Em março, com pouco mais de um mês no Senado, Itamar Franco foi designado presidente de comissão mista responsável pela análise de medida provisória relativa ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Levou a sério a tarefa e convocou a reunião de instalação, mas não houve quórum. Além dele, apareceu apenas um dos 12 titulares, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).
O ex-presidente protestou no plenário contra o "aviltamento" do Congresso. O esvaziamento das comissões mistas, previstas no artigo 62 da Constituição para emitir parecer sobre as MPs, era apenas um dos problemas que o ex-presidente queria expor. "Eu venho dizer da minha desesperança, pelo menos até agora, com o Poder Legislativo. Estamos brincando do que não somos: de legisladores", disse.
Assim como Itamar, os atuais senadores se insurgiram contra o que consideram submissão ao Executivo. E, mais uma vez, tentam mudar as regras de tramitação. Desde sua criação, na Constituição Federal de 1988, a MP é apontada como responsável por entraves ao processo legislativo e conflitos entre Câmara e Senado. Como o próprio Itamar dizia, cumprir as regras existentes talvez já ajudasse a melhorar o processo legislativo.
Câmara deve mudar PEC, mas deixando prazo para Senado
O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), em seu décimo mandato na Câmara, discordou de alguns pontos da emenda constitucional que resultou no artigo 62 da Constituição, em 2001. Mas defende que a regra seja obedecida. "A culpa é do Congresso Nacional. Mesmo sendo ruim o ritual de tramitação, o Congresso não o cumpre. Não instala as comissões e não examina o juízo de admissibilidade."
Para Miro, seria mais útil acabar com esse requisito de relevância e urgência, que são conceitos objetivos e abrangentes. "Não somos parlamentaristas. No parlamentarismo, se a MP cair, cai o governo. É o voto de desconfiança. Aqui no presidencialismo brasileiro, que é imperial, ela virou o instrumento da lei de um homem só", diz.
O processo, em geral, se repete. A Presidência da República edita, o Congresso aceita, as comissões mistas nunca são instaladas, o texto vai ganhando penduricalhos ao longo da discussão - embora a legislação atual já determine que cada lei deve tratar de um único objeto -, a pauta de votações da Câmara acaba trancada por causa da demora na tramitação, e o Senado vota às pressas, sem poder alterar o texto, sob pena de levar a medida a perder a validade.
As críticas a esse quadro ocuparam boa parte das sessões do Senado deste ano. Para Pedro Taques (PDT-MT), o Congresso virou "apêndice" do Palácio do Planalto. Ana Amélia (PP-RS) diz que a função de legislar foi delegada ao Executivo, que predomina na produção legislativa brasileira. O petista Walter Pinheiro (BA) afirma que o Senado virou "carimbador de medidas provisórias".
A pressão levou o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), a apresentar uma proposta de emenda constitucional (PEC) para, basicamente, dividir o tempo de tramitação entre Câmara e Senado. Como relator, Aécio Neves (PSDB-MG), enxergando oportunidade de afirmação do mandato, avançou. Chegou a propor que as MPs só tivessem força de lei após aprovação da admissibilidade por uma comissão permanente. A ideia foi barrada. Após muita negociação, chegou-se à PEC aprovada - com rara agilidade.
Como está, a PEC pode resultar em problemas para o governo. De cara, vai aumentar a necessidade de entendimento com os parlamentares. Atualmente, em muitos casos, o Planalto precisa negociar a aprovação de uma MP apenas com a Câmara, onde a tramitação se prolonga. Com a regra proposta, serão vários os balcões. A começar pelas comissões de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e do Senado, que passam a ter a tarefa de dar parecer sobre a admissibilidade (nos dez primeiros dias do prazo da respectiva Casa).
Com a nova regra, os 120 dias de tramitação são divididos entre Câmara (80 dias) e Senado (30). Os dez dias restantes ficam reservados para a Câmara analisar eventuais mudanças feitas no Senado. O texto veda a reedição, na mesma sessão legislativa, de "matéria constante" de MP rejeitada ou que tenha perdido eficácia por decurso de prazo. A intenção é evitar o que ocorre hoje: a reedição de MP é proibida, mas partes dela pegam carona em outras.
Já houve duas mudanças na tramitação das MPs. Em 2001, quando Aécio presidia a Câmara, emenda constitucional proibiu reedições e instituiu o trancamento da pauta - um dos problemas atuais. A Câmara não teve, em 2011, uma única sessão deliberativa ordinária com a pauta liberada. Michel Temer, em sua última gestão na presidência da Casa, adotou uma interpretação inovadora. Restringiu as matérias sujeitas ao trancamento da pauta, criando a possibilidade de algumas propostas serem apreciadas em sessões extraordinárias. Melhorou, mas não resolveu o problema, principalmente do Senado.
Até agora, Aécio conduziu o processo sem muita contestação. Mas o PT da Câmara pretende enfraquecer seu papel, lembrando a Lei Delegada adotada no governo de Minas Gerais em questões administrativas. A essas críticas, o tucano reage mostrando diferenças entre a MP e a Lei Delegada - previamente autorizada pela Assembleia Legislativa do Estado, trata de um tema só e tem prazo definido.
Na Câmara, a tendência é alterar a PEC. Para dividir os louros de Aécio, mas também para reduzir amarras do governo. Mas há simpatia por manter o prazo para o Senado votar, porque nem mesmo os petistas querem continuar "legislando de brincadeira". E uma rebelião na Casa pode tumultuar votações do interesse do Planalto.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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