quinta-feira, 24 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Operação da PF evidencia desleixo na gestão do INSS

O Globo

Investigação apurará tamanho da fraude em descontos que somaram R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024

Foi oportuna a operação deflagrada nesta quarta-feira pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU) para investigar descontos indevidos a aposentados e pensionistas do INSS, feitos por sindicatos e entidades associativas. Um dos alvos foi o presidente do instituto, Alessandro Stefanutto, afastado do cargo por determinação da Justiça — o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou demiti-lo depois que o escândalo veio à tona. Foram afastados também o procurador-geral do INSS, Virgílio Antônio de Oliveira Filho, e outros servidores. Segundo as investigações, entre 2019 e 2024 os descontos chegaram a R$ 6,3 bilhões, mas não se sabe ainda o total dos indevidos.

A operação, batizada de Sem Desconto, cumpriu mais de 200 mandados de busca e apreensão, inclusive no gabinete de Stefanutto e em sua casa, além de seis mandados de prisão temporária em pelo menos 13 estados e no Distrito Federal. Houve buscas também na Diretoria de Benefícios do INSS. A Justiça determinou o sequestro de bens no valor de mais de R$ 1 bilhão. Os acusados de desvios responderão pelos crimes de corrupção ativa, passiva, violação de sigilo funcional, falsificação de documento, organização criminosa e lavagem de dinheiro.

A operação era mais que necessária diante de fortes indícios de fraudes nos descontos associativos e da inércia do INSS. Como revelou reportagem do GLOBO com base em dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação, a arrecadação de sindicatos com mensalidades descontadas diretamente nos benefícios previdenciários quase triplicou nos últimos dois anos: passou de R$ 30,7 milhões em 2022 para R$ 88,6 milhões no ano passado.

Os descontos não são ilegais, desde que autorizados pelos beneficiários. Mas não parecia ser o caso. As queixas sobre descontos indevidos se acumulavam em canais de denúncias e escritórios de advocacia. O próprio INSS tinha conhecimento. Um relatório do instituto mostrou que entre maio de 2023 e maio de 2024 esse tipo de reclamação saltou quase 280%, de 26 mil para 98 mil. O comando do INSS alegava não saber por que a arrecadação dos sindicatos disparou.

Fora dos muros do INSS, a situação se revela cruel com aposentados e pensionistas. Não apenas pelos descontos indevidos, mas sobretudo porque eles atingem muitos cidadãos que não sabem ler ou escrever, nem têm intimidade com o mundo digital. Impossibilitados de conferir o contracheque no aplicativo do INSS, por vezes nem percebiam que eram roubados. Estavam à mercê dos fraudadores.

Espera-se que as investigações da PF e da CGU detalhem como os descontos não autorizados eram acolhidos pelo INSS e quais são os sindicatos e líderes sindicais responsáveis pelas fraudes. Ainda que não tenham sido informadas as acusações que justificaram a demissão de Stefanutto, é fundamental que se esclareça se a cúpula do INSS tinha conhecimento ou participação nas fraudes.

A operação da PF deixa patente o descontrole que impera em órgão tão vital para a administração. Por desleixo, inépcia ou má-fé, o INSS permitia que sindicatos e entidades associativas burlassem as normas e turbinassem seus ganhos lesando aposentados e pensionistas. Tudo isso poderia ter sido evitado se o INSS mantivesse o mínimo zelo pelo dinheiro do contribuinte.

Êxito gaúcho na segurança pública é inspiração para outros estados

O Globo

Depois de explodir, criminalidade caiu mais de 50% graças a políticas consistentes do governo estadual

Em bairros de classe média à noite, chamavam a atenção as ruas vazias. A sensação ao sair de um prédio e caminhar era de pânico. Assim era Porto Alegre em 2014, ano em que a cidade entrou no infame ranking das 50 mais violentas do mundo. Os dados sustentavam a impressão de derrota. Em 2011, houve 17,5 assassinatos por 100 mil habitantes no Rio Grande do Sul, taxa 45% acima da paulista, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em cinco anos, o índice gaúcho subiu a quase duas vezes e meia o de São Paulo. Somente a partir de 2017 a situação começou a melhorar de forma consistente. Como revelou reportagem do GLOBO, o Rio Grande do Sul registrou quedas acima de 50% em quatro tipos de crime de 2017 para cá: homicídios dolosos caíram 54%, latrocínios 78%, roubo de veículos 87% e os roubos a pedestres 78%.

