sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Cristovam Buarque* – Inventário de erros da esquerda e do centro que levaram Bolsonaro ao poder

Na verdade, ele não ganhou, nós perdemos, porque ficamos sem projetos que seduzissem os eleitores. Deixamos um país em crise e decadência, com a população descontente, milhões nas ruas contra nossa corrupção, incompetência e falta de inspiração para o futuro. Perdemos por nossos erros. Estamos errando de novo ao nos perguntarmos por que ele ganhou, quais foram seus acertos táticos, suas manipulações de slogans e fake news e não por que nós perdemos, quais foram nossos erros estratégicos?"


*O site “Congresso em Foco” destaca o lançamento do 27º livro do ex-senador Cristovam Buarque (Cidadania-DF) “Por que falhamos” pela Tema Editoria

Hélio Schwartsman - Revolução judicial

- Folha de S. Paulo

Parlamentares se dividem nas tentativas para retomar prisão em segunda instância

Parlamentares lava-jatistas se dividem entre a via rápida e a mais lenta para tentar restaurar a prisão após a condenação em segunda instância. O grupo dos apressados, que se concentra no Senado, acredita que pode chegar a seu objetivo através de uma modificação no Código de Processo Penal (CPP). Como se trata de legislação ordinária, a mudança pode ser aprovada por maioria simples.

É possível, porém, que essa estratégia produza mais fumaça do que fogo. A medida seria questionada na Justiça, e não é improvável que o STF, que acaba de determinar que a prisão só pode ocorrer após o trânsito em julgado, isto é, até que não haja mais possibilidade de recorrer, considere inconstitucional a alteração no CPP.

O outro caminho, mais difícil, é aprovar uma emenda constitucional (PEC) que transformaria os recursos especial (ao STJ) e extraordinário (ao STF) em ações rescisórias. PECs exigem maioria de 2/3 em duas votações para virar norma, mas são bem mais robustas do que uma lei ordinária.

Bruno Boghossian – Pagando a conta

- Folha de S. Paulo

Ampliação para R$ 3,8 bilhões amplia poder de caciques e reforça distorções

O cobertor anda curto, mas os parlamentares encontraram um jeito. O relator do Orçamento apertou os números e conseguiu aumentar para R$ 3,8 bilhões o valor proposto para o fundo de financiamento das eleições municipais do ano que vem. Para cumprir as regras fiscais, foi preciso tirar dinheiro de obras, da educação e até do programa que dá remédios para os mais pobres.

A ampliação da verba é tratada como prioridade por políticos de todos os lados. Do PT ao PSL, 13 partidos apoiaram a canalização de mais recursos para a eleição. Parlamentares e dirigentes dessas siglas alegam que o valor previsto antes, de R$ 2 bilhões, era pouco para custear a disputa em mais de 5.500 municípios.

Além de soar como desaforo num momento de crise econômica prolongada, a manobra dá fôlego exagerado a um modelo de financiamento de campanhas que é caro, desigual e ainda pouco transparente.

Ruy Castro* - Inferno de Dante

- Folha de S. Paulo

Curso intensivo em cinco parágrafos para o novo presidente da Funarte

Dante Mantovani, o homem a quem Bolsonaro entregou a Funarte, órgão de fomento ao teatro, música, dança, circo e artes visuais no Brasil, declarou na terça-feira (3) que "o rock ativa a droga, que ativa o sexo, que ativa a indústria do aborto, que por sua vez alimenta uma coisa muito mais pesada, que é o satanismo". Dante Mantovani deve saber o que diz. Mas, para seu conhecimento, aqui vão algumas informações.

Ao dançar o minueto, no século 18, os casais não se tocavam, o que os levava a sensações lúbricas que lhes provocavam terríveis sonhos eróticos, que ativavam o aborto, que, por sua vez, alimentava o satanismo. No século 19, surgiu a valsa, em que os casais dançavam entrelaçados, o que os levava a perigosas intumescências e lubrificações, e isso ativava o aborto, que por sua vez alimentava o satanismo. E o maxixe, a dança favorita dos hereges dos anos 1920, consistia de um entrelaçamento tão radical de pernas que até as tíbias e os joanetes tinham ereções, e isso, claro, ativava o aborto, que por sua vez alimentava o satanismo.

Reinaldo Azevedo - Mataram o sono de Bolsonaro Macbeth

- Folha de S. Paulo

Presidente precisaria dormir para não impor desonras novas às Forças Armadas

O presidente Jair Bolsonaro dorme mal. E isso o leva a refletir diante do espelho: “Será que termino o mandato?”. Em outras circunstâncias, mais pessimistas, a imagem refletida lhe diz: “Você não termina o mandato”. E a prefiguração que lhe tira o sono não está relacionada ao eventual sucesso ou insucesso da política econômica de Paulo AI-5 Guedes.

Tenha-se sobre esta a ideia que for, pobre não volta a nadar em iogurte tão cedo. Temos os nossos reacionários disfarçados de liberais a nos lembrar: “Não existe iogurte grátis!”.

Como que do nada, o chefe fez o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, passar o constrangimento de levar ao Congresso um projeto de lei —mais um!— que institui a excludente de ilicitude. Nesse caso, para as operações de Garantia da Lei e da Ordem. Azevedo e Silva afrontava, a contragosto, a memória do Exército, da República e até do bom senso.

Em entrevista à TV Record, o presidente refletiu: “Se assinar o decreto [de GLO], a tropa de segurança vai pra lá. Entra (sic) as Forças Armadas, Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e PRF. Nessas condições, eu quero que esse pessoal vá pra fazer valer a sua força para recuperar a normalidade. Essa força tem que chegar para se impor. E não pode chegar pra se impor, e o policial responder por um processo e ser condenado a 30 anos de cadeia”.

Vinicius Torres Freire - PIB na noite dos desesperados

- Folha de S. Paulo

2020 deve ser melhor, mas país zumbi vive de bolo de pote e aplicativo de comida

É um erro perguntar se o Brasil vai viver outra década perdida na economia. Já viveu. Ao final deste ano, a renda per capita ainda será menor que a de 2010.

E daí?

Estatísticas históricas não pagam dívidas. Agora seria o caso de “enterrar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos” (ou abrir?), como teria dito um marquês ao rei de Portugal sobre o que fazer depois do terremoto de Lisboa, em 1750. Mais difícil é o que fazer diante de tantos mortos-vivos da miséria de 2020, mas o marquês desconhecia o apocalipse zumbi.

A história da renda per capita serve para nos lembrar do buraco em que ainda estamos, fossa esquecida nestes dias de discussões sobre ninharias decimais e outros ruídos estatísticos do PIB, festejado com bajulação, quando não com mentiras em TV nacional. A economia vai crescer 1,1% ou 1,3%? É “néris e reles e nem nada de nada” (cortesia de Haroldo de Campos, o poeta).

É verdade que, desde 2014, não havia perspectiva mais fundamentada de algum crescimento como agora. O ano de 2020 pode ser melhor, dados os desempenhos do segundo e do terceiro trimestres de 2019, o estímulo artificial da demanda (“voilà”) de FGTS e afins, juros baixos e certa arrumação da casa fiscal.

O que será esse PIB depois da gripe? Segue um exemplo, de relatório do Credit Suisse:

“Os números mais favoráveis da população empregada e a implementação de medidas para tornar o mercado de trabalho mais flexível no Brasil devem mudar a composição da massa salarial nos próximos anos. Esperamos que a massa salarial continue a apresentar expansão moderada em 2020-2021. O principal motor desta aceleração deve ser a expansão da população empregada, com crescimento do salário real mais modesto do que em anos anteriores”.

César Felício - O preço da liberdade

- Valor Econômico

São poucos os que não chegaram à constatação de que o atual presidente só não golpeia as instituições por falta de oportunidade

A frase, muito repetida, é de 1790 e trata-se da adaptação do trecho de um discurso de um advogado irlandês pouco conhecido no Brasil, John Curran. “A condição sobre a qual Deus deu liberdade ao homem é a vigilância eterna; a qual, se quebrada, torna a servidão ao mesmo tempo consequência de seu crime e castigo de sua culpa”. O preço da liberdade, pois, é a eterna vigilância, como têm alertado recentemente governadores, dirigentes partidários e observadores da cena política brasileira.

