabouço fiscal. Em entrevista à GloboNews, Tebet afirmou que o próximo presidente da República, seja ele quem for, não conseguirá governar o País com o dispositivo proposto pelo atual governo “sem gerar inflação, dívida e detonar a economia”. Para ela, no entanto, a próxima “janela de oportunidade” para um ajuste estrutural nas contas públicas será no fim do ano que vem. Ou seja, não é este governo que pretende fazê-lo.

“Então, nós temos uma janela de oportunidade que não é agora, é em novembro e dezembro de 2026, seja o presidente Lula o candidato reeleito, seja outro candidato eleito, de fazer o fiscal, cortar gastos, cortar o supérfluo, fazer uma política num arcabouço mais rigoroso, que não mate o paciente, obviamente”, disse a ministra.

A declaração de Tebet não surpreende quem acompanha a evolução das contas públicas, mas quando a admissão do fracasso vem de uma ministra da equipe econômica, é porque não há mais como dourar a pílula. O arcabouço, assim como seu antecessor, o teto de gastos, já não serve nem mesmo para salvar o discurso do governo.

Para que o arcabouço tivesse alguma chance de sucesso, seu limite de despesas teria de ter um caráter anticíclico e incidir sobre todos os gastos da União. Mas o governo preferiu um dispositivo que privilegiasse o crescimento real das despesas e apostou na recuperação de receitas para obter resultados primários melhores. Deu no que deu.

Durante a tramitação da proposta no Congresso, os problemas do arcabouço foram agravados, e quem mais contribuiu para enfraquecer o dispositivo foram os parlamentares do PT, ao defender a retomada dos pisos constitucionais de saúde e educação e a política de aumento real do salário mínimo, com regras de reajuste próprias à revelia do arcabouço fiscal.

Era, portanto, questão de tempo para que o dispositivo passasse a comprimir despesas discricionárias, como investimentos e emendas parlamentares, e tivesse o mesmo destino de seu antecessor, o falecido teto de gastos. Mas o teto ainda teve a virtude de sobreviver cinco anos até ser destruído por Jair Bolsonaro, ao contrário do arcabouço, deturpado pelo próprio governo que o elaborou.

Bem que Tebet tentou salvá-lo, mas todas as suas propostas de revisão de gastos públicos, como a desvinculação do salário mínimo de benefícios assistenciais, foram rechaçadas pela então presidente do PT, Gleisi Hoffmann, hoje alçada ao cargo de ministra da Secretaria de Relações Institucionais do governo.

Qualquer governo minimamente responsável assumiria a tarefa de criar uma nova âncora fiscal para substituir um arcabouço que, como a própria ministra falou, não tem sido capaz de domar a inflação e conter a dívida. Mas Tebet confirmou que, neste governo, isso não ocorrerá – e, se ocorrer, isso se dará somente entre o fim da disputa eleitoral e o início do próximo mandato presidencial, um cenário que depende da reeleição para se concretizar.

Dois meses já não seriam suficientes para discutir uma regra fiscal perene e robusta e submetê-la ao Congresso. Mas foi exatamente nesse período de transição que o Legislativo aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que ampliou os gastos do Orçamento em R$ 168 bilhões sem que houvesse recomposição de receitas para cobri-los.

A tal janela de oportunidade que a ministra enxerga serviu como janela de oportunismo: no caso da PEC da Transição, a administração Bolsonaro lavou as mãos, o Congresso se refestelou com as emendas parlamentares e o governo eleito conseguiu elevar despesas muito além do necessário para recompor o Orçamento sem ter de assumir a responsabilidade de garantir receitas para arcar com elas. Partindo dessa base, não havia, de fato, como um arcabouço fiscal frouxo já de saída prosperar.

A cândida admissão de Tebet só revela a pusilanimidade de um governo que pode até saber o que realmente precisa ser feito pelo País, mas que, parafraseando uma ex-presidente da República, prefere fazer o diabo para ser reeleito.

Vitória do jornalismo

O Estado de S. Paulo

STF reafirma o óbvio: é o entrevistado que responde pelo que diz em entrevista, e não o veículo

Diante de um caso isolado de mau jornalismo levado à sua apreciação, o Supremo Tribunal Federal (STF) não deveria ter fixado uma tese de repercussão geral estabelecendo critérios para a punição civil de todos os meios de comunicação por eventuais crimes contra a honra cometidos por seus entrevistados. Deveria ser pacífico que é do entrevistado a responsabilidade pelo diz em uma entrevista, e não do veículo que a publica.

Mas assim fez a Corte, em novembro de 2023, ao julgar um recurso impetrado pelo Diário de Pernambuco. O jornal em questão foi condenado a pagar uma indenização por ter publicado uma entrevista escancaradamente mentirosa na qual o delegado Wandenkolk Wanderley acusara o ex-deputado petista Ricardo Zarattini Filho de ter participado do atentado à bomba no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, em 1966. À época da publicação da entrevista, já era sobejamente sabido que Zarattini Filho não teve qualquer participação naquele crime. Para piorar, a tese de repercussão geral fixada pelo STF era por demais vaga, dando azo à constrição da liberdade de imprensa. Não é absurdo imaginar que muitos veículos deixariam de realizar entrevistas por receio de serem punidos pelo que diriam suas fontes.