A transformação na segurança gaúcha serve de exemplo a outros estados. Os segredos do sucesso foram: 1) participação direta do governador; 2) integração entre Executivo e Justiça; 3) destaque à Polícia Civil, com uso de inteligência e dados para definir ações de prevenção e combate. Foi central o programa RS Seguro. Subordinado ao gabinete do governador Eduardo Leite (PSDB), ele recebe diariamente informações de boletins de ocorrência. Os dados podem ser acessados por policiais, promotores e juízes. Feito o diagnóstico, são estabelecidas metas de redução da criminalidade nos 23 municípios mais violentos. A estratégia envolve repressão e dissuasão, com prisões seletivas e iniciativas de prevenção social. Esse arranjo aumenta as chances de êxito das intervenções policiais.

Um exemplo: depois que bandidos de uma facção criminosa deram início a uma guerra em dezembro, dois rapazes foram mortos numa barbearia em Porto Alegre. No dia seguinte, a região recebeu grande contingente de policiais. O objetivo não era aterrorizar os moradores, mas impedir o comércio de drogas e evitar novos embates. Também houve revista nas prisões onde operavam as lideranças criminosas. “Se não dermos importância extrema, a violência transborda”, disse ao GLOBO o delegado Márcio Souza, diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Quando há indícios de que os líderes presos estão envolvidos, eles são transferidos a prisões de segurança máxima.

O mapa da criminalidade no Rio Grande do Sul é dominado por facções locais, sem presença relevante das maiores nacionais, Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV). Mas isso não deve desestimular outros estados a reproduzir acertos do modelo gaúcho. No Brasil, não há padrão definido para o crime. O PCC nasceu e cresceu em São Paulo, estado com as menores taxas de homicídios. O Rio, berço do CV, tem taxa alta. No Norte e Nordeste, onde prevalecem grupos locais, os assassinatos atingem proporções epidêmicas. Seja qual for a situação, o combate à criminalidade deve contar com metas baseadas em dados fidedignos e atualizados, cooperação com a Justiça, ações coordenadas e atenção constante do governador.

País com alta dívida precisa de contas fiscais em ordem

Valor Econômico

Com riscos de crise em ascensão, continuar incentivando a economia com mais gastos, em vez de cortar despesas e guarnecer-se do futuro buscando superávits, é uma receita que pode conduzir a um desastre, diz o FMI

Em um cenário global repleto de grandes incertezas, países altamente endividados têm acima de tudo e em primeiro lugar que colocar a casa fiscal em ordem. O alerta do Monitor Fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI) deveria ser avaliado atentamente pelo governo do Brasil que, em 2025, terá o segundo maior déficit nominal (inclui juros) entre as principais economias, de 8,5% do PIB, só ultrapassado por pouco pelo da China (8,6% do PIB) que, no entanto, o financia com uma taxa real de juros irrisória (2%) na comparação com a enorme que é paga pelo Tesouro brasileiro (mais de 7,5%). O Brasil tem a má distinção de estar ao lado da França, África do Sul, Reino Unido, EUA e China como “contribuintes principais para o aumento do déficit público global”, segundo o FMI.

O endividamento público cresceu no mundo inteiro após a pandemia e agravou-se com as políticas monetárias restritivas adotadas para debelar a inflação subsequente. Agora, tornaram-se um fardo ainda mais preocupante diante da guerra tarifária do presidente Donald Trump, que obviamente afetará desproporcionalmente os países mais endividados. Para o Fundo, 53% dos países de baixa renda e 23% dos mercados emergentes têm alto risco de problemas com suas dívidas. Outros indicadores apontam que 54% dos países desenvolvidos e 51% dos emergentes ultrapassaram limites de resultados primários que levariam suas dívidas à estabilização em 2024. Para impedir que eles cresçam, seria necessário realizar um ajuste de 1,8 ponto percentual do PIB nos países ricos (exceto os EUA) e de 1 ponto percentual nos emergentes (excluída a China).

No agregado, o Monitor Fiscal mostra que a dívida pública global atingiu 95% do PIB e deve chegar a 100% ao fim da década, se não houver novas crises adiante. Mas as chances delas ocorrerem e serem graves aumentaram com a guerra tarifária e a instabilidade geopolítica, de forma que o endividamento total, nesse caso, chegaria a 127% já em 2027, em um cenário perturbador.