Do PSDB ao PCdoB, do MDB ao Republicanos, do PL ao Psol, da sala de um banqueiro na Faria Lima a simpósios de cientistas políticos, ao longo do ano, a frase foi frequentemente citada quando os interlocutores foram convidados a refletir sobre o que tem significado este primeiro ano do governo Bolsonaro. São poucos os que não chegaram à constatação de que o atual presidente só não golpeia as instituições por falta de oportunidade. A estratégia é a de contenção permanente, em um ambiente onde o risco de um golpe não está sendo negligenciado.

Brasil vive guerra fria particular que favorece Bolsonaro
O próprio presidente e seu entorno ajudam seus vigilantes nos momentos de grande vacilação, em que a tese do golpismo parece excessivamente frágil por não responder a perguntas essenciais. Por exemplo, qual seria um possível pretexto para uma ruptura institucional? A resposta não tardou. Ora, que dúvida! Um novo AI-5 se justifica em um cenário de conturbação social, em que a turba enlouquecida promova saques, incêndios, depredações e o caos absoluto. É o que os arautos do bolsonarismo supõem que esteja acontecendo no Chile.

José de Souza Martins* - Na alça de mira

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

A questão agrária decorre do modo peculiar como se formou o nosso direito de propriedade para viabilizar a escravidão. Terra e trabalho estão juntos na história da propriedade no Brasil

O presidente da República anunciou que enviará ao Congresso Nacional projeto de lei que autoriza o emprego da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para reintegração de posse de propriedades rurais. Serão operações de agentes de segurança civis e militares, como os das Forças Armadas e da Polícia Federal.

Expôs seus motivos: “Quando marginais invadem propriedades rurais, e o juiz determina a reintegração de posse, como é quase como regra que governadores protelam, poderia, pelo nosso projeto, ter uma GLO do campo para chegar e tirar o cara” (sic). É esse um precário entendimento do que é o problema social da terra.

A verdade histórica do assunto está no polo oposto, não no sectário e ideológico. Aqui a questão agrária decorre do modo peculiar como se formou o nosso direito de propriedade para viabilizar a escravidão, sem a qual a terra de nada servia. Terra e trabalho estão juntos na história da propriedade no Brasil.

Aqui, quem luta por terra é no geral trabalhador, para trabalhar, não quem a quer para negociar e ganhar. Quem dela se apropria por meio de grilagem, de documentação falsa e da expulsão de quem nela trabalha comete crime. É comum que pistoleiros sejam “funcionários” desse tipo de “empreendimento”.

A questão agrária e as bases do conflito fundiário se definiram no século XIX, quando foi aprovada a Lei de Terras, em 1850, em conexão com a proibição do tráfico negreiro. O escravo não era apenas trabalhador do eito. Era também a garantia dos empréstimos hipotecários dos grandes fazendeiros para tocar suas fazendas. O fim provável e próximo da escravidão pedia um bem substituto para garantir esses empréstimos. Esse bem foi a instituição da propriedade da terra como mercadoria. O Estado abriu mão da soberania sobre o território e anexou-a ao direito de uso da terra, sob a forma de propriedade privada.

A era do Nacionalismo

O avanço do nacionalismo

Guerras tecnológicas, políticas nacionalistas e pouca coordenação global devem ser a marca das próximas décadas

Por Diego Viana | Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

SÃO PAULO - Após 30 anos de um consenso liberal que surfou na onda da globalização, o mundo está entrando em nova fase: guerras tecnológicas, políticas nacionalistas e pouca coordenação global devem ser a marca das próximas décadas. O período de acelerada globalização, entre a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a crise financeira de 2008, foi uma exceção histórica, segundo a economista Monica Baumgarten de Bolle, pesquisadora-sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional (Piie). O nacionalismo econômico de líderes como Donald Trump não são um acaso ou um momento passageiro, mas o primeiro passo na direção de uma outra fase da economia global.

“Está se formando uma ‘cortina de ferro tecnológica’”, afirma o cientista político Oliver Stuenkel, coordenador da pós-graduação em relações internacionais da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. Para Stuenkel, são duas as causas: ascensão da China como superpotência global e mudança na relação entre desenvolvimento técnico e integração regional. “O avanço das tecnologias, que costumava integrar mais os países, passa a produzir esferas de influência tecnológica”, afirma. “Para mim, essa é a maior ameaça ao livre-comércio.”

