DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Os ganhos sistêmicos com a maior penetração de importações são muito superiores às perdas
A evolução da economia ao longo dos mandatos de FHC e de Lula é uma lição prática sobre o funcionamento de uma economia de mercado. Esse período de 16 anos permite ao analista mais cuidadoso confrontar ensinamentos teóricos com o desenrolar de fatos reais dentro de nossa sociedade.
Uma primeira lição, que não é contestada hoje nem mesmo por aqueles que a negaram por muitos anos, está relacionada com o controle da inflação. Ela é a base inquestionável para que uma sociedade possa se desenvolver e levar o cidadão a níveis de bem-estar econômico crescentes.
Mas o controle da inflação é apenas uma condição para que o desenvolvimento possa ocorrer. Para chegar ao pleno potencial de geração de renda para o cidadão, um longo caminho precisa ser trilhado, principalmente quando se parte de uma situação de crise como era o caso do Brasil em 1994. É o que vem acontecendo ao longo de todos estes anos.
Uma das últimas etapas desse verdadeiro caminho de São Tiago está ocorrendo agora com o aprofundamento da abertura da economia às importações.
Sei que é um tema polêmico mesmo no universo de meus leitores da Folha. Mas estou convencido de que os ganhos sistêmicos da sociedade com a maior penetração de importações são muito superiores às perdas pontuais que possam ocorrer. Principalmente se o governo seguir uma política eficiente no enfrentamento dos problemas microeconômicos que nos afligem.
Vou tratar neste nosso encontro da evolução de uma cadeia produtiva importante -a indústria automobilística- e de como ela foi afetada positivamente pela abertura econômica.
Até bem recentemente, o mercado de automóveis no Brasil era um dos mais fechados entre os de bens de consumo duráveis. Uma vigorosa barreira tributária faz com que um automóvel, entre o porto de origem e o consumidor brasileiro, tenha seu preço multiplicado por dois.
Com essa proteção não havia estímulo para que ganhos de produtividade ocorressem ao longo da cadeia produtiva e chegassem ao consumidor. Os preços dos automóveis produzidos no Brasil ficavam sempre ligeiramente abaixo daqueles dos importados, refletindo uma política racional de uma empresa privada em uma economia de mercado com proteção elevada.
Essa estrutura, que permaneceu por várias décadas, começou a ruir com o aumento do poder aquisitivo dos brasileiros e o alongamento, pelos bancos, dos prazos de financiamento da compra de bens duráveis.
Mesmo com preços elevados, a participação dos importados começou a crescer à medida que sua qualidade superior passou a pesar no comportamento do consumidor brasileiro. Nos primeiros momentos desse processo, essa mudança não foi devidamente percebida, inclusive porque a indústria brasileira trabalhava a plena carga.
Mais recentemente, outro fenômeno começou a ocorrer nesse mercado. A indústria brasileira de aço -que também goza de proteção tarifária- iniciou um processo de elevação de preços com o claro objetivo de aumentar a parcela de seus lucros em um momento de excitação de demanda.
Afinal, isso já havia acontecido várias vezes no passado. Só que agora, pressionada pelas importações, a indústria automobilística não podia repassar ao consumidor esse aumento de preços.
Como os produtores de veículos no exterior usam em suas cadeias de produção um aço que custa entre 30% e 40% menos do que seus concorrentes no Brasil, a batalha pelo consumidor ficou mais acirrada.
Nessas condições, de forma racional, as montadoras decidiram usar o aço mais barato -mas de mesma qualidade- que estava disponível no exterior. As siderúrgicas brasileiras não tiveram alternativa senão reduzir seus preços e alinhá-los com os praticados no exterior.
Uma vez quebrado o padrão anterior, daqui para a frente o preço do aço no Brasil seguirá mais perto os praticados no exterior. E o grande ganhador com isso será certamente o consumidor brasileiro.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Escreve às sextas, quinzenalmente, nesta coluna.