O FMI aponta três fatores principais para as perspectivas fiscais, que, no entanto, estão entrelaçados após as medidas de Trump: tarifas, incertezas e condições financeiras. No caso das tarifas, as consequências seriam desaceleração econômica, queda dos preços das commodities, redução das receitas fiscais e ampliação das despesas com juros, decorrentes de sua elevação nas principais economias para combater a inflação advinda das barreiras às importações. Os preços dos ativos se depreciam nessas condições, como está ocorrendo com moedas e ações, com impacto significativo nos mercados emergentes, alvos de possíveis fugas de capitais.

Em outra publicação, o Relatório de Estabilidade Financeira Global, o Fundo adverte que os ajustes nos preços dos ativos decorrentes das ações de Trump foram até agora comedidos diante de seu potencial destrutivo. Por isso, é muito provável que instabilidades futuras sejam ainda maiores do que as que ocorreram a partir do “dia da libertação” trumpista.

Os efeitos podem ser mais drásticos. Mercados voláteis podem trazer sérios problemas a instituições financeiras, em particular as que têm alto nível de alavancagem. Com stress financeiro e endividamento em alta, as condições financeiras já se tornaram adversas, o que eleva significativamente o risco de crises fiscais, mas não encerra o capítulo dos impactos. As incertezas geoeconômicas (como a ruptura EUA-China), segundo o FMI, poderão desencadear novas rodadas de vendas desenfreadas de ativos. Reviravoltas repentinas em políticas comerciais, de investimento, de cadeias de fornecimento e fluxos financeiros e de tecnologia estão associadas, para os economistas do Fundo, a um aumento de 4,5% do PIB na dívida pública a médio prazo. Esse aumento seria causado por maiores déficits fiscais, com despesas em alta e receitas em baixa, queda do PIB e aumento temporário dos juros de longo prazo. Assim, os riscos para países já altamente endividados “provavelmente se amplificarão em tempos de alta incerteza geoeconômica, como agora”.

A dívida bruta do Brasil há um bom tempo é maior que a dos emergentes. Nos cálculos do FMI, ela atingirá 92% do PIB este ano e encerrará a década em 99,4%, enquanto na média dos emergentes é de 73,6% em 2025 e 82% em 2030. A diferença do Brasil com os vizinhos latino-americanos, com endividamento de 71,6% e 77,2% respectivamente, é ainda maior. A dívida do Brasil só é inferior à dos países desenvolvidos, de 110,1% do PIB, que evolui com menor velocidade porque seus juros reais são muito menores que os cobrados dos papéis do Tesouro brasileiro. O Monitor Fiscal cita estudos empíricos com 75 economias avançadas e em desenvolvimento que indicam que 1 ponto percentual do PIB de aumento de despesas com juros resulta em queda de 0,6 ponto percentual do PIB nas despesas de médio prazo e 0,1 ponto do PIB nos investimentos públicos.

Com riscos de crise em ascensão, continuar incentivando a economia com mais gastos, em vez de cortar despesas e guarnecer-se do futuro buscando superávits, é uma receita que pode conduzir a um desastre. Mas o governo de Lula não crê que déficits fiscais sejam um problema - para alguns no Planalto são até uma solução.

Vexame em troca de ministro expõe fragilidade governista

Folha de S. Paulo

Ao recusar pasta das Comunicações, deputado Pedro Lucas constrange Lula e expõe debilidade de sua coalizão no Congresso

Pedro Lucas Fernandes é um deputado federal (União Brasil-MA) considerado governista dentro de seu partido, mas ele conseguiu, de uma só tacada, fazer mais do que muita gente da oposição: constrangeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e expôs toda a fragilidade da base aliada no Congresso Nacional.

Líder do União Brasil na Câmara, Pedro Lucas foi apresentado no dia 10 de abril como novo ministro das Comunicações. Substituiria seu correligionário Juscelino Filho, denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) sob acusação de corrupção passiva e outros crimes relacionados a suposto desvio de emendas.

Parecia tudo certo. O deputado até foi ao Palácio da Alvorada, onde participou de uma reunião com o próprio Lula, e teve seu nome anunciado pela ministra Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais).

Passados 12 dias, porém, ele recuou. "Minhas mais sinceras desculpas ao presidente Lula por não poder atender a esse convite. Recebo seu gesto com gratidão e reafirmo minha disposição para o diálogo institucional, sempre em favor do Brasil", disse em nota.

Pesou na decisão de Pedro Lucas o apelo de seu grupo político, preocupado com um possível enfraquecimento na Câmara caso se abrisse nova eleição para a liderança da bancada.