A tendência vai além da tecnologia, porém. Nesta semana, o Brasil sentiu na pele o pendor nacionalista de Trump, mas num setor tradicional: a siderurgia. O presidente americano acusou o país, e também a Argentina, de desvalorizar artificialmente suas moedas, e ameaçou reativar taxas de importação de aço e alumínio. Trata-se de taxas anunciadas para o mundo todo no ano passado, de 25% e 10% respectivamente, mas das quais os dois países sul-americanos tinham ficado isentos.

No mesmo dia, Trump ameaçou taxar produtos franceses em até 100%, em retaliação a um imposto sobre transações digitais. Desde 2017, o presidente americano também acusa a China de manipular sua moeda, o renminbi, reativando o tema das “guerras cambiais”, que era assunto em 2011, quando o então ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega, dizia que a moeda artificialmente desvalorizada era o próprio dólar.

Dora Kramer - Com jeito vai

- Revista Veja

A autorização de prisão depois da segunda instância é um rio que corre para o mar — não tem volta

Vou logo avisando que vai parecer exagero, mas peço licença para argumentar em favor da forte impressão de que há semelhanças entre o ambiente que levou à aprovação da Lei da Ficha Limpa, há nove anos, e a atmosfera que se forma agora em torno das propostas de autorização de prisão dos condenados em segundo grau de Justiça, seja em lei ordinária, como se quer no Senado, seja na Constituição, conforme sugestão originária da Câmara.

A voz, ou melhor, a grita corrente, denuncia como manobra protelatória o acordo ainda não escrito entre os presidentes da Câmara e do Senado em prol da concentração de esforços na proposta de emenda constitucional cujo teor, em miúdos, dá à segunda instância o caráter de trânsito em julgado, podendo o réu recorrer de aspectos formais do processo, mas já sem direito pleno à liberdade dado o esgotamento do exame das razões de autoria e materialidade do crime.

O deputado Rodrigo Maia e o senador Davi Alcolumbre estariam, por essa versão, mancomunados com a ala dita garantista do Supremo Tribunal Federal para fazer a proposta morrer de inanição. Isso porque a ideia defendida por senadores de alterar a legislação ordinária mediante mudanças no Código de Processo Penal seria mais fácil e rapidamente aprovada. Uma emenda constitucional precisa ser votada em dois turnos nas duas Casas e ainda contar com quórum qualificado de 308 deputados e 49 senadores para ser aprovada.

Murillo de Aragão - Participação, política e sociedade

- Revista Veja

O Brasil precisa de mais transparência no sistema partidário

Repousa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um questionamento — amparado pelos partidos PP e Solidariedade — sobre as atividades da Renova BR, uma associação educacional que oferece cursos de formação política e que instruiu diversos candidatos vitoriosos no pleito de 2018.

Os partidos questionam o fato de movimentos como o mencionado coletarem recursos que não são declarados à Justiça Eleitoral e que seriam usados para “destruir os partidos”, conforme afirmou o deputado federal Paulinho da Força, presidente do Solidariedade.

Não é verdade. Usando da liberdade de associação para fins lícitos, vários movimentos se voltaram à formação de cidadãos interessados em atuar na política e disputar eleições. Os movimentos de renovação política, em seu conjunto, estimularam mais de 500 candidatos nas eleições passadas e elegeram 54 deputados federais. Um resultado espetacular em uma sociedade que até bem pouco tempo atrás não revelava maior interesse em participar do processo político.

Ao se organizarem ao largo dos partidos, os movimentos de participação política incomodam profundamente as estruturas tradicionais de poder. Isso porque romperam o monopólio de mobilização e impuseram suas candidaturas a partir do apoio que obtinham na sociedade.

Ricardo Noblat - A desfeita do capitão com o general

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro come pastel e falta a cerimônia

O presidente Jair Bolsonaro tinha tão pouco o que fazer na última quarta-feira que aproveitou a tarde para sair do Palácio do Planalto e ir comer pastel, e posar para fotos numa feira popular de Brasília.

Voltou ao palácio para receber às 18h o sub do ministro Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da presidência. Depois foi para o Palácio da Alvorada. Não pôs os pés onde era mais esperado.

No começo daquela noite, parte da República estava na cerimônia de lançamento do Instituto General Villas Bôas, entidade criada para ajudar pessoas com doenças raras, crônicas e com deficiência.

