Valor Econômico
Em meio à exaustão ainda no começo de governo, uma questão é se o pior ainda estar por vir
Donald Trump chega a cem dias de seu segundo
mandato, e o mundo todo está exausto e preocupado. Trump eleva a tensão
geopolítica, desfaz na prática alianças militares e econômicas, desmonta o
sistema global de comércio, abala a confiança em ativos americanos e em acordos
firmados por Washington, ignora as leis para expulsar imigrantes, desmantela
partes do governo federal, entre outras medidas.
O Geneva Graduate Institute, uma das melhores escolas de relações internacionais no mundo, organizou uma sessão para analisar o começo do novo mandato trumpista. Para Jussi Hanhimaeki, professor de história e política internacional, pode-se pensar que o que Trump está fazendo é totalmente aleatório e sem rumo. Julga que esse não é o caso, mas tampouco significa que ele tenha um grande plano mestre. Lembra que os EUA nunca foram o defensor inequívoco de um sistema internacional multilateral. O país passa por episódios de unilateralismo com uma certa frequência, no mínimo a cada duas décadas. Mesmo a abordagem transacional da política externa trumpista representa uma certa continuidade. A diferença é que a agenda do “America First” de Trump vem com esteroides, com potência máxima. Apesar de todo o tumulto diário vindo da Casa Branca, acha improvável que os EUA abandonem e se afastem completamente de muitos de seus compromissos internacionais.
Trump assumiu já com mais de 50 países com
conflito armado, um recorde histórico. E o professor Dominic Rohner aponta
quatro grandes desafios que podem agravar a situação. O primeiro é sobre o
comércio. Trump aumentou a tarifa média de importação dos EUA de 2% para 23%. A
atividade econômica será mais afetada agora do que na Grande Depressão dos anos
1930, já que as importações representam uma parcela maior do consumo, concordam
diferentes economistas. Rohner se apoia em “zilhões” de estudos acadêmicos mostrando
que as guerras comerciais tendem a desencadear guerras reais. E elas deixarão
muitos países mais pobres, e a pobreza é outro ponto de partida para muitos
conflitos.
O segundo risco para a paz mundial vem com o
abrupto corte de financiamento dos EUA para organizações internacionais. Por
exemplo, o impacto sobre os Capacetes Azuis da ONU, que desempenham um papel
enorme de manutenção da paz em vários cantos do planeta. Terceiro desafio é o
retorno da energia suja, como carvão, gás, petróleo. Elas alimentam conflitos
internos, ameaças de confrontos entre países, massacres de populações. E o
quarto risco vem com o aprofundamento da crise do multilateralismo.
Para o professor Johannes Boehm, as tarifas
são apenas uma parte da história. Será muito improvável, por exemplo, que uma
empresa faça investimentos muito grandes em capacidades produtivas, em meio à
enorme incerteza sobre se as tarifas permanecerão, se conseguirá obter uma
isenção ou se outros países vão retaliar os EUA em algum momento. Essa
imprevisibilidade persistirá até que os EUA possam demonstrar com credibilidade
que não mudarão mais a política comercial em um futuro próximo. Para o
professor, é muito difícil imaginar que isso aconteça enquanto Trump for
presidente, a menos que o Congresso consiga, de alguma forma, retomar o
controle sobre a política comercial dos EUA. Impacto imediato: aumento dos
custos e dos preços e redução do investimento e do crescimento, com estragos em
todo o mundo.
A guerra comercial pode custar milhões de
empregos à China e aumenta riscos de instabilidade política. No entanto, para o
professor Jan Kiely, especialista de China, qualquer que seja a dor de curto
prazo que Trump possa causar, é algo que Pequim pode administrar. Para ele,
Trump está na verdade dando o maior presente aos esforços de Pequim para
concluir o que vê como sua missão global, de ser rico e poderoso, a principal
superpotência do século XXI e a termo o país mais rico do mundo. Cinco ou dez
anos atrás isso não parecia possível. Agora, de repente, estamos de volta a uma
posição em que os chineses têm alguém que os ajuda a ampliar sua influência e a
buscar diminuir diferenças com o modelo americano. A questão, diz ele, é como
usar um presente tão grande.
A saúde global foi realmente a primeira
vítima de Trump em seus cem primeiros dias, constata o professor Vinh-Kim
Nguyen. Foi nada menos que a destruição do sistema de saúde global, com a
retirada dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS). Quando se corta 60% de
financiamento no setor, muitos outros países não conseguem fornecer saúde. O
impacto é imediato e severo, e o professor fala já de 30 mil mortes e de
consequências epidemiológicas nas próximas gerações, incluindo reversões e
possíveis ressurgimentos da aids, tuberculose, malária e de outras doenças
infecciosas, sem falar sobre as que podem aparecer. O que temos agora é a saúde
global como um campo de competição e de conflito, em vez de colaboração.
Sem surpresa, a ação global coletiva por
proteção ambiental está sendo desafiada e prejudicada mais agora com Trump. Mas
a professora Alice Pirlot diz que essa atitude não deve desviar a atenção do
fato de que há muitos outros países e muitos outros líderes políticos que não
estão levando suficientemente a sério as preocupações ambientais e, em
particular, as mudanças climáticas.
A professora Paola Gaeta observa que governos
conservadores anteriores em Washington jogavam o jogo e buscavam outros tipos
de interpretações de doutrinas para convencer os aliados de que estavam em
conformidade com o direito internacional humanitário. Com Trump, as regras
globais também nessa área nada significam mesmo.
Em meio à exaustão ainda no começo de Trump
2.0, uma questão é se o pior ainda estar por vir.
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