A atitude, por óbvio, irritou o governo, e variados dedos apontaram nas mais diversas direções, sem que se identificasse um culpado único pelo vexame.

Em uma tentativa pueril de mostrar força depois dessa desfeita, áulicos fizeram circular uma versão segundo a qual o União Brasil poderia perder espaço na máquina federal. O PSD, por exemplo, estaria de olho na pasta do Turismo, hoje chefiada pela sigla de Pedro Lucas.

Acredite quem quiser nessa ameaça, mas o fato é que o governo Lula não está em condições de pressionar nenhum aliado com representação no Legislativo —e muito menos um do tamanho do União Brasil, que tem a terceira maior bancada da Câmara, com 59 deputados, além de sete senadores, entre os quais Davi Alcolumbre (AP), presidente da Casa.

Verdade que, na atual composição, a base do Planalto no Congresso oferece parcas garantias de sucesso nas votações relevantes. As derrotas de Lula no campo parlamentar formam uma montanha que o petista não imaginaria nem nos piores pesadelos.

Nada simbolizou melhor essa situação do que a aprovação do requerimento de urgência ao projeto de lei que anistia condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023 —um desvio institucional que não interessa ao país. Dos 264 deputados que apoiaram a iniciativa, 61% são filiados a partidos da base governista.

Corrigir essa fragilidade talvez demande de Lula uma reforma ministerial efetiva, com maior repartição de poder entre os aliados. Para alegria da oposição, contudo, o presidente jamais deu mostras de entender esse princípio da governabilidade.

O impacto da maternidade no trabalho das mulheres

Folha de S. Paulo

Pesquisa mostra que mães são levadas à informalidade; é preciso conter problema com mais creches e licença-paternidade

O impacto da maternidade no trabalho das mulheres é verificado em diversos países e investigado há décadas pela vencedora do Prêmio Nobel de Economia de 2023, Claudia Goldin, mas o Brasil ainda insiste em abordá-lo com base em meras imposições legais.

Segundo trabalho da pesquisadora Janaína Feijó, da Fundação Getulio Vargas, com base na pesquisa por amostra de comicílios do IBGE, as taxas de participação no mercado de trabalho dos homens, pais e não pais, no último trimestre de 2024 foram de 92,2% e 89%, respectivamente, conforme noticiou o jornal Valor Econômico.

Já entre as mulheres, elas caem para 65% (com filhos) e 72% (sem filhos). A situação piora quando a prole tem de zero a 5 anos de idade, 58,9%, ante 72,2% no caso de os filhos terem entre 6 e 15 anos.

O estudo também mostra que a maternidade empurra o estrato feminino para a informalidade —trabalho doméstico ou privado sem carteira, por conta própria ou empregadores sem CNPJ.

As taxas são próximas entre homens sem filhos (36,9%) e com filhos (36%), e mais distantes entre mães (37%) e não mães (33%).

Há discrepâncias, ainda, em relação ao desemprego. A taxa nacional é de 4,5%, mas de 6,1% para mães e de 6% para as não mães, superando as de homens com filhos (2,7%) e sem (4%).

O mecanismo revelado pelos números é conhecido. Mulheres que, por cuidarem da família e do lar, largam o trabalho, têm dificuldade em serem contratadas, ocupam cargos menos remunerados porque não podem assumir a mesma carga horária dos homens ou vão para a informalidade em busca de tempo flexível.

O Brasil, historicamente, foca de modo equivocado na renda, com proibição da desigualdade salarial entre os sexos na legislação, que teve novas regras aprovadas recentemente no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Mas expansão do acesso à creche e da licença parental para homens, aliada à mudança cultural na gestão do lar, produz resultados mais robustos e duradouros.

De acordo com o Censo Escolar 2024, porém, só 38,7% das crianças de zero a 3 anos estão em creches —a meta estipulada pelo Plano Nacional de Educação (PNE) dez anos antes era de 50%.

Mães têm 120 dias de licença; homens, 5. Apenas funcionários de empresas que integram o programa Empresa Cidadã podem elevá-las (mais 60 dias para elas e só mais 15 dias para eles).

Já passa da hora de o poder público enfrentar as desigualdades oriundas da maternidade com políticas baseadas em evidências.

