Valor Econômico
Oposição tentará desgastar governo no INSS para ofuscar isenção do IR, fim da escala 6x1 e alcance do consignado
Uma fraude que pode chegar a R$ 6,3 bilhões
no benefício previdenciário de 5,5 milhões de aposentados, nascida no governo
Jair Bolsonaro e alimentada, ao longo de 28 meses, pela gestão Luiz Inácio Lula
da Silva, ameaça ofuscar a pauta positiva deste governo para a base da pirâmide
(isenção do IR, fim da escala 6x1 e crédito consignado).
Tanto que o anúncio da “Operação Sem Desconto”, da Controladoria-Geral da União e da Polícia Federal, foi precedido de uma vacina. Os ministros Ricardo Lewandowski (Justiça), Vinícius Carvalho (CGU), Carlos Lupi (Previdência), além de Andrei Rodrigues (PF), adotaram o tom de que o esquema havia sido desbaratado porque este governo resolveu tomar providências para proteger os aposentados. É verdade. O problema é que demoraram.
Em agosto de 2023, chegaram à Comissão de
Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados denúncias de
aposentados que passaram a ter descontos não autorizados em seus benefícios. Um
requerimento, do deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-PB), chegou ao
Tribunal de Contas da União em agosto de 2023.
Do relatório da apuração do ministro Aroldo
Cedraz, aprende-se que a prática se espraiou. A Associação dos Aposentados
Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) contava com apenas três filiados
em dezembro de 2021. Dois anos depois, somava 601.624 associados. A Amar Brasil
Clube de Benefícios (ABCB) nem existia em 2021. Dois anos depois já registrava
212.625 associados.
Nesses dois anos, a Ambec recebeu R$ 105
milhões. Já a Amar Brasil, embolsou R$ 83 milhões em repasses. Nada mal para
entidades que, dois anos antes, mal existiam. A Ambec é campeã do site “Reclame
Aqui”, com 7,5 mil queixas, sendo 82% referentes a cobranças indevidas. A ABCB
somou 432 reclamações, sendo 70% pela mesma razão.
Notificado, o INSS suspendeu os repasses por
dois meses às entidades retomando-os depois de ter informado que a documentação
havia sido regularizada. A partir do relatório do TCU, a CGU começou sua
própria investigação e descobriu que não foi bem assim. Um total de 80
servidores foi deslocado para a operação, a maior na história da Controladoria.
Depois de entrevistar 1.242 beneficiários que reportaram cobranças indevidas, a
CGU descobriu que 97,6% não autorizaram o desconto. Um percentual igualmente expressivo
(96%) reportou nem mesmo estar associado às entidades que fizeram os descontos.
A CGU constatou que as entidades que o
Ministério da Previdência Social disse estarem regularizadas não haviam
entregue as autorizações para o desconto automático no benefício. No fim de
2024, a Dataprev recomendou que fosse adotada a biometria para autorização do
desconto mas o INSS não tomou a providência.
A Polícia Federal instaurou inquérito e,
nesta quarta, mais de 700 policiais foram deslocados para a operação que
aprendeu até uma Ferrari e um Rolls Royce. Lacônico, o ministro da Previdência
Social, que indicou o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, limitou-se a
dizer que “todo mundo é inocente até que se prove o contrário”. O dirigente do
INSS, afastado pela manhã, acabou o dia demitido.
Apesar das evidências de omissão, Lupi não
saiu do lugar. Indagado se os descontos indevidos seriam devolvidos, disse que
os beneficiários tinham a opção de anular o desconto no site do INSS e que as
devoluções terão que ser analisadas “caso a caso”.
Na tarde desta quarta, o deputado Nikolas
Ferreira (PL-MG), guerrilheiro da oposição nas redes sociais, entrou na parada.
A deflagração da operação conta a favor do governo, mas o enredo ofusca a pauta
com a qual o Planalto esperava tomar a dianteira e dobrar partidos, a começar
pelo rebelde União, e encurralar parlamentares como Nikolas.
Com o escândalo, a extrema-direita vai tentar
ofuscar a isenção do IR e o fim da jornada 6x1 exibindo Frei Chico. O irmão do
presidente da República, que o introduziu no sindicalismo, não está envolvido
nas práticas denunciadas, mas é dirigente de uma das entidades investigadas.
A inclusão de entidades ligadas ao PT, como a
Contag, que aumentou os repasses recebidos num período em que reduziu o número
de filiados, e a recente filiação do presidente demitido do INSS ao PDT, que
pretendia lançá-lo a deputado federal, também permite um respiro ao Centrão
velho de guerra.
Pelo menos um ministro reconhece que a
ofensiva da oposição pode chegar aos programas de crédito consignado que têm 20
anos mas se expandiram notadamente neste governo. O mais recente deles, do
setor privado, é uma operação que exige acesso pelo gov.br, com biometria, e
tem comandos integrados pelo Dataprev. Ou seja, o risco de fraude é baixíssimo.
Como se trata de desconto em folha, porém, pode alimentar notícias falsas na
esteira da repercussão da operação policial da semana.
Numa semana em que a inédita recusa de um
convite feito pelo presidente da República a um deputado para assumir uma Pasta
(Comunicações) foi interpretado como sinal de que um cargo na hierarquia do
Congresso vale mais que um ministério, a operação da CGU/PF mostrou que não é
bem assim. O Executivo oferece largas oportunidades para quem opera no diapasão
do desvio de recursos públicos, ainda que as chances de esbarrar nos controles
internos superem aquelas enfrentadas pelos novos barões do Congresso.
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