O Globo
Depois de tomar um redondo “não” do
deputado Pedro
Lucas Fernandes, do União
Brasil, o presidente Lula até
ameaçou tirar do partido a indicação do próximo ministro das Comunicações. Dado
o naipe do desaforo, fazia sentido. Já houve quem, ao ser sondado para um
ministério, tenha preferido não aceitar. O que nunca aconteceu foi o sujeito
ser confirmado publicamente, enrolar o governo por dias e depois recusar o
cargo porque acha mais vantagem ser o líder de sua bancada no Congresso.
Só que Lula, que ao final foi quem menos
opinou na escolha do próprio ministro, não tinha condição de fazer nada disso.
E não só conteve a irritação pela humilhação pública, como ofereceu a Davi
Alcolumbre (AP), seu único aliado de fato no União Brasil, a
oportunidade de indicar outro parceiro. Que deve ser o presidente da Telebras,
Frederico Siqueira, vendido como um “nome técnico”, mas escolhido por
conveniência política.
Para tentar diminuir o tamanho do vexame, lulistas passaram a disseminar a versão de que foi a melhor solução, já que assim Pedro Lucas poderá continuar garantindo o apoio do partido ao governo na Câmara, enquanto o ministro “técnico” contentaria Davi Alcolumbre e por tabela a bancada do União do Senado Federal.
A tese é interessante, mas não encontra
respaldo na realidade. Basta ver a lista de deputados do União Brasil que
assinaram pedido de urgência para a votação do projeto que anistia os golpistas
do 8 de Janeiro e abre brecha para anular a inelegibilidade de Jair
Bolsonaro. Impedir a aprovação da proposta é prioridade zero de Lula. Ainda
assim, dos 59 deputados do partido, 40 subscreveram o pedido. Isso mostra que a
liderança de Pedro Lucas não fez essa diferença toda para o governo, ainda mais
em tempos de popularidade em baixa.
A explicação para as dificuldades no
Congresso é conhecida. Com a criação das emendas orçamentárias impositivas,
cada deputado e senador tem garantidos dezenas de milhões de reais para
distribuir em suas bases, sem precisar pedir nem entregar nada ao Executivo — o
que mudou completamente a lógica da negociação de apoios e votações.
Mas esse quadro não é novo. E, passados mais
de dois anos de mandato, Lula ainda não conseguiu uma forma eficiente de lidar
com ele. No Senado Federal, o governo até conseguiu firmar uma aliança com o
presidente Alcolumbre, em troca de muitos cargos e poder na máquina federal.
Mas na Câmara
dos Deputados, onde o bolsonarismo e o Centrão são forças bem mais
relevantes, depender apenas de Hugo Motta (Republicanos-PB)
tem se mostrado uma opção bem arriscada. O avanço da proposta de anistia é a
prova disso.
Depois de confiar na avaliação de seus
líderes de que o texto não teria as assinaturas necessárias para tramitar em
regime de urgência — e se dar mal —, a equipe da ministra Gleisi
Hoffmann tentou convencer os deputados que subscreveram o projeto a
recuar, ameaçando com a perda de cargos na máquina federal. Só então descobriu
que não tem sequer um mapa preciso e atualizado de quem manda em quem e onde.
Restou confiar que Hugo Motta não colocará o projeto em votação.
A questão é que, mesmo que ele cumpra a
promessa, não muda o fato de o governo continuar sem ter a mais vaga ideia de
como conquistar uma massa de deputados que não lhe deve nada e está mais
preocupada com a própria reeleição.
Dominar essa “tecnologia” seria essencial
numa reta final de mandato em que Lula precisará de apoio para aprovar projetos
que podem funcionar como passaporte para a reeleição, como a isenção do Imposto
de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. O relator é Arthur Lira (PP-AL), o que
por si já indica que não será um passeio no parque.
Além disso, já tem gente preparando emendas
com potencial para desfigurar o projeto, prevendo o aumento da isenção,
mudanças nas formas de compensar a perda de arrecadação ou mesmo a eliminação
de qualquer compensação. O risco de uma votação malconduzida acabar criando uma
bomba fiscal para o governo não é nada desprezível.
Nos governos Lula 1 ou 2, o próprio
presidente entraria em campo ou teria à mão operadores mais experientes e
atentos ao varejo do Parlamento. Lula 3 depende do Centrão e dos Pedros Lucas
da vida. A única coisa fácil de prever é que vêm por aí tempos emocionantes
em Brasília.
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