O Globo
Até os partidos tidos como de esquerda se preocupam mais com suas finanças e arranjos políticos que com os do governo, que não tem, por seu lado, planos que projetem o país para o futuro
A inusitada decisão do partido político União
Brasil de não aceitar a indicação de seu líder para o importante cargo de
ministro das Comunicações, depois de ter acertado tudo com os enviados do
presidente Lula, não é apenas sinal da fragilidade do atual governo, mas também
de nosso sistema partidário, que não responde por questões programáticas e é
excessivamente pragmático. Se o governo é popular e tem perspectiva de
continuar, partidos o apoiam, mesmo que seja pro forma. Quando, como agora, o
governo é mal avaliado nas pesquisas, alguns permanecem à espera de melhor
momento para cair fora, outros, como o União Brasil, desistem simplesmente de
participar, já se preparando para a campanha logo adiante.
No caso atual, há um componente a mais na balbúrdia em que se transformou nosso sistema partidário. Parte do partido apoia o governo, outra parte o rejeita. Traduzir uma parte na outra parte, uma questão de vida ou morte, será arte? A questão levantada pelo poeta Ferreira Gullar pode bem ser adaptada à nossa situação política. É preciso muita arte para fingir ser do governo sem ser. Mais arte ainda se exige do governante, que tem de fingir ter engolido o desaforo para não perder o apoio de pelo menos parte do partido, o que é um oximoro.
Um dos problemas é que as muitas partes em
que se dividiram os partidos brasileiros — a maioria em busca de vantagens
particulares para seus “proprietários” e associados — não fazem com que nossa
democracia avance. Como nenhum governo consegue eleger a maioria do Congresso,
muito menos com 30 partidos atuantes, é preciso uma coalizão de legendas para
garantir a governabilidade. Até o segundo governo Lula, ela era garantida pela
troca de favores entre o governo central, que ainda controlava o Orçamento, e
os partidos, que ocupavam ministérios, estatais e institutos, com todos os
benefícios que lhes eram concedidos.
Foi assim que o PDT, neste governo, ficou com
o Ministério da Previdência Social, agora envolvido num escândalo de proporções
gigantescas, só descoberto pelo trabalho excelente que o Tribunal de Contas da
União (TCU) faz de investigação. O ministro Carlos Lupi é o responsável direto
pela roubalheira mais vulgar e perversa: tirar dinheiro dos que recebem
benefícios sociais. Bilhões de reais foram usurpados dos beneficiários do nosso
precário sistema previdenciário, e, se Lupi admite que a nomeação do presidente
do INSS, demitido diante do escândalo, é de sua inteira responsabilidade,
deveria ter saído junto a fim de deixar o governo livre para recuperar o
estrago.
Mas, assim como o União Brasil cisma de
continuar no cargo sem que Lula possa reagir, também Lupi permanece impávido em
seu lugar, elogiando seu indicado, que até mudou de partido, do PSB para o PDT
de Lupi, para que ficasse mais claro quem manda. É mais um problema do governo
do presidente Lula nesta sua terceira versão. Até os partidos tidos como de
esquerda se preocupam mais com suas finanças e arranjos políticos que com os do
governo, que não tem, por seu lado, planos que projetem o país para o futuro e,
quando tem, como o Pé-de-Meia, se perde na burocracia ou na corrupção, uma
ajudando a outra.
O desgaste dos laços partidários traz consigo
uma consequência grave, como se viu agora na posição irresponsável do União
Brasil: a corrosão da ética na política. O caso do ministro que foi sem nunca
ter sido, além de todos os demais desvios de conduta apontados, reflete a
deterioração do espírito público, que hoje raramente se encontra sem que seja
desvalorizado diante da possibilidade de tirar vantagem pessoal da atividade
política.
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