Folha de S. Paulo
Suprema Corte terá a resiliência demonstrada
pelo STF?
Subjugar o Poder Judiciário é um passo
essencial na cartilha do populismo autoritário. Foi assim na Venezuela, de
Chávez, na Rússia,
de Putin, na Hungria,
de Orbán, e na Turquia, de
Erdogan. Em todos esses países a erosão do império da lei passou por ataques ao
sistema de Justiça, seguidos da captura e subordinação dos tribunais pelo poder
político.
A escala de ataques a juízes federais
nos Estados
Unidos não é um bom presságio. O atual governo está não apenas
seguindo a malfadada cartilha populista como ampliando o seu repertório ao
ameaçar escritórios de advocacia que estejam patrocinando ações contrárias aos
interesses do governo, alerta Steven Levitski, autor de "Como as
Democracias Morrem".
A partir de uma interpretação cesarista das prerrogativas do Poder Executivo, ideólogos do presidente têm proposto uma verdadeira subversão do sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição, buscando afastar do legislador e, sobretudo, dos juízes a competência para controlar os atos do Executivo.
As ameaças de impeachment têm sido empregadas
como um instrumento de intimidação dos magistrados, não apenas pelo presidente.
Elon Musk lançou uma campanha pública e fez doações para membros do Congresso
dispostos a promover o impeachment de juízes que se oponham ao governo. Isso
levou o recatado e conservador John Roberts, presidente da Suprema Corte, a
emitir nota afirmando que "o impeachment não é uma resposta apropriada
quando se discorda de decisões judiciais".
Difícil prever se o Judiciário
norte-americano, tido como um dos mais independentes e poderosos do mundo, terá
a resiliência demonstrada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro ou pela
Suprema Corte de Israel, que sobreviveram às investidas de Bolsonaro e
Netanyahu.
Como nos lembra Alexander Hamilton, um dos
pais fundadores da Constituição norte-americana, o Judiciário não tem nem a
bolsa nem a espada para se impor. Conta apenas com a autoridade de suas
decisões e com a lealdade dos atores políticos e cidadãos para sobreviver.
Se é verdade que o eleitor tradicionalmente
tende a punir políticos que descumpram decisões judiciais ou ameacem a
independência dos tribunais, a última eleição norte-americana pode estar
estabelecendo um novo paradigma na medida em que o confronto com o Judiciário
constituiu parte explícita da agenda premiada pelo eleitor.
Essa nova dinâmica incorporada ao projeto de
subversão do Estado de Direito tem levado algumas democracias, como a alemã, a
fortalecerem as barreiras de proteção aos seus tribunais.
No Brasil, onde os ataques também têm
escalado, é imperativo que o próprio sistema de Justiça reduza suas
vulnerabilidades, aumentando a eficiência, a integridade e a imparcialidade na
aplicação da lei, assim como reduzindo privilégios corporativos inaceitáveis.
Na esfera do Supremo, o mais urgente seria
reduzir radicalmente as decisões monocráticas. O emprego abusivo dessas
decisões cria enorme instabilidade e grave insegurança jurídica. O Supremo
também precisa adotar um código de conduta que contribua para a preservação de
sua autoridade e integridade. O STF também tem
o desafio de não errar no julgamento daquele que quis subjugá-lo.
A cartilha do populismo autoritário,
atualizada por Trump, certamente inspirará políticos ambiciosos e oportunistas
a aumentar os ataques ao Judiciário ao redor do mundo.
Não há por que acreditar que aqui será
diferente.
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