quinta-feira, 24 de abril de 2025

Só a devassa no INSS pode viabilizar a pauta da maioria - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Oposição tentará desgastar governo no INSS para ofuscar isenção do IR, fim da escala 6x1 e alcance do consignado

Uma fraude que pode chegar a R$ 6,3 bilhões no benefício previdenciário de 5,5 milhões de aposentados, nascida no governo Jair Bolsonaro e alimentada, ao longo de 28 meses, pela gestão Luiz Inácio Lula da Silva, ameaça ofuscar a pauta positiva deste governo para a base da pirâmide (isenção do IR, fim da escala 6x1 e crédito consignado).

Tanto que o anúncio da “Operação Sem Desconto”, da Controladoria-Geral da União e da Polícia Federal, foi precedido de uma vacina. Os ministros Ricardo Lewandowski (Justiça), Vinícius Carvalho (CGU), Carlos Lupi (Previdência), além de Andrei Rodrigues (PF), adotaram o tom de que o esquema havia sido desbaratado porque este governo resolveu tomar providências para proteger os aposentados. É verdade. O problema é que demoraram.

Em agosto de 2023, chegaram à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados denúncias de aposentados que passaram a ter descontos não autorizados em seus benefícios. Um requerimento, do deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-PB), chegou ao Tribunal de Contas da União em agosto de 2023.

Do relatório da apuração do ministro Aroldo Cedraz, aprende-se que a prática se espraiou. A Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) contava com apenas três filiados em dezembro de 2021. Dois anos depois, somava 601.624 associados. A Amar Brasil Clube de Benefícios (ABCB) nem existia em 2021. Dois anos depois já registrava 212.625 associados.

Nesses dois anos, a Ambec recebeu R$ 105 milhões. Já a Amar Brasil, embolsou R$ 83 milhões em repasses. Nada mal para entidades que, dois anos antes, mal existiam. A Ambec é campeã do site “Reclame Aqui”, com 7,5 mil queixas, sendo 82% referentes a cobranças indevidas. A ABCB somou 432 reclamações, sendo 70% pela mesma razão.

Notificado, o INSS suspendeu os repasses por dois meses às entidades retomando-os depois de ter informado que a documentação havia sido regularizada. A partir do relatório do TCU, a CGU começou sua própria investigação e descobriu que não foi bem assim. Um total de 80 servidores foi deslocado para a operação, a maior na história da Controladoria. Depois de entrevistar 1.242 beneficiários que reportaram cobranças indevidas, a CGU descobriu que 97,6% não autorizaram o desconto. Um percentual igualmente expressivo (96%) reportou nem mesmo estar associado às entidades que fizeram os descontos.

A CGU constatou que as entidades que o Ministério da Previdência Social disse estarem regularizadas não haviam entregue as autorizações para o desconto automático no benefício. No fim de 2024, a Dataprev recomendou que fosse adotada a biometria para autorização do desconto mas o INSS não tomou a providência.

A Polícia Federal instaurou inquérito e, nesta quarta, mais de 700 policiais foram deslocados para a operação que aprendeu até uma Ferrari e um Rolls Royce. Lacônico, o ministro da Previdência Social, que indicou o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, limitou-se a dizer que “todo mundo é inocente até que se prove o contrário”. O dirigente do INSS, afastado pela manhã, acabou o dia demitido.

Apesar das evidências de omissão, Lupi não saiu do lugar. Indagado se os descontos indevidos seriam devolvidos, disse que os beneficiários tinham a opção de anular o desconto no site do INSS e que as devoluções terão que ser analisadas “caso a caso”.

Na tarde desta quarta, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), guerrilheiro da oposição nas redes sociais, entrou na parada. A deflagração da operação conta a favor do governo, mas o enredo ofusca a pauta com a qual o Planalto esperava tomar a dianteira e dobrar partidos, a começar pelo rebelde União, e encurralar parlamentares como Nikolas.

Com o escândalo, a extrema-direita vai tentar ofuscar a isenção do IR e o fim da jornada 6x1 exibindo Frei Chico. O irmão do presidente da República, que o introduziu no sindicalismo, não está envolvido nas práticas denunciadas, mas é dirigente de uma das entidades investigadas.

A inclusão de entidades ligadas ao PT, como a Contag, que aumentou os repasses recebidos num período em que reduziu o número de filiados, e a recente filiação do presidente demitido do INSS ao PDT, que pretendia lançá-lo a deputado federal, também permite um respiro ao Centrão velho de guerra.

Pelo menos um ministro reconhece que a ofensiva da oposição pode chegar aos programas de crédito consignado que têm 20 anos mas se expandiram notadamente neste governo. O mais recente deles, do setor privado, é uma operação que exige acesso pelo gov.br, com biometria, e tem comandos integrados pelo Dataprev. Ou seja, o risco de fraude é baixíssimo. Como se trata de desconto em folha, porém, pode alimentar notícias falsas na esteira da repercussão da operação policial da semana.

Numa semana em que a inédita recusa de um convite feito pelo presidente da República a um deputado para assumir uma Pasta (Comunicações) foi interpretado como sinal de que um cargo na hierarquia do Congresso vale mais que um ministério, a operação da CGU/PF mostrou que não é bem assim. O Executivo oferece largas oportunidades para quem opera no diapasão do desvio de recursos públicos, ainda que as chances de esbarrar nos controles internos superem aquelas enfrentadas pelos novos barões do Congresso.

 

Nenhum comentário: