sábado, 22 de março de 2025

Mais dinheiro, mais juros – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Famílias estão com o orçamento apertado por causa da inflação elevada e precisam recompor seus gastos

Semana intensa na economia, aqui e lá fora. E reveladora de contradições em andamento. Comecemos pelas locais.

Antes, uma questão preliminar. O Banco Central integra ou não o governo? Mais exatamente, o BC faz parte da política econômica? Sim e não. Sim, porque toda a diretoria do BC é indicada pelo presidente da República. Sim, também, porque o BC decide a taxa básica de juros, fator essencial no andamento da economia. Mas não, porque o BC tem independência para fixar aquela taxa, podendo colocá-la em níveis que não interessam ao governo de plantão.

Aconteceu de novo nesta semana. O governo apresentou sua proposta de mudança no Imposto de Renda, com uma medida essencial: a isenção para quem ganha até R$ 5 mil e descontos para quem vai daí até R$ 7 mil. Sobrará mais dinheiro no orçamento das famílias incluídas nessas faixas salariais. Quanto? Há divergências. Para o Ministério da Fazenda, algo como R$ 27 bilhões. Para analistas independentes, é mais que isso. Saíram vários cálculos — até prevendo perda de arrecadação de mais de R$ 50 bilhões, diferença enorme em relação à estimativa oficial.

Ficamos na dúvida, a ser debelada durante a tramitação da proposta no Congresso. Mas há unanimidade quanto ao destino do dinheiro: o consumo. As famílias estão com o orçamento apertado por causa da inflação elevada e precisam recompor seus gastos. Ora, estímulo ao consumo, nesse caso, ou facilita a alta da inflação ou dificulta a queda. Alguns economistas chegaram a estimar o potencial inflacionário dessa isenção de impostos.

Isso é conta para 2026, quando a reforma do IR tiver sido aprovada, mas entra necessariamente nos cenários do Banco Central, que tem o objetivo de colocar a inflação mais perto da meta em algum momento do próximo ano. Ocorre que esse mesmo Banco Central está num ciclo de alta de taxa básica de juros, justamente com o objetivo de esfriar o consumo e cortar as asas da inflação.

Tem mais: entrou em vigor ontem um sistema que facilita a tomada de empréstimo pelos trabalhadores com carteira assinada, um universo de 40 milhões. Como serão empréstimos consignados, com garantia em recursos do FGTS, os juros cobrados pelos bancos deverão ser bem menores do que aqueles oferecidos atualmente no crédito pessoal. Até a tarde de ontem, mais de 10 milhões haviam entrado no sistema para simular as condições do empréstimo. Dez milhões em poucas horas!

De novo: inflação alta, orçamento apertado, tomar dinheiro emprestado pode ser um alívio. Tem aqui uma coisa meio que absurda: a garantia do empréstimo será o dinheiro do próprio trabalhador depositado no FGTS. É como se alguém, tendo dinheiro no banco rendendo muito pouco, desse esse valor em garantia para um empréstimo em que pagará juros mais caros. Por que não permitem o saque direto na conta do FGTS?

De qualquer modo, o dinheiro tomado emprestado, na casa dos bilhões, vai para o consumo ou para pagar dívidas mais caras, nos dois casos aliviando os orçamentos familiares. O presidente Lula comemorou esse consignado como um dos grandes lances de seu governo, especialmente neste momento de baixa popularidade. E garantiu que a economia crescerá mais de 3% neste ano.

Na mesma semana, o “seu” Banco Central elevou a taxa básica de juros para 14,25% e anunciou pelo menos uma outra alta na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Isso porque considerou ainda “incipientes” os sinais de desaquecimento da economia, que é o objetivo do BC. Eis o ponto: o governo puxa para um lado, e seu braço independente puxa para outro.

Guardadas as diferenças, a contradição ocorre também nos Estados Unidos. Trump promete acabar com a inflação e levar a economia para uma “era de ouro”. E toca tarifas nos importados. E o Federal Reserve (Fed, o BC deles) anota que a economia está desacelerando e registra que as tarifas provocarão alta na inflação.

Presidentes populistas não gostam de bancos centrais, a menos que possam mandar neles. Muitas vezes conseguem.

 

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