Em face desse enorme risco à plenitude de uma garantia constitucional, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apresentou embargos de declaração ao STF pedindo que a Corte fosse mais clara, corrigindo as omissões, contradições e obscuridades do acórdão de 2023. A bem do jornalismo profissional – livre, ético e responsável – e do direito à informação da sociedade, no dia 20 passado os ministros acolheram o recurso da Abraji por unanimidade e reformularam a redação da tese de repercussão geral (Tema 995).

A nova redação da tese de repercussão geral é, de fato, muito mais clara do que a anterior. Como regra geral, ficou estabelecido que os meios de comunicação não são responsáveis por entrevistas concedidas por terceiros, exceto: (i) pelo dolo demonstrado em razão do conhecimento prévio da falsidade da declaração, ou (ii) culpa grave decorrente da evidente negligência na apuração da veracidade do fato e na sua divulgação ao público sem resposta do terceiro ofendido ou, ao menos, de busca do contraditório pelo veículo.

Dito isso, ainda há sérias dúvidas quanto ao exercício do direito de resposta de ofendidos ao vivo. Ao mesmo tempo em que decidiu que, “na hipótese de entrevistas realizadas e transmitidas ao vivo, fica excluída a responsabilidade do veículo por ato exclusivo de terceiro”, o STF determinou que à vítima de crime deve “ser assegurado o exercício do direito de resposta em iguais condições, espaço e destaque”. Evidentemente, essa confusão atingirá a parcela mínima dos meios de comunicação profissionais que praticam mau jornalismo, pois esse tipo de cuidado é praxe comezinha em qualquer veículo sério e cioso de sua responsabilidade social. Ainda assim, é mais um dano colateral da decisão do STF que, na prática, tenta regular a atividade jornalística em vez de simplesmente dizer o que pode e o que não pode à luz da Constituição.

Trump deixa o mundo em transe

Correio Braziliense

A coerência mais marcante da trajetória de Trump nesses 60 dias na presidência dos EUA é a imprevisibilidade. Seu retorno mergulhou novamente a maior democracia do mundo em um ciclo de tensão interna e desconfiança global

Após a Justiça suspender várias medidas polêmicas anunciadas desde o início de seu governo, Donald Trump dirigiu ameaças, nesta quinta-feira, à Suprema Corte dos Estados Unidos com um post sem precedentes na história da democracia norte-americana: "Se o juiz Roberts e a Suprema Corte dos Estados Unidos não resolverem essa situação tóxica e sem precedentes imediatamente, nosso país terá problemas sérios!", escreveu Trump, em sua rede social, Truth.

Na véspera, o republicano havia sido repreendido pelo presidente da Suprema Corte, John Roberts, por ter pedido o impeachment de um juiz, a quem também chamou de "lunático". Ontem, o juiz atacado por Trump, James Boasberg, ordenou que o governo dê mais explicações sobre o descumprimento de sua ordem de suspensão de um voo com deportados no sábado.

Esse é mais um estresse provocado pelas decisões surpreendentes e voluntaristas do novo presidente dos Estados Unidos. Em dois meses de governo, completados também na quinta-feira, Donald Trump deixou não somente a política e a economia de seu país em transe, mas também o mundo inteiro.

Entre outras decisões polêmicas, reativou o programa Permaneça no México, que exige que solicitantes de asilo permaneçam no país latino enquanto seus casos são processados; e declarou emergência na fronteira com a nação vizinha, retomando os investimentos na construção do muro para barrar o ingresso de imigrantes.

Os EUA se retiraram da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, revertendo a participação estabelecida pelo governo anterior. Trump iniciou investigações sobre supostas práticas comerciais "desleais" de países com os quais os Estados Unidos têm deficit comercial, com foco na China e em acordos com México e Canadá, principalmente.

Ordenou, ainda, a ampliação da exploração de recursos energéticos, eliminando proteções ambientais e impondo restrições à energia eólica offshore. Declarou emergência nacional no setor energético. 

Implementou uma reforma drástica na administração pública, resultando em demissões em massa e reorganização de agências federais, sob a liderança do empresário Elon Musk. Foram encerrados programas de diversidade, equidade e inclusão na administração federal.

Trump concedeu um indulto geral aos participantes do ataque ao Capitólio ocorrido em 6 de janeiro de 2021. Classificou os cartéis de drogas como organizações terroristas. 

Essas ações refletem uma guinada significativa na direção política, econômica e social dos Estados Unidos sob a liderança do republicano e que gera debates e reações tanto no âmbito doméstico quanto internacional.

No plano externo, passou a negociar diretamente com a Rússia a paz na Ucrânia, com cessão de territórios ocupados, e a apoiar a retomada das ações militares de Israel com objetivo de anexar um pedaço da Faixa de Gaza, o que rompe as negociações de paz. Praticamente rompeu o pacto de segurança com seus aliados da Europa.

A coerência mais marcante dessa trajetória de 60 dias na presidência dos EUA é a imprevisibilidade. O retorno de Trump ao poder, longe de trazer estabilidade, mergulhou novamente a maior democracia do mundo em um ciclo de tensão interna e desconfiança global. Sua popularidade em queda — captada pelas últimas pesquisas — é mais do que um dado estatístico. É o reflexo de uma turbulência que pôs o mundo em transe.


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