O presidencialismo de coalizão morreu

O Estado de S. Paulo

A comédia de erros em torno das Comunicações expõe um sistema político disfuncional: um governo desnorteado, apoiado por partidos incongruentes a serviço de interesses paroquiais

Na noite do dia 10, após uma reunião do presidente Lula da Silva e do presidente do Senado e cacique do União Brasil, Davi Alcolumbre, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, veio a público informar que o Brasil tinha um novo ministro das Comunicações: o deputado federal e líder do União Brasil na Câmara, Pedro Lucas Fernandes. Sua posse, no entanto, seria apenas após a Páscoa, período que o deputado pediu para encaminhar “questões pessoais”. Duas semanas depois, recusou a pasta. O quiproquó nem terminou, mas já é um retrato pronto e acabado da disfuncionalidade da representação política nacional.

O vexame é em primeiro lugar sintoma de um governo fragilizado e impopular. O constrangimento não vem de agora. Por dois anos, o presidente teve de fazer vista grossa às volumosas irregularidades acumuladas pelo apadrinhado de Alcolumbre, Juscelino Filho, à frente da pasta. Foi necessária uma denúncia da Procuradoria-Geral da República sob acusação de organização criminosa, fraude, peculato e corrupção para convencer Juscelino a largar o osso.

Como Juscelino, Fernandes não tem competência técnica nem experiência política para chefiar um ministério. São apenas herdeiros de feudos eleitorais no Maranhão, com boas relações com os caciques do União. Ainda assim, Fernandes fez seus cálculos e entendeu que era melhor para os negócios dar de ombros ao ministério. Como disse recentemente o ex-presidente da Câmara Arthur Lira, “uma base de apoio para governar é diferente de uma base de apoio eleitoral”. A pouco mais de um ano das eleições, “ninguém vai embarcar num navio que vai naufragar”.

Lula já não tem o apetite de outros mandatos para a articulação política e, se tivesse, não tem mais os instrumentos. Há dez anos o Congresso vem se assenhoreando do Orçamento público e hoje controla um quarto das verbas discricionárias da União. Cada deputado tem no mínimo R$ 30 milhões em emendas parlamentares a seu dispor. Se tiver um cargo de liderança, como Fernandes, tem muito mais. Se Fernandes, um apaniguado do presidente do União, Antonio Rueda, deixasse seu cargo na Câmara, ele possivelmente seria ocupado pelo apaniguado de Alcolumbre, Juscelino, ou pior, por um membro da ala oposicionista da legenda.

Afinal, como outros partidos do Centrão que formam a “base”, por assim dizer, do governo, o “União” – que não se perca pelo nome – não é um partido, mas três: um governista, outro oposicionista e outro fisiológico. De seus 59 deputados, ao menos 40 assinaram a urgência do projeto de anistia para os golpistas bolsonaristas, incluindo o vice-líder do governo na Câmara, José Nelto. O partido já tem até um pré-candidato presidencial batendo bumbo contra Lula, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado.

O governo pode resmungar, mas mesmo assim tem de engolir a seco essas humilhações e aguardar calado até Alcolumbre indicar outro ministro de sua preferência. O próprio Alcolumbre mostrou que não controla totalmente as rédeas do partido. Ainda assim, se seus indicados podem esnobar ministérios, o governo não pode esnobar suas indicações. Desde que as urnas se fecharam em 2022, ficou claro que a sua frente “ampla” era minúscula, e Lula agora é refém das legendas amorfas do Centrão, que vão entregar os votos que quiserem, quando quiserem, enquanto medem os ventos e a maré política para decidir em qual navio vão embarcar em 2026.

Outrora os deputados se estapeavam na fila por um cargo no Executivo. Hoje o governo tem de mendigar parlamentares de segundo escalão para um ministério. Em outros tempos o Centrão era o que o governo fazia dele, hoje o governo é o que o Centrão faz dele.

Com um Executivo debilitado, um Legislativo senhor do Orçamento, um governo desorientado, a um tempo arrogante e displicente, uma base formada por partidos incongruentes a serviço de interesses paroquiais, a comédia de erros não tem prazo para acabar, e tende a produzir episódios ainda mais grotescos que a reviravolta no Ministério das Comunicações. Os partidos do Centrão vão continuar com um pé em cada canoa, enquanto o governo segue à deriva.