Ex-comandante do Exército, assessor do Gabinete de Segurança Institucional, o general Villas Bôas é portador de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), uma doença neuromotora degenerativa.

Monica de Bolle* - Nacionalismo cristão tupiniquim

- Revista Época

O partido de Bolsonaro caminha à frente de seus pares, juntando religião e política de forma explícita


Fui ler o manifesto do partido de Bolsonaro. Antes de mais nada, explico: fui ler o manifesto do novo partido de Bolsonaro não por curiosidade mórbida ou por masoquismo — o fiz por dever de ofício. Há meses ando empenhada na elaboração de um livro sobre nacionalismo econômico com colegas do Peterson Institute for International Economics, onde trabalho. A primeira parte desse livro foi dedicada à formulação de uma metodologia para medir o grau de nacionalismo dos principais partidos dos países-membros do G20 antes e depois da crise de 2008. Para os leitores que estiverem interessados no resultado dessa pesquisa e na metodologia, sigam o link .

Ao todo, lemos plataformas e manifestos de 55 partidos antes e depois da crise. Cruzamos nossos dados com bases de informação que classificam os partidos como populistas ou não populistas, além de outras que identificam seu viés ideológico. Concluímos que os partidos de extrema-direita atuais, tanto em países emergentes quanto nas economias avançadas, tendem a ser populistas e nacionalistas. 



Essa mistura de nacionalismo com populismo é recente — antes da onda atual, muitos partidos com viés nacionalista não eram necessariamente populistas. Por essa razão, as referências aos movimentos de extrema-direita tendem a chamá-los de “populistas” ou de “nacionalistas”, a depender de quem está escrevendo sobre o assunto. Entre cientistas políticos e economistas, o uso do termo “populista” para designar esses partidos e líderes tornou-se bastante comum, evidentemente com razão. No entanto, como a própria definição de populismo é vaga e o termo carrega interpretações diferentes a depender de quem o utiliza, preferimos nos ater à ideia de nacionalismo e, em particular, ao conceito de nacionalismo econômico. 

Guilherme Amado - Bolsonaro nunca combateu a corrupção

- Revista Época

Ela passou a ser uma pauta da família — só no palanque — a partir de 2014, quando a Lava Jato colocou o tema na ordem do dia

A convenção nacional do PP em abril de 2015, em Brasília, foi a mais tensa da história do partido. A sigla, uma das protagonistas do mensalão e do petrolão, estava no precipício naquele momento, quando o país se escandalizava com cada novo ninho de rato que se descobria na Petrobras, a partir, em grande parte, da delação de Paulo Roberto Costa, indicado pelo partido. Ciro Nogueira, presidente do PP desde 2013, já tinha a Lava Jato em seu encalço, mas articularia naquele dia para ser reconduzido. Considerava-se que o partido estava em estado terminal, tamanho o estrago causado pela operação.

Talvez por isso, nem foi um grande destaque do evento o momento em que o caricato Jair Bolsonaro, sete mandatos como deputado federal nas costas e então havia 11 anos no PP, subiu à tribuna. Dirigindo-se a Nogueira, Bolsonaro fez aquele que hoje considera seu primeiro gesto rumo à eleição de 2018: “Eu agradeço, e muito, o que alguns parlamentares fizeram comigo no passado, em especial o Ciro Nogueira. Francisco Dornelles é um pai para mim. Eu, com muita dor no coração, quase com lágrimas nos olhos, para que eu não tenha um sonho interrompido, eu peço humildemente que me conceda a minha desfiliação do Partido Progressista sem perda de mandato. É o apelo que faço a Vossa Excelência com muita dor no coração”. Eis a razão de Bolsonaro para deixar o PP, e não o notório prontuário da legenda, com corruptos condenados e réus. Não era uma surpresa. Antes de o discurso de combate à corrupção se tornar uma usina de votos, o tema nunca foi uma marca de Jair nem de seus três filhos políticos — e, fora das bolhas iludidas do bolsonarismo, assim tem sido em seu governo.

Merval Pereira - Sem futuro

- O Globo

Retirando verbas da Educação, estamos levando uma geração a continuar sem condições de entender o que estuda

Amaior demonstração de que os vícios da velha política permanecem intactos num Congresso que se orgulha de ser “reformista” é a decisão de cortar verbas de impacto social, como para educação e saneamento, a fim de mais que dobrar o Fundo Eleitoral para a campanha das eleições municipais do ano que vem. Prejudicando o futuro dos cidadãos em troca de um presente viciado.

