O Estado de S. Paulo
Ainda lembro bem do colega italiano Cesare de
Carlo, do La Nazione (Florença), arrastando afobado uma enorme mala pesada numa
das travessias do Muro de Berlim, e gritando “que disparano, que disparano”.
Era outubro de 1978 e junto do espanhol José Comas, do El País (Madrid),
tínhamos saído às pressas de Bonn, capital da então Alemanha Ocidental para
chegar, via Berlim Oriental e dali a Varsóvia, até Wadovice, um obscuro povoado
na Polônia comunista.
Éramos correspondentes estrangeiros em Bonn, e os mais próximos da terra natal de Karol Wojtyla, que havia acabado de ser eleito Papa João Paulo II. Um Papa vindo de um país comunista? Tinha sempre na cabeça a célebre frase atribuída a Stalin, quando lhe falaram da força do Vaticano: “quantas divisões (de exército) tem o Papa?”
Para mim começava uma longa jornada
profissional e pessoal para tentar entender o papel da religião nas grandes
mudanças políticas e a formidável presença das ideias na atuação de personagens
como o Papa. Ou na figura do Ayatollah Khomeini, pois no ano seguinte eu estava
cobrindo a Revolução Islâmica do Irã. Claro que economia importa, mas religião
– aquilo que as pessoas acreditam no fundo–éo decisivo.
Nas décadas seguintes tive a oportunidade de
cobrir alguns momentos relevantes não só no papado de João Paulo II, mas também
de seus sucessores, Bento XVI e Francisco. Minha impressão como repórter é ad
equem esmoàtes tadeu ma instituição sólida etão antiga quanto a Igreja nenhum
fugiu de sua biografia e formação.
Wojtyla cresceu sob o totalitarismo
comunista, e fez do combate a esse tipo de regime uma espécie de cruzada
pessoal. Ratzinger tinha da Baviera (da qual, na verdade, nunca saiu) a noção
do lugar do catolicismo perfeito e de exportação. Brilhante intelectual, com
grande sofisticação filosófica, foi vítima dela mesma, quando não percebeu como
uma rebuscada citação histórica (de um imperador bizantino do século 14) num de
seus mais importantes discursos ofenderia muçulmanos ao redor do mundo.
Para “fazer o perfil” (como se diz na antiga
gíria jornalística) de Jorge Maria Bergoglio fui a alguns de seus lugares
preferidos em Buenos Aires – entre eles um café tradicional na Plaza de Mayo e
uma “villa miseria” bem próxima à sede de seu time de futebol favorito, o San
Lorenzo. Francisco era bem um jesuíta, no seu espírito “prático” e combativo,
formado entre ditadura militar, desigualdade social e pobreza aumentando.
A Guerra Fria dos tempos de Wojtyla parece
fichinha perto da que se registra agora. O conflito no Oriente Médio continua
seguindo rachaduras de civilizações, e está piorando. E Francisco talvez tenha
decepcionado “progressistas”, que dele esperavam mais, e “conservadores”, para
os quais teria ido muito longe – num mundo ainda mais desigual, e escorregando
para uma grande desordem. Mas cada Papa foi um tipo de resposta ao espírito de
sua época. E isso importa.
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