Medo e cautela nas escolas

O Estado de S. Paulo

O crescimento da violência escolar, detectado em pesquisa, ajuda a despertar o País para a urgência do tema, mas é preciso evitar o risco do medo generalizado e das medidas drásticas

O Brasil assiste a uma escalada de violência nas escolas, segundo levantamento publicado na revista Pesquisa Fapesp, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. A conclusão, perturbadora, decorre dos registros oficiais de incidentes num período de dez anos, com dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania: em 2013, foram registradas 3,7 mil vítimas de violência interpessoal nas escolas, incluindo estudantes, professores e outros membros da comunidade escolar; em 2023, esse número subiu para 13,1 mil. A esse crescimento soma-se outra evidência, apontada pelo Atlas da Violência 2024, produzido em parceria pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, segundo a qual cresceu, também num ciclo de dez anos, o porcentual de alunos que relataram ter sido vítimas de bullying.

Conforme a publicação da Fapesp, o Ministério da Educação reconhece quatro tipos de violência: agressões extremas, com ataques premeditados e letais; situações de violência interpessoal, envolvendo hostilidades e discriminação; violência institucional, com práticas excludentes por parte da escola; e o bullying, intimidações físicas, verbais ou psicológicas de modo intencional e repetitivo, prática que, desde o ano passado, é crime tipificado em lei. O MEC reconhece, também, os problemas em volta da escola, como tráfico de drogas, tiroteios e assaltos. Agressões físicas correspondem à metade dos casos notificados, seguidas de violência psicológica/moral (23,8%) e sexual (23,1%).

Números como esses ajudam a modular a sensação de medo, insegurança e impotência de pais, alunos, professores e profissionais em geral que atuam com ensino, infância e adolescência. Também são essenciais para pavimentar o caminho da busca de soluções preventivas, incluindo melhor qualificação na identificação de comportamentos e sinais que possam levar a práticas violentas. Revelam-se igualmente relevantes no despertar de autoridades para o sentido de urgência por um maior preparo do País para enfrentar a violência dentro das escolas e em seu entorno. E se transformam, por fim, num elemento a mais de alerta para um público já em sobressalto – o que explica a impressionante repercussão de obras como A Geração Ansiosa, que detalha os efeitos nefastos do mundo hiperconectado para a saúde mental dos jovens, ou a minissérie Adolescência, que se tornou a mais vista na plataforma Netflix ao gerar debates sobre temas como ódio online, machismo e o impacto de discursos radicais em adolescentes.

Convém cautela, contudo, para não espalhar brasas onde já existe fogo. Se, por um lado, a arte e os números servem para reduzir o abismo existente entre dois mundos – o dos adultos e dos adolescentes – e, sobretudo, não deixar que a inércia, a incerteza e o desconhecimento deixem prosperar a ideia de que a escola é lugar de perigos e não de aprendizagem e convivência, por outro lado, o risco é de que um caldeirão de conclusões simplificadoras termine por produzir uma espécie de pânico moral, como são chamadas as reações desproporcionais a problemas vistos como ameaça à ordem social. O levantamento da Fapesp calculou que a violência escolar mais do que triplicou em dez anos. Os dados não desmentem tal conclusão, mas isso não significa, por exemplo, que se esteja diante de uma epidemia de violência escolar. Os números são amplificados pelos picos de 2022 e 2023, quando ocorreu uma sucessão de tragédias em creches e escolas. Da mesma forma, a alta nos registros de bullying, conforme o próprio Ipea reconhece, é em boa medida decorrente do aperfeiçoamento do sistema de notificações do Ministério da Saúde.

Antes, portanto, de inspirar medo generalizado e medidas drásticas – como vigilância e punitivismo em excesso –, os estudos e os debates deles decorrentes precisam fortalecer diagnósticos e soluções baseados em evidências. Assim como os problemas têm natureza múltipla, as respostas também implicam uma soma de complexidades e ações intersetoriais que não comportam vaticínios simplistas. Mas, com ou sem excessos, há pelo menos uma grande certeza: o País não pode ignorar o debate do que fazer com a escola e seus jovens.

Acabando com a festa

O Estado de S. Paulo

Gabriel Galípolo diz que pressão inflacionária é forte e juros altos são necessários

Em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, o presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, ficou distante do tom que o governo Lula da Silva decerto festejaria, ou seja, que indicasse, mesmo que discretamente, a possibilidade de afrouxamento da política de juros. Ao contrário, repetiu que o monitoramento dos preços pelo BC aponta uma inflação disseminada por vários produtos e serviços, e não apenas alimentos, e que mantém o estouro do limite superior da meta (4,5%).