Os ganhos sistêmicos com a maior penetração de importações são muito superiores às perdas
A evolução da economia ao longo dos mandatos de FHC e de Lula é uma lição prática sobre o funcionamento de uma economia de mercado. Esse período de 16 anos permite ao analista mais cuidadoso confrontar ensinamentos teóricos com o desenrolar de fatos reais dentro de nossa sociedade.
Uma primeira lição, que não é contestada hoje nem mesmo por aqueles que a negaram por muitos anos, está relacionada com o controle da inflação. Ela é a base inquestionável para que uma sociedade possa se desenvolver e levar o cidadão a níveis de bem-estar econômico crescentes.
Mas o controle da inflação é apenas uma condição para que o desenvolvimento possa ocorrer. Para chegar ao pleno potencial de geração de renda para o cidadão, um longo caminho precisa ser trilhado, principalmente quando se parte de uma situação de crise como era o caso do Brasil em 1994. É o que vem acontecendo ao longo de todos estes anos.
Uma das últimas etapas desse verdadeiro caminho de São Tiago está ocorrendo agora com o aprofundamento da abertura da economia às importações.
Sei que é um tema polêmico mesmo no universo de meus leitores da Folha. Mas estou convencido de que os ganhos sistêmicos da sociedade com a maior penetração de importações são muito superiores às perdas pontuais que possam ocorrer. Principalmente se o governo seguir uma política eficiente no enfrentamento dos problemas microeconômicos que nos afligem.
Vou tratar neste nosso encontro da evolução de uma cadeia produtiva importante -a indústria automobilística- e de como ela foi afetada positivamente pela abertura econômica.
Até bem recentemente, o mercado de automóveis no Brasil era um dos mais fechados entre os de bens de consumo duráveis. Uma vigorosa barreira tributária faz com que um automóvel, entre o porto de origem e o consumidor brasileiro, tenha seu preço multiplicado por dois.
Com essa proteção não havia estímulo para que ganhos de produtividade ocorressem ao longo da cadeia produtiva e chegassem ao consumidor. Os preços dos automóveis produzidos no Brasil ficavam sempre ligeiramente abaixo daqueles dos importados, refletindo uma política racional de uma empresa privada em uma economia de mercado com proteção elevada.
Essa estrutura, que permaneceu por várias décadas, começou a ruir com o aumento do poder aquisitivo dos brasileiros e o alongamento, pelos bancos, dos prazos de financiamento da compra de bens duráveis.
Mesmo com preços elevados, a participação dos importados começou a crescer à medida que sua qualidade superior passou a pesar no comportamento do consumidor brasileiro. Nos primeiros momentos desse processo, essa mudança não foi devidamente percebida, inclusive porque a indústria brasileira trabalhava a plena carga.
Mais recentemente, outro fenômeno começou a ocorrer nesse mercado. A indústria brasileira de aço -que também goza de proteção tarifária- iniciou um processo de elevação de preços com o claro objetivo de aumentar a parcela de seus lucros em um momento de excitação de demanda.
Afinal, isso já havia acontecido várias vezes no passado. Só que agora, pressionada pelas importações, a indústria automobilística não podia repassar ao consumidor esse aumento de preços.
Como os produtores de veículos no exterior usam em suas cadeias de produção um aço que custa entre 30% e 40% menos do que seus concorrentes no Brasil, a batalha pelo consumidor ficou mais acirrada.
Nessas condições, de forma racional, as montadoras decidiram usar o aço mais barato -mas de mesma qualidade- que estava disponível no exterior. As siderúrgicas brasileiras não tiveram alternativa senão reduzir seus preços e alinhá-los com os praticados no exterior.
Uma vez quebrado o padrão anterior, daqui para a frente o preço do aço no Brasil seguirá mais perto os praticados no exterior. E o grande ganhador com isso será certamente o consumidor brasileiro.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Escreve às sextas, quinzenalmente, nesta coluna.
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