Um país que acaba de sair em estado lastimável do exame internacional Pisa, que mede a proficiência dos estudantes em Leitura, Matemática e Ciências, precisa desesperadamente de uma política educacional. Retirando verbas da Educação, estamos levando uma geração de brasileiros a continuar sem condições mínimas de entender o que estuda, sem os instrumentos adequados para escolher futuramente um candidato.

Transformar o financiamento público de campanhas eleitorais em pretexto para reduzir os gastos sociais no Orçamento federal é o típico comportamento de políticos que vivem numa redoma, descolados da sociedade que representam.

A esquerda alega que criticar o valor gasto em eleições é criminalizar a política. A direita trabalha para a volta do financiamento privado. Todos se veem como servidores públicos injustiçados pelas críticas, e gostariam que mais que dobrar a verba para suas campanhas eleitorais fosse visto pela sociedade como um investimento na democracia.

Bernardo Mello Franco - O inimigo das universidades

- O Globo

Em nova ofensiva, Weintraub associou as universidades federais à produção de drogas. Num governo funcional, a acusação falsa resultaria em demissão sumária

As universidades são centros de pensamento crítico e produção de conhecimento. No governo Bolsonaro, passaram a ser tratadas como inimigas do poder.

O ministro Abraham Weintraub não demorou a atacá-las. Assim que assumiu o cargo, em abril, ele classificou as instituições federais como locais de “balbúrdia”. Em seguida, passou a asfixiá-las com o corte de verbas e bolsas de pesquisa.

Há duas semanas, o ministro iniciou uma nova ofensiva. Em entrevista a um site bolsonarista, ele associou as universidades à produção de drogas. No dia seguinte, repetiu o besteirol no Twitter.

Weintraub disse que “algumas universidades” teriam plantações extensivas de maconha, “a ponto de precisar de borrifador de agrotóxico”. Depois afirmou que faculdades de química esconderiam laboratórios de metanfetaminas.

Míriam Leitão - A reforma que é contrarreforma

- O Globo

Reforma dos militares manteve benefícios e deu grande aumento de salário. Governo quis agradar as Forças Armadas, e Congresso apoiou

As duas últimas semanas foram muito boas para as Forças Armadas. Foi aprovada a reforma da Previdência quase nos mesmos termos do projeto que eles mesmos haviam formulado e cujo ponto alto é a concessão de vários aumentos, adicionais e vantagens na carreira. Eles conseguiram também um decreto financeiro para gastar mais R$ 4,7 bilhões este ano. Além disso, a equipe econômica aceitou pôr na lei orçamentária que o investimento do Ministério da Defesa não pode ser contingenciado no ano que vem.

O discurso da austeridade perde toda a coerência quando se vê o tratamento dispensado aos militares. As Forças Armadas argumentam que os salários estavam defasados em relação a outras carreiras do executivo. É verdade em grande parte. Fazer esse acerto de contas quando o país está em penúria fiscal é discutível. Mas dado que o atual governo queria mesmo corrigir a defasagem, melhor seria ter dado apenas aumento e não todas as vantagens somadas ao longo da carreira e na hora de se aposentar.

Um militar se aposentará tendo aquilo que desde a reforma do ex-presidente Lula não existe mais para os funcionários públicos civis, após 2003: integralidade e paridade. Até quem não entrou ainda na Força terá esse direito de se aposentar com o último salário e recebendo todos os aumentos dos da ativa.

Além disso, eles terão adicional no salário pelos cursos que fizeram, que aumenta quanto mais se avança na carreira. Pode chegar a ser 73% sobre o salário. Outro aumento, que pode chegar a 32%, o militar recebe ao se aposentar, é o adicional de disponibilidade. E ainda ganha um abono, pago uma única vez, de oito salários para as despesas de ir para a reserva. Se for expulso por alguma falta grave, o cônjuge terá direito a uma pensão, como se o militar tivesse morrido. Isso se chama morte ficta e sempre existiu. O sargento da Força Aérea preso traficando cocaína, por exemplo, terá essa pensão. Esse ponto a equipe econômica quis alterar, mas foi mantido apenas com a diferença de que, no futuro, não será o soldo integral, mas proporcional ao tempo trabalhado.

