quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A “faxina” de Dilma e a possibilidade de recuperação das prerrogativas do Congresso::Jarbas de Holanda


A intervenção no ministério dos Transportes (do qual foi afastado todo o comando, inclusive o ministro, virtualmente demitido); a ordem para a demissão do secretárioexecutivo do da Agricultura; e o crédito pelas prisões de 35 integrantes da cúpula da pasta do Turismo estão propiciando uma avaliação predominantemente positiva da presidente Dilma Rousseff. Estimulada por sua retórica moralista de que não tolerará práticas de corrupção em nenhum órgão do governo. Embora as ações em dois dos ministérios se tenham devido a denúncias da imprensa e, no terceiro a uma operação da Polícia Federal, cujo crédito é no mínimo controverso pois o Palácio do Planalto proclamou formalmente, ou simulou, ter sido surpreendido.

Nos segmentos melhor informados da sociedade tais ações são bem recebidas até pelo contraste com o bloqueio e as tentativas de desqualificação que denúncias semelhantes sofreram nos dois mandatos de Lula, e como encorajamento para elas que prossigam e se ampliem. E a avaliação política favorável – ainda recusada por vários analistas mas já feita por outros, inclusive por alguns de postura oposicionista, bem como por um pequeno grupo de parlamentares independentes da liderança de seus partidos – estende-se de um apoio pontual às referidas ações até a aposta no desdobramento delas e de que isso levará a progressivo conflito da presidente com seu antecessor e padrinho.

Sem dúvida é correta a indignação social gerada pelas recentes denúncias da mídia, desde as que envolveram o ex-chefe da Casa Civil Antonio Palocci, e pelo conhecimento amplo dos critérios de composição do governo, com a divisão fisiológica dos cargos e do acesso a verbas entre os partidos que o apoiam. Indignação que inclui a cobrança de punição para os responsáveis por tais práticas e que crescerá com uma extensão delas a mais órgãos da máquina federal, como as que se voltam para o ministro peemedebista da Agricultura, Wagner Rossi.

Mas esse processo precisa de dividendos bem mais qualificados que os que tem obtido até agora e vincular-se a objetivos políticos e institucionais diversos daqueles que estão prevalecendo. Por enquanto, ele tem servido, basicamente, ao marketing da presidente Dilma, orientada pelo publicitário João Santana para a conquista na classe média de um respaldo que se somará, ou somaria, ao de Lula, muito forte, no chamado povão. E se assenta na contraposição de um Executivo “trabalhador e ético” a um Congresso “de politiqueiros e corruptos”, explorando e potencializando a imagem popular negativa do segundo. Marketing inteiramente falso pois a exacerbação dos critérios fisiológicos de composição do governo e de formação da base parlamentar de apoio foi concebida e consagrada pelo ex-presidente Lula após o desastre do mensalão, com base em sua elevada popularidade e tendo em vista a dupla função de controle das decisões do Legislativo e de montagem da aliança para a eleição da sucessora. Isso implicando um grande esvaziamento da autonomia e das prerrogativas institucionais deste e a troca delas por cargos e verbas do governo federal. Num roteiro cuja sequência será extremamente lesiva à preservação da democracia representativa que as diversas variantes do populismo latino-americano vêm tentando substituir pela “democracia direta” autoritária e plebiscitária.

À frente, há dois cenários possíveis. Um deles, o de continuidade dessa troca, que a presidente Dilma tem posto em xeque com seu estilo impositivo e com o acolhimento de parte das denúncias da mídia, mas que deseja manter tornando-o ainda mais vantajoso para o Executivo por meio de maior controle, pessoal, sob a justificativa de critérios técnicos, das indicações dos partidos para os diversos cargos. Continuidade articulada pelo padrinho Lula. Inclusive para evitar uma resposta efetiva e constitucional à amplitude dos escândalos político administrativos que vêm sendo identificados – a instauração de uma CPI independente, como a dos Correios e do mensalão instaurada em 2005.

O outro cenário, de probabilidade ainda pouco visível, é o de reconstrução e afirmação das prerrogativas do Congresso. Mas este precisará configurar-se a partir de uma postura autocrítica das principais lideranças parlamentares não petistas, dos campos governista e da oposição, sobre a série de escândalos envolvendo ou protagonizados por representantes dos diversos partidos. Autocrítica combinada com uma mudança de qualidade da relação com o governo, dependente sobretudo da direção do PMDB, agora unificada ou bem menos dividida que antes. A qual já ensaiou um primeiro passo nesse sentido – o anúncio de um bloco parlamentar sem o PT – recebido criticamente por alguns analistas que o avaliaram como a remontagem do ‘centrão’ que atuou na Constituinte do final dos anos 80.

Jarbas de Holanda é jornalista

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