O protecionismo e a proposta de taxação do fluxo financeiro buscam
Donald Trump e seus assessores lançaram um
petardo contra o livre movimento de capitais, um dos bastiões da economia
financeiramente globalizada. A proposta trumpista de taxar os ingressos de
capitais na economia norte-americana busca atenuar a valorização do dólar e,
assim, conter seus efeitos sobre a competitividade das exportações de Tio Sam.
Gillian Tett, colunista do Financial Times,
escreveu recentemente sobre as consequências prováveis da taxação dos capitais
em livre movimento:
“O economista Michael Pettis vê essas
entradas de capital não ‘apenas’ como o corolário inevitável do déficit
comercial dos Estados Unidos, mas como uma maldição debilitante. Isso ocorre
porque as entradas aumentam o valor do dólar, fomentam a financeirização
excessiva e esvaziam a base industrial dos Estados Unidos, diz ele, o que
significa que ‘o capital (financeiro) se tornou o rabo que abana o cachorro do
comércio’, gerando déficits”.
A proposta de Donald Trump aponta para o verdadeiro sentido da globalização: o acirramento da concorrência inserida em uma estrutura financeira global monetariamente hierarquizada e comandada pelo poder do dólar. Sob os auspícios do capital financeiro e de um sistema monetário-financeiro internacional assimétrico, ocorreu a brutal centralização do controle das decisões de produção, localização e utilização dos lucros em um núcleo reduzido de grandes empresas e instituições financeiras à escala mundial.
A centralização do controle comandada pelos
mercados financeiros impulsionou e foi impulsionada pela fragmentação espacial
da produção.
O artigo “Neoliberalism: Oversold?”, de
economistas do FMI,
aborda os efeitos de duas políticas inscritas na agenda da globalização: a
remoção das restrições ao movimento de capitais (liberalização das contas de
capital) e a consolidação fiscal (“austeridade” para reduzir déficits fiscais e
o nível da dívida). O estudo afirma que influxos de capitais, como investimento
direto estrangeiro, parecem impulsionar o crescimento no longo prazo. Na
contramão, o impacto de investimentos de portfólio – especialmente, os
influxos de aplicações especulativas de curto prazo – afeta as relações, não
estimula o crescimento e, muito menos, garante um financiamento estável do
balanço de pagamentos.
A ocorrência, desde 1980, de,
aproximadamente, 150 convulsões com influxos de capitais em mais de 50 mercados
emergentes credencia a reivindicação do economista de Harvard Dani Rodrik, de
que esses episódios “dificilmente são efeitos ou defeitos secundários nos
fluxos de capital internacional, eles são a história principal”.
A continuada desvalorização do dólar ao longo
dos anos 70 do século passado foi enfrentada com a elevação da policy rate,
deflagrada por Paul Volcker em 1979. A elevação dos juros foi apresentada,
então, como uma medida destinada a alcançar o objetivo doméstico de controle da
inflação, mas o efeito mais relevante para a economia internacional foi a
recuperação do papel do dólar como moeda de reserva.
A recuperação da força do dólar, como moeda
de reserva e de denominação das transações comerciais e financeiras, promoveu
profundas alterações na estrutura e na dinâmica da economia mundial. A partir
do início dos anos 80, intensificou-se o movimento de migração da indústria
manufatureira para as regiões nas quais prevalecia uma relação câmbio/salários
mais competitiva e ampliaram-se os desequilíbrios nos balanços de pagamentos
entre os EUA, a Ásia e a Europa.
Nas três décadas seguintes, à sombra do
fortalecimento do dólar, os Estados Unidos promoveram as políticas de abertura
comercial e impuseram a liberalização financeira urbi et orbi. Assim, suas
empresas encontraram o caminho mais rápido e desimpedido para a migração
produtiva, enquanto seus bancos foram investidos plenamente na função de
gestores da finança e da moeda universais. Nesse período, os deslocamentos
tectônicos na economia mundial – particularmente, a ascensão da China como
potência manufatureira – produziram mais um episódio fascinante das
transformações geoeconômicas.
O fortalecimento do dólar estimulou e
sustentou o avanço da industrialização chinesa mediante a migração das empresas
industriais norte-americanas e europeias. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos
sofreram as dores da desindustrialização.
O protecionismo trumpista e a proposta de
taxação dos capitais financeiros em livre movimentação exprimem as
transformações ocorridas na economia global. Trata-se, portanto, de um fenômeno
sistêmico e não de um incidente eventual.
*Publicado na edição n° 1354 de CartaCapital, em 26 de março de 2025.
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