Com as explanações, que fez com didatismo, pareceu disposto a se afastar da pecha de ser o indicado de Lula que irá “consertar a taxa de juros”, como disse o próprio petista em entrevista a uma rádio de Macapá (AP) em fevereiro passado. Naquela ocasião, Lula assegurou que só precisaria dar ao presidente do BC “o tempo necessário para fazer as coisas”. A julgar pelas respostas de Galípolo aos senadores, pode ser que seu calendário não esteja ajustado ao do lulopetismo.

As audiências com o presidente do Banco Central na CAE do Senado são regulares e repetidas ao menos quatro vezes ao ano para falar sobre diretrizes e perspectivas da política monetária. Galípolo sabia que seria muito cobrado, por parlamentares do governo e da oposição, sobre os juros altos e adotou estratégia calculada, como o uso de alusões descontraídas. Para justificar os juros de 14,25% ao ano numa economia com forte demanda, disse, por exemplo, que quando uma festa está muito aquecida “e o pessoal está subindo na mesa”, tira-se a bebida da festa.

No início de maio, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidirá, pela terceira vez neste ano, a taxa básica de juros (Selic). Nada indica que a bebida vai voltar à festa, mas esta será, de fato, a primeira reunião presidida por Galípolo sem a sombra de seu antecessor. As reuniões de janeiro e março, que decidiram, cada uma, pelo aumento de 1 ponto porcentual na Selic, já tinham a indicação de alta “dessa magnitude” desde dezembro de 2024, quando Roberto Campos Neto ainda presidia o BC. A partir de agora, será somente o “menino de ouro”, como Lula o chamou.

É certo que, na última reunião, o Copom também antecipou alta “de menor magnitude” mantido “o cenário adverso para a convergência da inflação”. A questão é que desde meados de março, quando a reunião ocorreu, as incertezas têm aumentado e seus impactos nos preços ainda não foram integralmente sentidos.

Na audiência, Galípolo chegou a comentar que a alta de juros não está apresentando, para a economia, a mesma fluidez observada em outros países e disse que talvez existam “canais entupidos”. Traduzindo, o presidente do BC estranhou por que juros tão altos ainda não produziram o esperado desaquecimento da demanda que o banco busca para fazer a inflação caminhar ao centro da meta de 3% ao ano, fixada pelo Conselho Monetário Nacional. E sugeriu que talvez seja preciso uma dose mais forte de remédio para desobstruir esses canais. Das duas, uma: ou tudo não passa de conversa para acalmar o mercado, ou a lua de mel de Lula da Silva com o BC vai terminar mais cedo do que o previsto.

Drenagem das chuvas precisa ser prioridade

Correio Braziliense

Metade dos municípios vive hoje sob risco alto ou muito alto de ser afetada por um evento hidrológico extremos nos próximos cinco anos.Ainda assim, apenas 32,5% têm sistemas de drenagem

A combinação perversa entre mudanças climáticas e falta de sistemas de drenagem de águas pluviais está entre as causas das catástrofes urbanas brasileiras. Metade dos municípios vive hoje sob risco alto ou muito alto de ser afetada por um evento hidrológico extremo nos próximos cinco anos. Ainda assim, apenas um em cada três (32,5%) tem sistemas de drenagem e somente 5,3% desenvolveram Planos Diretores de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais (PDD). Os dados fazem parte de um levantamento divulgado, nesta terça-feira, pelo Instituto Trata Brasil e sinalizam, entre outras análises, que tragédias como a do Rio Grande do Sul tendem a se repetir pelo resto do país.

No ano passado, 1.390 municípios ocuparam-se de fazer o monitoramento de dados hidrológicos urbanos, outros 1.523 mapearam as  áreas de risco de inundação e 2.775  (56%) nada realizaram. A maioria, portanto, ignorou a possibilidade de tragédias causadas pelos temporais, mesmo com  a crise climática não dando trégua. Só em 2023, foram registrados 30.575 eventos hidrológicos causando inundações, alagamentos e enxurradas com fortes impactos nas comunidades atingidas. Em média, 137 pessoas a cada 100 mil habitantes foram deslocadas de onde moravam em razão dos estragos causados ou dos riscos considerados.

Em 32 anos (1991-2023), 3.644 pessoas morreram no Brasil em deslizamentos, enchentes, entre outras ocorrências provocadas pelas chuvas intensas. Há de se ressaltar que o relatório não considerou a  tragédia no Rio Grande do Sul, prestes a completar um ano, quando morreram 179 pessoas e quase 90% do território gaúcho foi afetado pelo fenômeno climático. Segundo especialistas, a dificuldade para escoar a água — tanto por razões naturais quanto por falta de investimentos em sistemas de drenagem eficientes — agravou a situação, acompanhando em tempo real pelos brasileiros, incluindo líderes e gestores públicos.

