Revista Veja
Os dilemas do Brasil aos quarenta anos do fim
da ditadura
A comemoração dos quarenta anos do fim da
ditadura faz lembrar que a democracia não ocorreu naturalmente. Ela foi
resultado de uma engenharia política que uniu adversários radicalmente
antagônicos. A data também provoca reflexão sobre as conquistas realizadas e as
promessas não cumpridas no período. Desperta para a necessidade de os líderes
atuais se unirem por uma causa comum: superar as amarras que dificultam a
construção do Brasil que desejamos.
A democracia fez uma Constituição Cidadã, implantou o SUS, criou o Real, acabou com a censura, recuperou a liberdade, montou uma rede de transferência de renda que reduz a penúria de metade da população do país e aumentou o número de alunos no ensino superior, inclusive com a adoção de cotas raciais e sociais. Mas o país continua com a mesma baixa renda per capita, sem mudar a concentração de riqueza em pequena parte da população. Mantemos a péssima posição internacional na qualidade da educação e na desigualdade com que ela é oferecida. O número de adultos analfabetos continua praticamente o mesmo. Não temos uma estratégia para abolir a pobreza e dar à população instrumentos para sobreviver sem necessidade de políticas de compensação.
“Não temos uma estratégia para abolir a
pobreza e dar à população instrumentos para sobreviver”
Continuamos, enfim,
sendo um país distante da inovação tecnológica, agora especialmente, com os
avanços extraordinários da inteligência artificial. Seguimos sem estratégia de
desenvolvimento para a economia do futuro, baseada no conhecimento e na diversidade
ecológica.
O Brasil ficou democrático, mas segue
estagnado em seu projeto de desenvolvimento e de civilização. Aumentou a
corrupção direta e indireta sob a forma de privilégios. A violência urbana se
ampliou e a desigualdade se aprofundou, ampliando o fosso social. Há
corporações sem sentimento nacional, com políticos polarizados em extremos. A
estabilidade monetária é frágil, por falta de responsabilidade fiscal. Há cada
vez mais estudantes universitários e, contudo, esquecemos a educação de base.
Quase meio século depois do fim da ditadura,
ainda precisamos que os artistas defendam democracia, como fez o excelente
filme de Walter Salles, Ainda
Estou Aqui. Mas é fundamental, de uma vez por todas, que a classe
política abra caminhos que nos mostrem como “sair daqui”, escapando do beco da
ineficiência e da desigualdade. É preciso força para alimentarmos um Estado
eficiente e justo, de renda bem distribuída. Deve-se buscar sem descanso uma
sociedade inclusiva e pacífica. Rubens Paiva foi assassinado porque tinha um
sonho para o Brasil, o da democracia. É anseio que ainda existe, ainda que
tenhamos dado passos fundamentais. Mas estamos muito longe, reafirme-se, da
nação civilizada que podemos ser. Em 1985, os líderes se uniram para derrotar a
ditadura e por cinco anos o governo Sarney consolidou o marco democrático.
Agora, quarenta anos depois, a democracia deve ser a força motriz de um novo
passo. Já não basta o fundamental brado: “viva a democracia”. Trata-se de
incrementar a democracia viva.
*Publicado em VEJA de 21 de março de
2025, edição nº
2936
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