O Globo
A operação realizada, nesta quarta-feira,
pela Polícia
Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU)
combater descontos associativos não autorizados feitos por sindicatos em
aposentadorias e pensões, que
levou ao afastamento do presidente do INSS, é importante e tardia,
dizem as entidades de defesa do consumidor que desde 2010 denunciam fraudes
nessas operações. Entre 2019 e 2024, foram descontados R$ 6,3 bilhões. Não se
pode dizer que todas as operações são fraudulentas, mas uma amostra com 1,3 mil
aposentados e pensionistas, feita pela CGU, aponta 97% disseram que haviam sido
descontados sem autorização. O que levou o próprio ministro da CGU, Vinicius
Carvalho, a indicar que boa parte sim, deve ser fraudulenta. Marcia Moro,
presidente da Associação Brasileira de Proncons (Procons Brasil), diz que a
grande preocupação das entidades de defesa do consumidor é com a indenização de
aposentados e pensionista. Ele ressalta que muitos sequer têm consciência de
que foram alvo da fraude:
- Ao vermos a operação de hoje, a sensação é de que finalmente fomos ouvidos. Essa fraude já acontece há muito tempo, mas aumentou exponencialmente a partir de 2023. Fizemos várias denúncias, tivemos reunião com o presidente do INSS no ano passado, bastaria ter suspendido os descontos e só autorizar com documentos comprobatórios. Mas isso não foi feito. Até aqui, o que víamos era um dano cometido em massa e poucas e insuficientes indenizações concedidas individualmente. Esse cenário fez essa fraude ser muito lucrativa. Até porque muitos aposentados e pensionistas são hipervulneráveis e têm dificuldade de identificar o desconto indevido e sequer reclamam. Como será feita essa indenização a todos os afetados é a nossa maior preocupação no momento .
A economista Ione Amorim, que se dedicou ao
tema por mais de uma década em atuação no Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec), reforça a dificuldade de parte dos prejudicados em
identificar os descontos indevidos.
- Há casos em que quando um familiar chegava
a identificar a fraude, o desconto já tinha mais de um ano. O acesso ao Meu
INSS para muitos idosos é muito arriscado. Há dificuldade de entendimento, de
navegação e acesso à meios eletrônicos, limitações visuais, alfabetização.
Essas situações fragilizam a proteção dessa parcela da população. O
cancelamento pelo aplicativo do meu INSS tem uma burocracia super complexa, o
que favorece muito a atuação dessas empresas. Mesmo diante da exigência do
termo de adesão, que não enviam, as empresas continuaram fazendo os descontos -
ressalta a economista.
O ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, disse durante a coletiva que as indenizações serão examinadas
individualmente.
- Evidentemente, mediante requisição,
mediante apuração interna, esse dinheiro um dia terá que ser restituído para
aqueles dos quais foi retirado indevidamente.
Segundo o ministro Carlos Lupi, há atualmente
40,6 milhões beneficiários da Previdência, seis milhões têm descontos
associativos. As associações e sindicatos investigados na operação desta
quarta-feira representam cerca de 80% de todos esses descontos.
- Nós queremos punir exemplarmente qualquer
cidadão e cidadã que tenha cometido erros, malfeitos, crimes. E, repito, o
nosso papel, a orientação do presidente Lula, é defender os nossos aposentados
e pensionistas. E, por isso, nós estamos agindo. Agora, quanto à questão da
devolução, como falou o ministro Lewandowski, cada caso é um caso, nós vamos
aguardar o desfecho dessa operação.
O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei
Rodrigues, destacou que foram apreendidos mais de R$ 1 bilhão - entre dinheiro
em espécie, carros e outros bens - na operação de hoje e que este montante será
bloqueado para possível indenização às vítimas.
- E veja que cada unidade da federação com
seu respectivo inquérito tem as suas particularidades, algumas o foco é na
questão da falsificação de documentos, outra na corrupção, outra no crime
organizado, enfim, são diferentes pontos e que nos permitiu essa fase da
investigação, sim, já identificar alguns operadores financeiros e algumas
pessoas jurídicas e físicas destinatárias dos valores. Por isso que eu disse
que conseguimos comprovar nossa hipótese criminal, toda investigação da Polícia
Federal, é importante que se diga, ela tem um anteparo técnico que estabelece
as hipóteses criminais, ou seja, onde a gente quer chegar e qual a estratégia
para lá, para alcançar esse objetivo, e a partir daí percorremos as trilhas. E
nesse caso, repito, de maneira inicial, é o começo da investigação, conseguimos
esse mapeamento, em tanto que hoje, cito aqui apenas um exemplo de um único
alvo, foram apreendidos vários carros, Ferrari, Rolls Royce, em mais de
avaliados e mais de R$ 15 milhões em um único alvo, mais de US$ 200 mil, mais
de 150 mil com outro, mais não sei quantos mil euros com outro. Então, acho que
isso por si só aponta a gravidade daquilo que estamos falando, e o tiro certo
que demos nessa investigação, sempre reafirmando essa parceria e esse apoio
recíproco que nos damos aqui, Ministério da Justiça, Polícia Federal e
Controladoria.
Igor Britto, diretor executivo do Idec, diz
que não existe família neste país que não tenho sido afetada alguma vez pelo
vazamento de dados de aposentados e pensionistas.
- É óbvio que acontecem crimes dentro das
estruturas desses órgãos públicos, porque a facilidade com as quais pessoas de
fora conseguem acessar os sistemas do INSS para praticar golpes, cometer
fraudes ou para assediar pessoas idosas com ofertas de empréstimos, só é
possível acontecer com a conveniência ou participação direta de quem deveria
estar cuidando e protegendo os dados pessoais e os benefícios sociais. O INSS e
seus dirigentes são guardiões dos benefícios sociais, mas há muito tempo
estamos vendo os recursos dos beneficiários serem tomados por golpistas ou
capturados para remunerar os grandes bancos do país. Esperamos que os culpados
sejam encontrados e punidos. Mas não podemos esquecer que muitas grandes
empresas, como os bancos, estão se beneficiando disso tudo.
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