No último sábado, a Grande São Paulo foi afetada por chuvas torrenciais, acompanhadas de alagamentos, carros arrastados pelas águas, mais de 30 mil residências sem luz e trens paralisados. Ceilândia, nesta terça-feira, enfrentou problemas semelhantes. Impossível esquecer os episódios ocorridos na região serrana do Rio de Janeiro, em Minas Gerais e na Bahia em 2019, com inundações, deslizamentos e enchentes provocando mortes, destruições e centenas de desabrigados.

Não se tratam de casos isolados — essas mesmas regiões, inclusive, acumulam um histórico de estragos ligados à forma secundária com que gestores lidam com a drenagem urbana das águas pluviais. Em 2017, por meio da Lei nº 11.445, esse processo passou a integrar o conceito de saneamento básico, mas a mudança, como bem indicam os dados atuais, não teve a resposta esperada. 

Nas cidades ainda prevalecem o crescimento desordenado, a impermeabilização do solo e o sucateamento da infraestrutura. Todos esses fatores, ressalta o estudo com base em dados do Sistema Nacional de Informação em Saneamento Básico (Sinisa), contribuem para agravar os impactos das chuvas intensas, sobretudo devido a insuficiência de meios preventivos eficazes.

Faz-se necessário fortalecer o planejamento e novas formas de financiamento para que tragédias evitáveis parem de ocorrer no país. Os severos fenômenos climáticos são realidade e, mais do que nunca, exigem dos governos responsabilidade, educação ambiental, novas formas de pensar e investir nas  cidades, além do monitoramento constante das áreas de risco. 

Ministério sem ministro

O Povo

O deputado Pedro Lucas (União-MA) irritou o governo ao se recusar a assumir as Comunicações, após ter recebido tanta atenção do Palácio do Planalto

A recusa do deputado Pedro Lucas Fernandes (União Brasil-MA) em assumir o Ministério das Comunicações, após convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), torna ainda mais evidente a crise pela qual passa o governo, quanto à sua base de sustentação no Congresso Nacional.

Trata-se de cabal exemplo da fragilidade de sua sustentação política, considerando que o União Brasil tem uma das maiores bancadas do Congresso. A atitude do parlamentar, ao qual foi oferecida uma das pastas mais importantes da Esplanada dos Ministérios, expõe a resistência da maioria dos integrantes da bancada em dar suporte à gestão petista.

Durante o processo, Pedro Lucas reuniu-se com o presidente Lula, o que parecia um gesto de que assumiria a pasta das Comunicações. A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT-PR), chegou a anunciar publicamente o nome de Pedro Lucas como novo ministro.

Após dar tanta atenção a um possível novo ministro, a recusa de Pedro Lucas, como não poderia deixar de ser, irritou o Palácio do Planalto, pois deve ter soado como desprezo pelo cargo. Agora, o governo terá de trabalhar com essa nova realidade, incluindo avaliar qual tipo de relação terá, a partir dessa crise, com o União Brasil.

É de se lembrar que o governo pagou um preço alto por manter o ministro anterior, Juscelino Filho (União-MA), mesmo sob severas acusações de desvio de recursos quando parlamentar, além de outras faltas durante o exercício do cargo, como uso indevido de avião da FAB.

Lula somente conseguiu afastar o então ministro, sem enfrentar resistência do União Brasil, depois que ele foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República por fraude em licitação, corrupção passiva e de integrar organização criminosa, entre outros crimes.

Pedro Lucas preferiu permanecer no cargo de líder do União na Câmara dos Deputados, possivelmente para pacificar o partido, que estaria discutindo o grau de relacionamento que pretende manter com o governo.

A nota oficial em que ele recusa o cargo explica esse ponto: "Sou líder de um partido plural, com uma bancada diversa e compromissada com o Brasil. Tenho plena convicção de que, neste momento, posso contribuir mais com o país e com o próprio governo na função que exerço na Câmara dos Deputados".

É um momento delicado, tanto para o governo quanto para o União Brasil, que terão de resolver se permanece o estranhamento, afinam a relação ou cada um vai para o seu lado. De qualquer forma, é preciso resolver o problema porque o Ministério das Comunicações é por demais estratégico para permanecer acéfalo como resultado de uma crise política.

 

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