Eliane Cantanhêde - Moro, Guedes e o vácuo

- O Estado de S.Paulo

‘Superministros’ da Justiça e da Economia viram articuladores políticos

É injusto e incorreto classificar a votação do pacote anticrime como derrota do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que fez o que pôde pelo texto e, assim como o ministro da Economia, Paulo Guedes, assumiu um papel que não é dele, para o qual não foi preparado e para o qual ele próprio julgava não ter talento: a articulação política.

O presidente Jair Bolsonaro passou longos 28 anos na Câmara, meteu os filhos 01, 02 e 03 na política e agora está entronizando o 04, mas insiste em negar a política e nem se preocupa em ter uma base aliada sólida e organizada. Joga um projeto atrás do outro no Congresso e lava as mãos. Os ministros que se virem e seja o que as bancadas quiserem.

Num governo em que o chefe da Casa Civil só serve para viagens, solenidades e fotos com o presidente e o anunciado articulador político é um general de quatro estrelas, da ativa!, as negociações, conversas e o esforço de convencimento de deputados e senadores acabam sobrando para quem não é do ramo. Se dá certo, é “vitória do governo”. Se dá errado, é “derrota do ministro”.

Eros Roberto Grau* - Ainda a prisão em segunda instância

- O Estado de S.Paulo

É só o Legislativo inovar, com prudência, nossos Códigos de Processo Penal e Civil

O texto do artigo 5.º, inciso LVII, da nossa Constituição - uma de suas cláusulas pétreas - é cristalino: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A partir daí afirmei aqui mesmo, em texto publicado no dia 22 de novembro, que só uma nova Assembleia Constituinte poderia impor a prisão após condenação em segunda instância. Desejo agora dar a mão à palmatória, pois essa minha afirmação decorreu da consideração isolada do artigo 5.º, inciso LVII, e não do todo que a nossa Constituição compõe.

Há alguns dias li num jornal uma notícia muito interessante. Plenamente consciente de que o artigo 60, parágrafo 4.º, IV, da nossa Constituição estabelece que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, cogita de algo novo. Uma emenda constitucional que estabeleça que as sentenças penais condenatórias transitarão em julgado imediatamente após sua confirmação em segunda instância, a partir daí tornando-se possível a propositura de ações rescisórias perante o Superior Tribunal de Justiça.

Retornei, então, à Constituição no seu todo e à prática da pesquisa, como a exercitava no meu tempo de jovem. De lá para cá, de cá para lá encontrei a ata da 23.ª Reunião Extraordinária da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, realizada em 7 de junho de 2011. Uma audiência pública destinada a debater a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15/2011, que alterava os artigos 102 e 105 da Constituição para transformar os recursos extraordinário e especial em ações rescisórias. Audiência em torno da exposição do ministro Cezar Peluso, então presidente do Supremo Tribunal Federal, sobre a matéria.

Vídeo | Graziela Melo - Guerreira mãe e flor

O que a mídia pensa – Editoriais

Decisão sensata – Editorial | Folha de S. Paulo

Plenário do STF acaba com incerteza criada por Toffoli para conter investigações

Ao disciplinar o acesso de órgãos de investigação a informações sigilosas detidas pelo governo, o Supremo Tribunal Federal fez o bom senso finalmente prevalecer numa discussão que se prolongou por meses desnecessariamente.

Nesta quarta-feira (4), o plenário da corte decidiu que a Receita Federal e a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), vinculada ao Banco Central, podem compartilhar dados com o Ministério Público e a polícia sem a necessidade de uma autorização judicial prévia —e sem restrições.

Basta que os investigadores protejam o sigilo garantido pela Constituição às informações bancárias e fiscais dos alvos de suas apurações. Cabe à Justiça exercer o controle posteriormente em casos de vazamento ou mau uso dos dados.

O Supremo estabeleceu ainda o entendimento de que a comunicação entre esses órgãos e o repasse das informações devem ocorrer sempre de maneira formal e por meio de canais oficiais —uma norma já prevista pela legislação, mas nem sempre respeitada.

Música | Caetano Veloso - Canto do povo de um Lugar / um Tom

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Aula de português

A linguagem
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender.A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.